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Capacitação de Magistrados e debates de interesse público

mirla-regina-f.-diego-gurgeA partir da Emenda Constitucional 45/2004, que impôs o constante  aperfeiçoamento para a boa atuação dos juízes, como pressuposto para promoção por merecimento, as escolas da magistratura (a nacional e as estaduais) assumiram maior relevância. Passaram a ser exigidos do juiz, além da produtividade mensal, diversos requisitos técnicos elencados no art.8º da Res. 106 do CNJ. 

Para habilitar-se às promoções na carreira, cada juiz deve ter agora, obrigatoriamente, um mínimo de 40 horas-aula de aperfeiçoamento técnico por ano. Para o vitaliciamento, são necessárias 60 horas-aula por ano (Art.6º, Res.2/ENFAM). Há um calendário de capacitação, que não se interrompe sequer nas férias dos juízes. O certificado de aproveitamento só é emitido após a aprovação dos relatórios de aulas e conclusões do aluno sobre os temas propostos. 

O resultado tem sido louvável. Crescemos em conhecimento e preparo. Nos anos mais recentes, o conteúdo da grade curricular de capacitação foi ampliada. Já não se exige apenas conhecimentos técnicos para o ato de julgar. Os magistrados estão recebendo cursos humanísticos, de filosofia, ética, e de administração judiciária, sob o foco da gestão eficiente de cada cartório, do planejamento estratégico e da gestão de pessoas, dentre outros.

Com o suporte das Escolas da Magistratura, esses conhecimentos tem contribuído, inclusive, para que os juízes, como administradores judiciários, compreendam melhor a dinâmica das receitas e despesas públicas, e assim possam se posicionar na defesa de uma melhor atuação do Poder Judiciário, já que a celeridade (na área fim) depende da estrutura (na área meio).

Durante a 1ª Jornada de Estudos em comemoração aos 24 anos da Escola da Magistratura do Acre, compartilhei com meus colegas os conhecimentos obtidos no curso de Administração Judiciária da Enfam – Escola Nacional de Formação de Magistrados, com ênfase no orçamento público e seus ciclos. 

O debate, mais do que oportuno, acabou tendo como pano de fundo a questão do Estado Democrático de Direito, segundo o qual todos, sem distinção, devem se submeter às normas em vigor na nação. No tocante à independência e harmonia, patenteou-se que  a autonomia administrativa e financeira  na prática do orçamento se traduz, dentre outros casos,  na fixação conjunta de limites de gastos de cada um dos poderes, por ocasião da elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Com o devido respeito, todos já sabem que essa fixação conjunta de limites não tem ocorrido. 
 Romper com essa prática antiga, com vistas a aperfeiçoar a própria organização dos poderes não é fácil, mas é necessário e urgente. É por isso que a sociedade precisa conhecer os fatos com transparência e se posicionar também, afinal ela é a destinatária dos serviços públicos. 

Tomando como exemplo o caso das diretrizes orçamentárias, observamos que embora a forma de organização e funcionamento das instituições do Poder seja uma coisa na teoria, isto é, na Teoria Geral do Estado, seus reflexos  atingem situações que, mesmo norteadas por princípios constitucionais, tem sido ignoradas na prática. Isso requer uma correção na agenda orçamentária, desde o Plano Plurianual, passando pela Lei de Diretrizes, até a Lei Orçamentária.

O Poder Legislativo precisa urgentemente despertar para o seu papel e ter essa noção de que não deve se apequenar. Ao contrário, impõe-se re-conhecer que seu poder na verdade aumentou com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal – pois a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) lhe conferiu acentuada participação no processo orçamentário.  Para essa  participação consciente se exige um conhecimento bem mais detalhado da receita e despesa pública, isto é, conhecimentos próprios, não só baseados em informações recebidas, mas obtidos por meio de análise criteriosa das tabelas fiscais. Se o espaço das escolas judiciais propicia tais discussões, é no “locus” do parlamento que deve fluir o mais profundo debate quanto às previsões de gastos e despesas públicas, com exame detalhado.

Quanto ao ciclo orçamentá-rio, somente agora a fase prévia de elaboração e planejamento do gasto público vem a ser discutida amplamente. Mas na verdade sabemos que se consolidou por meio da prática do conhecido “pires na mão”, e isso vem de muitos governos anteriores. 

Por isso é histórico e digno de louvor o esforço que está sendo feito, ainda que com desgastes, para o restabelecimento do Estado Democrático em matéria orçamentária. Atualmente, nem o Judiciário nem o Legislativo possuem concreta e efetiva independência, situação que precisa ser revista e aperfeiçoada. 

Com o devido respeito, o papel do legislador não deve ser mais de aprovação meramente burocrática de um documento formal, como antes. E o debate só é possível graças à obrigatoriedade da transparência fiscal, imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se por um lado o impasse atual causa certo desgaste entre os poderes, por outro, fechar as portas para o diálogo natural que aperfeiçoa o funcionamento do Estado não me parece uma boa medida. Se é regra propor a conciliação nos processos em geral, essa mesma regra deve alcançar o litígio envolvendo poderes estatais. 

Mesmo havendo demanda em tramitação, é importante que os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sentem e conversem. Esse diálogo é normal em todos os processos judiciais. O Executivo precisa reconhecer que o Judiciário também cresceu ao longo do tempo e, pelo menos, apresentar uma contraproposta aos termos apresentados pelo Tribunal de Justiça. O Legislativo precisa igualmente atuar nesse sentido. 

Indo um pouco mais além, considero excelente a idéia de criação de escolas de aperfeiçoamento de agentes políticos em todos os poderes. Não sendo possível criar uma escola do legislativo, como existem as escolas da magistratura, que seria um avanço inédito pensar pelo menos em capacitações eventuais com conteúdo público mínimo, voltado à atuação do legislativo, isso na reforma política que está em debate.

A Bíblia – Palavra de Deus – diz no Livro de Oséias que todo o povo  perece quando lhe falta o conhecimento. Não queremos isso. O Livro de Provérbios diz que o conhecimento deve ser buscado por todos. Há também um conhecido princípio de justiça – dar a cada um o que é seu. Sem tirar nem por. 

Os tempos são outros. O nosso querido Estado do Acre está se desenvolvendo, e o Judiciário também vem acompanhando o mesmo ritmo.Cresceu muito nos últimos dez anos. Graças à atuação de seus juízes, o TJ/Ac ficou em décimo lugar no ranking de 97 tribunais no ano de 2010. Magistrados acreanos, além de atuarem nos processos judiciais, acumulando varas e serviços administrativos,  tem trabalhos sociais e de cidadania reconhecidos nacionalmente, como projeto Cidadão e Justiça Comunitária. Além dos programas “Juiz na escola”, “Começar de novo” e do Projeto “Ser feliz, drogas não”, novos projetos estão em andamento para alcançar os desassistidos de justiça.

A Justiça, como direito huma-no, também deve caminhar para alcançar todos os municípios. Esse acesso é uma garantia constitucional de todos os acreanos, um serviço público fundamental, como os demais. Negá-lo corresponde a negar a própria cidadania. 

 É lógico que o crescimento da Justiça repercute no seu custo por habitante, mas a resposta vem em mais qualidade e celeridade na atuação dos magistrados. Igual raciocínio também se aplica ao custo por habitante dos demais poderes, que são imensamente maiores. Vale lembrar que  a fixação dos limites percentuais dos poderes jamais afetará verbas sociais obrigatórias do Estado, pois o percentual de tais verbas (educação e saúde) é prévia e constitucionalmente fixado.

Diante de impasses como esse é que temos que aproveitar para irra-diar a sombra da árvore chamada conhecimento – é dela que mais precisamos. Não só nas escolas da magistratura, mas em todas as escolas e faculdades. Aliás, nessa parte, precisamos de uma imensa floresta, cujo desmatamento jamais ocorrerá. Parafra-seando a polêmica do código florestal, não tem motosserra que a vença.

Não nego que há um longo caminho a percorrer, mas a semente do respeito entre as instituições, há de nascer e se fortalecer. Há um tempo certo para tudo. Futuramente veremos seus frutos. Meus agradecimentos às Escolas Judiciais.

* Juíza de Direito Mirla Regina Cutrim.

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