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Cacique do Acre conhece de perto a realidade dos índios do Espírito Santo

Índio, cineasta, culto, politizado, premiado, sereno e de muito longe. Assim pode ser caracterizado o cacique Syã, da área indígena de Hunikuî do Rio Jordão, no Acre, bem na faixa da fronteira entre o Brasil e o Peru, que esteve no Estado e se surpreendeu ao saber da existência dos índios Tupinikim no Espírito Santo. “Conheci a história da luta por 18 mil hectares dos índios daqui e fiquei surpreso. Lá nós temos 1.700.000 hectares para 10 mil habitantes e, só eu, com o dinheiro do prêmio que ganhei com meu filme, comprei mais 25 mil hectares”, disse Syã.

Premiado por seus documentários no Brasil e EUA, Syã corre o país na busca de uma integração entre os povos indígenas. A intenção, segundo ele, é levar união e ressaltar que, como qualquer outro ser humano, o índio deve se inserir na sociedade para que seu valor seja reconhecido. 

Interessado com a descoberta das aldeias Tupinikim existentes em Aracruz, norte do Estado, Syã conheceu uma dos maiores símbolos da resistência indígena na região. Dona Helena, 63 anos, que mora em Caieiras Velha, em Aracruz, e nunca tinha conhecido um parente tão distante. Segundo ela, se não fossem os filhos e o marido, de 103 anos, ela partia para o Acre com o parente, como eles se chamam carinhosamente, para resgatar todo o conhecimento sobre a mata perdido com a morte dos mais velhos da aldeia.

A idéia do índio da etnia Hunikuî é moderna. Para ele, lutar pela terra é um fato, faz parte da história, mas para que o índio vença os preconceitos da sociedade e saia do que por muitos é chamado de marginalidade, é necessário que ele se prepare para conquistar representatividade na sociedade, sem se perder de seus valores ancestrais.

A história vivida por Syã não é diferente a dos Tupinikim do Estado, onde a luta pela terra e por respeito foi motivo de um isolamento negativo para as comunidades. Mas ele ressalta: “foi pelo resgate das raízes e da educação que hoje a área indígena Hunikuî do Rio Jordão mantém sua sólida tradição, fortes, e inseridos na sociedade”.

Ao todo, 32 aldeias estão distribuídas nos quase dois milhões de hectares na fronteira do Brasil com o Peru que, apesar do isolamento, garantiram seu espaço e respeito na sociedade.

As vivências de Syã devolveram a esperança a Dona Helena, exaurida após anos de luta pela terra indígena tomada pela ex-Aracruz Celulose (Fibria), que ela lembra com tristeza. Ainda marginalizados na região, os índios possuem a terra, porém, segundo Dona Helena, não dá nem para arar de tantas raízes e tocos deixados pela empresa de celulose.

“Criávamos os filhos no rio, ninguém comia carne dessas de galinha, era caça, marisco e ainda fazíamos cal com a concha da ostra para vender. Sobrevivíamos assim, mas hoje até estrada passa aqui no meio trazendo muita coisa ruim. Nem dormir sossegados podemos mais. Muitos desanimam, pois faltam os nossos rios limpos, a nossa caça, isso gera desunião do povo”, desabafou Dona Helena. 

Mais do que uma troca de experiência, o encontro entre Syã e Dona Helena retratou um esforço uno de povos que, mesmo distantes, buscam na união de sua nação e no resgate de suas raízes conquistar o respeito da sociedade.

Engajado, Syã quer trocar experiências. O objetivo é levar lideranças da comunidade Tupinikim do Espírito Santo para o Acre e, lá, trocar experiência sobre a mata, sementes, pajelança e tradições. Sobretudo, visando à garantia do lugar do índio na sociedade brasileira.

Segundo a professora de Tupi, Flávia Quiezza, após completarem o colegial, muitos alunos acabam se dispersando para outros municípios para estudar. A migração, diz ela, impede que eles continuem com o trabalho de resgate da língua iniciado nas aldeias Tupinikim.

O irmão de Flávia, Jucelino da Silveira, 29 anos, é quem coordena as cinco escolas da região e também tem sonhos. Dividido entre a gestão das escolas de Caieiras Velha, Irajá, Pau Brasil (Tupinikim) e Boa Esperança e Três Palmeiras (Guaranis), o índio Tupinikim está concluindo sua pós-graduação e já planeja chegar ao doutorado.

Vestido com sua faixa na cabeça e vestimenta típica de quem enfrenta o frio da fronteira entre o Brasil e o Peru, Syã Kaxinawá, como é chamado pelos brancos, diz no auge dos seus 47 anos que está velho e por isso corre o País na busca de levar união e o fortalecimento dos povos indígenas. Aqui, parece que ele iniciou sua missão. Como disse Jucelino: “A força o povo Tupinikim tem, o que faltava era exatamente afunilar os pensamentos para se chegar onde quer”. (Flavia Bernardes / Do site seculodiario.com)

 

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