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Os bodes de Dilma


*HELDER CALDEIRA

 Quem está no poder, em geral, não se destrói por erros cometidos. Eles acontecem, são inevitáveis, são parte da imprevisibilidade das relações políticas. Mas é a forma como reage, como lida com tais erros, que pode ou não arruinar uma figura ou um governo inteiro. Nesse quesito, as respostas rápidas da presidente Dilma Rousseff às crises estão deixando no chinelo a leniência e a vagareza do ex-presidente Lula. Mas isso não significa que a atual administração federal esteja em melhor situação. Pelo contrário. Com bodes expiatórios saltando na Praça dos Três Poderes, estamos vivendo dias muito semelhantes aos que antecederam a grande crise do governo Lula, em 2005, que custou-lhe honra e a biografia e quase levaram sua cabeça.

 O momento político que a presidente Dilma Rousseff está vivendo faz-me lembrar uma história curta chamada “A Justiça de Chelm”, narrada pelo escritor e historiador norte-americano Nathan Ausubel em seu livro “A Theasury of Jewish Folklore” (Crown, 1989, 768 págs., US$ 69,80). Nessa obra insuperável, o autor reúne uma série de fantásticos contos da tradição judaica, que vão dos Macabeus – o exército rebelde que assumiu o controle de Israel e reduziu a influência da cultura helenística – até os heróis modernos do período do Holocausto.

 Em sua narrativa, o escritor revela que, certa vez, aconteceu uma tragédia na cidade polonesa Chelm, cuja população é composta em sua maioria absoluta por judeus. O sapateiro da cidade matou um de seus clientes. Rapidamente ele foi levado à juízo e condenado à forca. No ato do veredito, um dos cidadãos ponderou: “Vossa Excelência acaba de condenar à morte o único sapateiro da cidade! Ao enforcá-lo, quem irá consertar nossos sapatos?” O juiz balançou a cabeça em concordância e reconsiderou sua decisão: “O que dizeis é verdade. Visto que só temos um sapateiro, seria um grave erro contra a comunidade deixá-lo morrer.” E concluiu: “Como existem dois telhadores na cidade, que um deles seja enforcado no lugar do sapateiro.”

 Se, com a devida pertinência temática, voltarmos alguns anos no tempo, encontraremos detalhes interessantes e ilustrativos. Para o governo federal, o saldo da era Lula foi o mais impressionante e avassalador aparelhamento da máquina administrativa, com centenas de milhares de apaniguados “companheiros” petistas loteando a quase totalidade dos cargos comissionados. Em outra vertente, como bem diz o ex-deputado Roberto Jefferson, no primeiro mandato de Lula, o PT criou uma espécie de “caixa único”, para onde eram – e talvez ainda sejam – drenados todos os recursos públicos desviados, não permitindo, portanto, que os demais partidos da base aliada engendrassem seus próprios mecanismos de arrecadação – lícitos ou ilícitos.

 Dentro do pragmatismo da realpolitik – onde não é possível governar sem maioria – adotado pelo extremado ex-ministro José Dirceu na década passada, e mantido em no período lulista, toda base de apoio governista tornou-se refém das benesses políticas que o PT poderia – e quando queria – lhes ofertar. É exatamente nesse bojo que surgem o Mensalão – para comprar o apoio e a fidelidade de parlamentares –, o Valerioduto, o esquema dos Sanguessugas, os Propinodutos e todos os demais escândalos que imperaram no governo Lula e que foram, literalmente, abafados e enterrados em nome de uma falseada bandeira de justiça social e combate às desigualdades e por conta de uma oposição hibernal e aniquilada.

 Apesar de mostrar-se mais preparada – e, obviamente, mais autoritária – para lidar com as crises e com respostas bem mais rápidas que seu antecessor, a presidente Dilma Rousseff parece estar apenas dando continuidade ao projeto de poder do PT e alimentando uma base aliada com pequenas esmolas, fazendo-os zumbis políticos e, especialmente, mantendo-os reféns, bodes expiatórios, cujas cabeças podem ser dispostas sempre que um escândalo brilhar no horizonte ou que a imagem do governo estiver ameaçada. Não por acaso, boa parte do ministério dilmista data ou foi indicado por Lula. Não por acaso, estamos vendo as entranhas das mamatas do Partido da República (PR) nos Transportes. Apesar de muitos “companheiros” neste Ministério, eu pergunto: rolou alguma cabeça petista nessa querela? Não! Nenhum “sapateiro” foi enforcado, ainda que envolvido nos crimes. À forca foram apenas os pseudo-republicanos “telhadores”.

 Por incrível e triste que possa parecer, Dilma Rousseff está percorrendo o mesmo caminho de Lula. A estratégia petista é arriscada. A cúpula palaciana deve estar rezando de pés juntos para que não apareça um outro “telhador” com estilo Roberto Jefferson, que ao se sentir em expiação, com a cabeça a prêmio e uma bomba no colo, ligou o ventilador e vomitou as piores lupanagens do alto escalão do governo Lula. Se ainda existe o tal “caixa único” do PT, as torneiras de recursos devem estar arreganhadas, jorrando muito dinheiro, desde já, para engordar os cofres dos partidos aliados para as campanhas municipais de 2012. E se esse “esquema” de bodes expiatórios governistas falhar, será que Dilma Rousseff conseguirá se sustentar? Duvido muito.

*HELDER CALDEIRA
Escritor, Articulista Político, Palestrante e Conferencista
www.magnumpalestras.com.brheldercaldeira@estadao.com.br
*Autor do livro “A 1ª Presidenta” (Editora Faces, 2011, R$ 29,90), primeira obra publicada no Brasil sobre a trajetória política da presidente Dilma Rousseff e que já está na lista dos livros mais vendidos de 2011 no país.

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