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Geoglifos: mais de 4 anos de espera pelo tombamento

Aos olhos da sociedade acreana, um mistério já quase tão grande quanto à própria origem dos geoglifos se tornou a demora para tombá-los como um patrimônio histórico nacional. De fato, o sonho de ver tais monumentos se tornarem herança para as futuras gerações do Brasil já soma 4 anos encalhado nos trâmites da burocracia legal. Entretanto, ciente da necessidade de reverter este quadro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) visa começar uma nova fase, a fim de agilizar o processo até a tão esperada aprovação.

Os tramites para o tombamento foram abertos desde 2007, após orientação do Ministério Público. Pela riqueza de seus vestígios, parecia que tornar os geoglifos em bens irrefutáveis da nação brasileira seria um procedimento rápido. Afinal de contas, tais figuras dão margem a inúmeras teorias e descobertas sobre a formação dos primeiros povos a habitar a região e até sobre a origem da humanidade. Mas a realidade foi diferente. Uma série de fatores surgiu para travar o andamento da proposta de tombamento. Atualmente, o processo ruma ao seu estágio final, que é o de dotação orçamentária para arcar com os custos da preservação.

Faltam detalhes para passar desta etapa orçamentária (que, inclusive, já conta com verbas garantidas). No entanto, caso o projeto não supere a gama de fatores que o atrasam, pode haver novos emperramentos burocráticos na sua elevação. Além do que, o tombamento pode ser formalizado no papel, mas na prática os geoglifos podem não ter a proteção devida.

Por tal razão, a superintendência acreana do Iphan busca ampliar o diálogo com a sociedade acreana. A meta é traçar atividades que destaquem a relevância inestimável dos geoglifos. Uma destas iniciativas acontecerá na próxima terça (19), às 19h. Em parceria com a Federação de Agricultura e Pecuária do Acre (Faeac), o Iphan/AC fará um debate com convite a mais de 100 proprietários que abrigam as grandes figuras em suas terras.

De acordo com Mariana A. Neumann, arqueóloga do Iphan/AC, o objetivo do encontro é estabelecer um 1º contato com os proprietários, uma vez que eles são importantes atores no processo de tombamento nacio-nal dos geoglifos. Na ocasião, a pesquisadora explicou que serão tiradas todas as dúvidas dos produtores a respeito do processo de tombamento.

“Os maiores interessados neste procedimento são os que mais precisam estar a par das suas especificidades. Por isso, vamos fazer uma apresentação de todos os principais pontos do tombamento, constando o que é, como se dá, a sua importância, as responsabilidades que os sítios trazem, as medidas de fácil execução que servem para ajudar na preservação, os benefícios, os efeitos, etc. Será uma oportunidade de esclarecermos qualquer desinformação sobre os geoglifos e de abrirmos uma respeitosa via de diálogo com eles”, resume Neumann.

Obstáculos do tombamento
Como já mencionado, obstáculos são que não faltam para atrapalhar a proteção nacional dos geoglifos. Por se tratar de um tipo de sítio arqueológico (áreas que guardam vestígios da história no solo), o tombamento implica num processo legal mais complexo que o normal. Os sítios, por si só, já exigem um formato diferenciado de legislação, com mais instâncias, investigações e pareceres, para autenticá-los. Tratando-se, então, de um caso tão especial quanto às figuras acreanas (únicas no mundo), o trâmite se torna ainda mais demorado.

A falta de uma superintendência do Iphan no Acre também contribuiu para o atraso. Até 2009, o instituto só tinha aqui uma representação. A partir do fim daquele ano é que a autarquia federal (que no país atua há 74 anos) passou a ter a sua sede organizada. No decorrer desta instalação, o Iphan/AC precisou centrar mais de 2 anos de documentação do processo de tombamento e que estavam espalhados, sem lugar fixo, por todo o país.

Outro ‘empecilho’ foi a descoberta de mais imagens escavadas. Quando se abriu o processo de tombamento, havia pouco mais do que 50 geoglifos identificados nas fazendas locais. Hoje, eles já passam de 300 figuras registradas (e mais continuam a ser descobertas). Fora estes, outros fatores que pesaram foram: formulação e atualização da proposta, logística, carências nas verbas iniciais, falta de envolvimento popular e de pressão ao tombamento nos primeiros anos, garantias para quitar os custos atuais de manutenção, estudos mais complementares sobre a origem, etc.

Prejuízos da demora
Uma polêmica que se forma em cima do atraso do tombamento é o quanto de danos estes mais de 4 anos já teriam resultado a estas estruturas. Após séculos no anonimato, os geoglifos ainda estão sujeitos aos prejuízos naturais iminente de atividades econômicas. As que mais os afetam são a de construção civil, pavimentação de estradas e abertura de novas trilhas e ramais, linhas de transmissão para empresas de telefonia, caminhos provisórios abertos por madeireiras, produção rural e pecuária com uso irresponsável de terras, entre outras.

Hoje, a única coisa que impede a ação devastadora dos proprietários das mais de 200 terras que comportam estas figuras no solo acreano (entre outros de Rondônia e do Amazonas) é a boa vontade; a conscientização social gerada pela força da descoberta. Sem o tombamento, não há aparato estrutural para salvá-los. Ou seja, se quisessem de verdade, os donos das terras poderiam agir ‘na surdina’ e acabar de vez com esta importante peça para o quebra-cabeça insolúvel da história da humanidade.

Além disso, sem o tombamento nacional, os geoglifos não estão aptos a se transformar em patrimônio da humanidade pela Unesco, o que é uma perda sem igual à economia, cultura e turismo do Acre.

Auto-didata diz ter decifrado geoglifos
Saindo da parte de tombamento, surge um caso curioso. Por pura curiosidade, o vigia e auto-didata Luiz Benaduk dedicou os últimos 5 anos da sua vida estudando os geoglifos. Foram tantas análises que hoje ele diz ter conseguido uma proeza inédita: desvendar o grande segredo das figuras. Segundo eles, os desenhos foram feitos por um sistema de medidas baseado em círculos e quadraturas. Um sistema decimal bem antigo, citado, inclusive, na bíblia e usado em grandes marcos arquitetônicos da humanidade, como a construção das pirâmides do Egito. Para provar que o seu estudo (e não teoria) é real, ele diz que consegue fazer réplicas dos mesmos símbolos geológicos do Acre em qualquer tamanho.

“Eu pesquisei em muitos livros e constatei que o grande mistério dos geoglifos se trata de uma forma de medidas que hoje não existe mais, só que naqueles tempos do início e até antes da civilização eram bem comuns. No entanto, infelizmente, me falta desenvoltura e credibilidade para apresentar na comunidade científica este estudo. Já tentei mostrar este lado para os pesquisadores locais, mas não me deram crédito. Tudo o que eu quero é uma chance de verdade para fundamentar esta descoberta e poder apresentá-la à sociedade”, concluiu.

Se a versão é verdadeira ou não, ninguem sabe. O que se sabe é que se os geoglifos não forem tombado, talvez mais hipóteses como a do seu Luiz não terão mais a chance de surgir.

 

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