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A escravização pelo celular

Marcio-chocorosqujiAinda me lembro daquele telefone de latas e cordão que fazíamos quando crianças. Amarrávamos as latas nas extremidades do fio e o esticávamos. Então, enquanto um falava, numa das pontas, o outro ouvia, e vice-versa. Não passava de uma simples brincadeira infantil, uma experiência que demonstrava a comunicação entre duas pessoas a uma pequena distância. Às vezes era até um trabalho de escola.

Na mesma época, meus pais compraram um telefone de verdade. Corriam os anos 80 e o aparelho era aquele provido de um círculo no qual se discavam os números. Atente-se para o verbo discar. Quer dizer que se metia o dedão num furo do círculo correspondente ao número e rodava-se. Digo isso porque os mais jovens só conhecem essas coisas por fotos da internet (ou talvez nem conheçam).

Que formidável é a tecnologia! Avança o sinal vermelho do tempo e apresenta sempre uma espantosa novidade. Aquele velho telefone de discar ganhou teclas e ficou sem fio. Com ele, falava-se em qualquer parte da casa. Víamos e invejávamos, nas novelas da televisão, o telefone sem fio na casa de gente rica, sendo utilizado na beira de uma luxuosa piscina. Mas isso não era nada comparado ao que viria tempos depois: o telefone celular, hoje o mais popular dos eletrônicos. E todo esse rodeio é para se chegar a ele.

A tecnologia é mesmo formidável. Facilita muito a vida do homem. Mas também pode escravizá-lo. Parece que a falta de determinada máquina dificulta-lhe sobremodo o cotidiano. Nesse sentido vai a relação de muita gente com o telefone celular. Este é que manda. O homem vira o instrumento, torna-se dependente químico do celular. A princípio, era um aparelho que tinha, simplesmente, a finalidade de telefonar, propiciando a comunicação rápida e eficiente entre as pessoas em qualquer hora e lugar.

Então vem novamente a tecnologia, cujo avanço incluiu ao celular múltiplas funções. Ele acessa a internet, exibe vídeos, toca música, tira fotos, roda jogos, tem calculadora, relógio, despertador… Contudo, o mau uso que dele se faz tornou-se um preocupante inconveniente no convívio social. Muitas pessoas, escravas do celular, não percebem (ou não querem perceber) o quanto são inoportunas, desrespeitando e incomodando seus semelhantes. O celular berra (geralmente uma escolha sonora bastante indiscreta) e é atendido no momento e ambiente impróprios: na sala de aula, na biblioteca, na reunião, na consulta médica, no cinema, no teatro, no velório, nas igrejas etc.

Se isso, por si só, já é perturbador, há de se considerar outro hábito muito pior. Os celulares também funcionam como verdadeiras caixas de som. Assim, em locais públicos, quase sempre há um mal educado que insiste em ligar seu aparelho no último volume para ouvir a música de seu gênero preferido, coincidentemente do pior gosto. E isso como se fosse algo normal.

Ninguém é obrigado a aceitar e ouvir a música que outro põe em seu celular. É falta de respeito e educação que isso ocorra nos ônibus, nas escolas, nas praças, nas filas, nos bares e restaurantes, nos hospitais, nos cemitérios. Esse tipo de usuário do celular deve se conscientizar sobre isso, para que nos poupe dessa praga que assola a vida em sociedade e para que possa viver harmoniosamente com os outros ao seu redor.

Entretanto, essa conscien-tização está muito mais distante do que a próxima e surpreendente inovação tecnológica. Enquanto isso, pego-me lembrando do telefone de latas e fio, do telefone de discar. Misturo tudo com uma reflexão sobre a tecnologia, que, no seu lado negativo, faz do homem um preguiçoso, que deixa de fazer as coisas por si mesmo e, assim, fica mais ignorante. Será que haverá um dia em que, no seu cotidiano, o homem terá aparelhos que façam tudo por ele, inclusive pensar?

 

 

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