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INSS vai aos idosos no Lar dos Vicentinos

Benefícios da Previdência mantém a instituição

Na semana em que completa 21 ano de criação, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi ao Lar dos Vicentinos Raimunda Odília verificar a situação dos idosos que recebem benefícios da Previdência Social em Rio Branco, capital do Estado do Acre. Os atendimentos foram realizados durante toda a manhã de terça-feira, 21, pelo funcionários do PREVMóvel, a Agência Móvel do órgão previdenciário.

“É um procedimento que realizamos periodicamente para verificar caso a caso”, explica o funcionário Manoel Fernandes.

O Lar dos Vicentinos em Rio Branco abriga 44 homens e 12 mulheres que perderam o vinculo com a família. A maioria recebe benefício da Previdência Social. Apenas um, que chegou recentemente, não é beneficiário.

Os valores pagos mensalmente pela Previdência Social são fundamentais para a manutenção do Lar. O dinheiro é recebido pela direção da instituição, que faz a distribuição da seguinte forma: repassa 30% para cada segurado e destina os outros 70% para as despesas diárias.

Dirigido pela enfermeira Gislene Chalub Ribeiro, o Lar dos Vicentinos fica na região central da capital acreana. É um local onde a vida passa lenta. Diariamente, sentados em dois grandes bancos de madeiras, os pares de olhos observam a movimentação do mundo externo. É um mundo que passa na velocidade dos carros.

Os veículos correm na rapidez própria dos tempos modernos. Os donos dos olhares permanecem imóveis. Sabem que não têm mais força para correr tanto. Acompanham a movimentação com as vistas cansadas e sem brilho. É algo próprio das pessoas castigadas pelos anos de vida e pelas dores que vêm casadas com a velhice. A paisagem exterior não é plena. Nem tão bela. É parcialmente ofuscada pele muro baixo e as grades verde desbotadas.

Todo dia é a mesma rotina. Fazem isso de manhã, repetem a cena à tarde.  São vidas sem cores de seres humanos que não são enxergados nem em preto-e-branco pela sociedade. São almas sofridas em corpos machucados pelo tempo.

Machucados pelas dificuldades enfrentadas nas suas trajetórias, não querem nem necessitam de muito para o pouco tempo que lhes resta de vida. Anseiam tão-somente por um gesto de carinho e solidariedade. Uma palavra amiga, um sorriso.

Quem cruza os portões sempre aberto do Lar Vicentino Raimunda Odília para morar torna-se sombra de um passado quase sempre longe de glórias. É como se chegasse na penúltima morada ante de partir ao encontro do Criador. Se do lado de fora tiveram vidas anônimas, dentro do abrigo para idosos se tornam ainda mais anônimos. Muitos nem com malas para abrigar os pertences acumulados ao longo da vida trouxeram.

São homens e mulheres idosos distribuídos em três blocos – dois para homens e um para mulheres. De repente, pessoas que nunca se viram passam a acordar e a dormir ao lado de estranhos em dormitório simples e sem o menor luxo pelo resto das suas vidas. Uma cômoda serve para guardar toda as histórias de até três seres humanos. Os que têm melhores condições compram ventilador, televisão e um rádio para ouvir músicas.

As camas são pequenas, a ventilação é reduzida, a iluminação precária. O banheiro no setor do independente (aqueles que têm condições de andar com as próprias pernas) é comunitário. São três chuveiros e apenas um sanitário. Nos corredores o trabalho de limpeza é intenso, mas o cheiro de urina é forte.

Dentro de um mesmo espaço há distintas personalidades. Uns falam muito. Outros falam poucos. Há aqueles que fumam e aqueles que bebem para afogar as mágoas. Também há os que choram e os que cantam. São diferentes histórias de diferentes vidas.

As 54 almas chegaram ao Lar Vicentino de várias maneiras. Uns porque sofriam maus-tratos domésticos e foram encaminhados pelo Ministério Público Estadual para receber os devidos cuidados. Outros passaram a ser moradores da casa porque antes eram pacientes do Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac). Há aqueles que vieram dos bairros periféricos da capital, do interior do Acre e até de outros Estados.

A maioria, no entanto, chegou ao Lar porque se tornou estorvo no próprio lar. Foram levados pelos familiares. Envelheceram, tornaram-se um fardo pesado para carregar. A procura para despejar os velhos num asilo é grande, as vagas são poucas. Os que conseguem juram que voltarão para fazer visitas. Poucos aparecem.

“A nossa presença aqui é confortante. Sabemos que estamos contribuindo para dar uma velhice digna para essas pessoas”, comenta o funcionário do PREVMóvel Manoel Fernandes.

Recurso da Previdência – Ter benefício previdenciário na casa é privilégio. A maioria tem. É com os recursos das pensões e aposentadorias que os moradores suprem várias necessidades do lar. Os beneficiários destinam 70% dos seus vencimentos à manutenção das despesas do estabelecimento, como o pagamento dos funcionários. Os 30% restantes são guardados para outras necessidades.

Importantes, os benefícios do INSS não são suficientes para arcar com todos os custos. O Lar não sobreviveria sem a contribuição da sociedade e convênios com o governo federal, estadual e municipal, que disponibilizam recursos para o pagamento de despesas fixas e oferecem profissionais para a assistência médica, social e pedagógica.

Mas os recursos da Previdência são visto como a tábua de salvação para muitos. É o caso do ex-jogador de futebol Ivan Oliveira, 64, que fez uma tabela errada com a sorte, teve um acidente vascular cerebral e está no abrigo há quatro anos.

“Sentia que tinha jeito para a coisa. Fui e sou um privilegiado. Nasci numa família boa. Meu pai me deu oportunidade de estudar”, comenta.

Falante, Ivan avisa que é um homem de fases. Tem época em que emudece completamente. Nessas horas, o zagueiro que jogou em grandes equipes do Nordeste como o Clube Náutico Capiberibe, de Recife, se cala como se fechasse uma muralha entre o que foi e o que é.

“Para falar todo os times que joguei, precisava de um caderno”, salienta com a boca vazia de dentes.

Futebol é um dos temas que lhe tira a mudez. Fala sobre esquemas táticos das equipes atuais e comenta sobre estrelas do passado, de quem diz ter sido amigo como o ex-goleiro Manga e o ex-craque Ademir da Guia. Afirma que Pelé só seria marcado no time dos deuses.

Garante ter jogado contra o Rei do Futebol e disputado uma partida ao lado de Mané Garrincha, quando o “Anjo das pernas tortas” já havia encerrado a carreira e fazia exibições pelo interior do país, a fim de arrecadar recursos para a sua sobrevivência.

“Eu na fui um jogador de futebol. Fui um atleta. Preparei-me para isso. Fui tricampeão Norte/Nordeste e pentacampeão pernambucano. Joguei vários anos sem ser expulso. Não bebia e vim fumar somente quando parei. De todas as ignorâncias que fiz, fumar foi a maior”.

O homem orgulhoso e de ar professoral, que demonstra amizade com os ex-jogadores de futebol, revela rancor com os colegas que fazem parte do seu dia-a-dia no gramado esburacados da dura realidade. Com o rosto carregado de seriedade, afirma que há diferenças entre amigo e colega.

Numa jogada inesperada do destino foi vítima de uma Acidente Vascular Cerebral em São Paulo, onde vivia. Ao saber do fato, um dos irmãos que mora no Acre foi buscá-lo e conseguiu abrigá-lo no Lar Vicentino. Desde então, o parente pouco aparece. A ex-mulher e os dois filhos moram em Recife. Sentado na cadeira de roda, ele parece aceitar o destino. Parece um jogador que perdeu o pênalti que daria o título ao time que defende, mas não pode voltar atrás para corrigir a batida porque a bola passou rente a trave, mas foi para o lado de fora.

Como consolo, o velho atleta guarda apenas as recordações daqueles que considera os clássicos da sua existência: “No dia em que Deus me convocar, vou tranquilo. Vi Pelé e Garrincha jogarem, Frank Sinatra cantar e Cassius Clay lutar. Da minha vida como zagueiro tenho a dizer que não é fácil marcar gol”. (Assessoria)

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