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Festa cultural na terra da escritora Cora Coralina

As ruas de pedra e ladeiras da Cidade de Goiás, tombada como Patrimônio da Humanidade, transpiram a celebração poética da vida de Cora Coralina contaminando todos os eventos que acontecem durante o FICA (Festival de Cinema e Vídeo Ambiental). Por isso, apesar da agenda apertada para assistir a exibição dos 40 filmes da mostra competitiva e as outras paralelas que ocorrem durante o Festival, visitar a Casa da Ponte, onde a poetisa nasceu e morreu, é uma viagem no tempo. O imenso casarão no centro da cidade construído no século XVIII guarda a memória de várias gerações que viveram nos períodos coloniais, imperiais e contemporâneos.
Cora
O casario é imenso, mas Cora Coralina conseguiu imprimir nas suas paredes a marca da sua simplicidade. O lugar foi preservado desde a sua morte com o acervo da vida cotidiana da poetisa e renomada doceira. Os livros dispostos na biblioteca, a máquina de escrever em que aprendeu a datilografar para publicar o seu primeiro livro aos 76 anos, um arsenal de panelas e colheres de paus para cozinhar os seus quitutes, manuscritos redigidos com uma letra impecável e um quintal com uma fonte de água pura da Serra Dourada. Uma casa antiga transformada em um museu vivo que transpira a poesia de Cora Coralina.

Apesar da imensidão do casarão, a poetisa dormia num quarto pequeno, com uma cama de solteira, a imagem de Nossa Senhora do Universo e a vista para o Rio Vermelho. Dali Cora Coralina observava a simplicidade da vida dos seus conterrâneos para transformá-la em poesia. No vídeo, na entrada da casa/museu uma gravação de uma entrevista em que Cora Coralina, aos 95 anos, afirmava: “Estou vivendo o melhor tempo da minha vida. Não há mais incertezas, só certezas. Tenho muito mais do que preciso para ser feliz”. Uma lição de quem valorizou a benção de viver até o seu último suspiro aos 96 anos. Sempre radiando otimismo e positividade através da sua poesia e da sua maneira simples de aproveitar a vida.   

Filmes
Pelo menos três filmes que foram exibidos durante o FICA merecem destaque por utilizarem a vida comunitária como foco para o debate sobre o meio am-biente. Os diretores brasileiros Marcos Negrão e André Rangel fizeram uma incrível produção no Tibete, A Terra da Lua Partida. Falado no idioma local o filme mostra o efeito da economia moderna e do aquecimento global sobre as milenares tradições tibetanas. As novas gerações de camponeses do Himalaia abandonando a terra natal exaurida pelas mudanças climáticas em busca da sociedade de consumo das grandes cidades.

O Desejo da Vida de Changu do chinês Xia Chenan tem uma temática parecida. No Norte da China camponeses entram num dilema entre perseverarem na terra dos seus ancestrais ou migrarem para a cidade para trabalhar na indústria. O diretor revela na trama uma armadilha do destino mostrando que a vida urbana é apenas uma ilusão. A possibilidade de acessar aos bens de consumo é apenas para poucos privilegiados.

O tema parece ser mesmo recorrente em várias partes do mundo. No filme tcheco Tudo pelo Bem do Mundo e de Nosovice os agricultores de uma pequena vila da República Tcheca são induzidos a venderem suas terras para a instalação de uma fábrica da Hyundai. Apesar de receberem quantias elevadas em dinheiro da indústria automobilística acabam se frustrando por perderem a essência do modo de viver, da cultura e da memória dos seus antepassados.

Movimento em torno da cultura
O FICA é muito mais do que exibição de filmes. Além dos grandes nomes da música que se apresentaram como Maria Rita, Manu Chao e Rita Lee, no Palácio Conde dos Arcos acontecem os shows das bandas regionais. O grupo Passarinhos do Cerrado mostrou o vigor e a mistura de ritmos da nova música goiana. Na praça em frente à Igreja da Boa Morte, uma orquestra sinfônica de jovens estudantes apresenta clássicos e populares ao pôr do sol.

O FICA tem um movimento frenético e constante durante todo o dia e a noite. Debates, oficinas de capacitação, feiras de artesanatos e de tecnologia. Pessoas de todas as partes do Brasil e do exterior ocupam os bares e restaurantes em conversas que atravessam a madrugada. Os encontros fluem soltos nas praças, em frente aos casarões antigos, nas pousadas. Celebridades artísticas e políticas misturadas a turistas e curiosos. Um movimente de integração humana das mais diferentes matizes e ideologias.

A lição de Manu Chao
Considerado um dos artistas mais criativos do planeta, Manu Chao, deu toque especial a programação do Festival. O músico francês com raízes na Espanha e no Brasil conversou com os jornalistas. Falou sobre a importância dos assuntos tratados no FICA: “O tema do meio ambiente é uma prioridade para qualquer cidadão do mundo. A solução é frear o consumismo exagerado. A gente não precisa de tantas coisas para viver feliz e do que a televisão tenta botar na nossa cabeça que é indispensável. Moro em Barcelona e não tenho carro. Prefiro andar de bicicleta porque não preciso. Os jovens me encontram no Metro e ficam espantados. A economia mundial precisa do consumo e a produção exagerada utiliza indevidamente os nossos recursos naturais”, revelou.

Manu Chao revelou que o seu filho brasileiro viveu por um tempo na Amazônia. “Mas pessoalmente conheço pouco. No ano passado fui a Belém porque estou trabalhando com os mestres do carimbó do Pará. Mas sei que é o pulmão do planeta e existe uma guerra entre a preservação da floresta e a doideira da economia. Os políticos precisam ter uma posição clara sobre o assunto para que consigam frear os interesses privados que estão destruindo a floresta. Meu trabalho é fruto de onde moro. A eficácia é realizar seu trabalho no local e dar a sua colaboração. Assim a gente consegue ver o resultado com rapidez. Pode ser que um dia realize alguma coisa na floresta”, disse ele.

Quando indagado sobre a liberação da maconha, Manu Chao se posicionou. “O grande perigo para o mundo no momento é o poder das máfias. Essas organizações criminosas estão ficando mais fortes do que os governos constituídos. Isso é muito ruim para a democracia. Acho que os políticos poderiam ser mais inteligentes para cortarem as fontes de rendas das máfias. Precisam questionar quem é beneficiado pela ilegalidade do uso da maconha”, finalizou.

FICA no Acre
Na véspera do encerramento do Festival houve um entendimento com o diretor do evento, Décio Coutinho, para que os melhores filmes sejam exibidos em Rio Branco. Assim será possível aos acreanos conhecerem um pouco da produção cinematográfica ambiental do Brasil e exterior. Provavelmente daqui a três meses os filmes serão projetados no Cine Teatro Recreio, na Gameleira. “É muito positivo que o FICA adquira características itinerantes. Já estive no Acre por cinco vezes e adoro o Estado. Será muito produtivo podermos mostrar o melhor do FICA e realizarmos debates com as comunidades sobre os temas do filme”, garantiu.  

 

 

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