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Parto humanizado: um resgate necessário

O nascimento de um filho é uma experiência humana incomparável, insubstituível e inesquecível na vida da mulher e de sua família.

É fato, e estudos comprovam, que o modo como cuidamos da mãe desde a gestação, até o momento do nascimento de seu filho, é determinante no desenvolvimento das capacidades e potencialidades que garantirão a esse bebê o direito fundamental de vir a ser mesmo antes do nascimento, cidadão pleno no exercício da autonomia indispensável ao saber viver e conviver em sociedade.

Esse cuidar que aqui defendemos, realiza-se na atenção que a mulher recebe ainda no pré-natal quando inserida em protocolos regulares de consultas, vacinação, vigilância nutricional, orientação para cuidados básicos, incentivo ao aleitamento, até o momento do parto e pós-parto.

Um dos objetivos da REDE CEGONHA, idealizada pela presidenta Dilma e pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, se constitui na atual política de saúde do Brasil com relação ao parto e nascimento, isto é,  deixar o modelo tradicional de atendimento e adotar uma nova filosofia de “nascer” que assegure a escolha, pela mulher, do tipo de parto; estimule a participação do acompanhante durante os períodos clínicos do parto; e, que esse parto aconteça num ambiente tranquilo e confortável. Isto favorece a permanência contínua do recém-nascido junto à mãe, desde o momento do seu nascimento, estreitando assim, vínculos afetivos entre mãe e filho, estimulando a prática contínua da amamentação pois, como sabemos, o leite materno é o alimento mais completo, seguro e fundamental para o crescimento e desenvolvimento saudável de uma criança.

Nessa perspectiva, o projeto da Maternidade de Cruzeiro do Sul foi pensado e desenhado para garantir à mulher o acesso a um atendimento adequado, seguro e humanizado na gravidez, parto e nascimento.
Essa Unidade de Saúde se constitui como o principal serviço de maternidade da região do Vale do Juruá, atendendo ainda mulheres oriundas de municípios do Amazonas. Em 2010, foram realizados  2.252  partos em ambiente hospitalar  em Cruzeiro do Sul.

Essa Maternidade contempla em suas ambiências, espaços que se destinam a adoção de boas práticas consideradas apropriadas segundo as diretrizes da Política de Humanização do Parto e Nascimento. Espaços como: Leitos PPPs (pré parto, parto e pós parto), ou seja, locais que se destinam à mulher e seu acompanhante, sendo esse(a) acompanhante de sua livre escolha, acomodados no período que se refere ao pré-parto, ao próprio momento do parto e no período do pós-parto imediato. Esse local garante privacidade, e oferece um ambiente com dignidade à altura da grandeza do ato que a mulher desenvolve nesse momento tão importante e singular em sua vida, “O ATO DE PARIR” um filho.  O direito à privacidade, princípio ético incontestável, está inserido nessas boas práticas de atenção ao parto e nascimento.
 Nesses espaços é disponibilizado à parturiente banho de aspersão, orientação para uma respiração tranquila, valorização da liberdade de movimentos, humanização da relação entre enfermeira e parturiente, participação orientada do acompanhante no momento do pré-parto, apoiando a mulher na realização de exercícios facilitadores do trabalho de parto no período expulsivo, emprego do toque físico, massagens relaxantes e demais práticas que farão do parto uma experiência humana que se traduz em vida.

Em um desses espaços as nossas mulheres terão a possibilidade da realização do parto na água, uma modalidade de nascimento na qual a mulher fica dentro da água durante o período expulsivo de modo que o bebê chega ao mundo no ambiente aquático, exatamente como estava no útero. Essa é uma conquista extraordinária que nos enche de satisfação e orgulho.

Esse projeto que vemos se realizar nessa maternidade reafirma uma evidência científica já validada e por nós defendida: a de que no momento do parto a mulher precisa ficar mais verticalizada. A posição deitada é a pior delas. No entanto, 90% das maternidades no Brasil ainda adotam essa antiga posição. Na contramão dessa realidade, o Estado do Acre se posiciona em favor da mulher e avança para a humanização do parto. Os equipamentos das novas maternidades do Estado do Acre estão sendo adquiridos para que a gestante exerça a livre escolha da posição de seu parto, disponibilizando as  camas PPPs, armadores de redes, banquetas e cavalinhos que compõem um espaço privilegiado, mais seguro e saudável para o parto. Falo de um investimento na qualidade de vida da mulher, de uma decisão política do Governo do Estado, iniciada pelo ex-governador Binho Marques e que tem tido do governador Tião Viana um tratamento prioritário, que se justifica por acreditarmos que assim, o Acre eliminará de uma vez por todas uma prática que submete a mulher a uma única posição para o parto, ficar deitada, com as pernas erguidas, anestesiada e dentro de centros cirúrgicos.

Os espaços internos da maternidade contam agora com áreas, pensadas para permitir a deambulação e a movimentação ativa da mulher no pré-parto e sua livre movimentação durante o trabalho de parto.
Esta maternidade também contará com um Banco de Leite Humano, que deverá ser inaugurado nos próximos dias, e se constituirá num serviço especializado, que terá por finalidade encorajar a prática da amamentação natural e desse modo garantir a oferta do leite humano como primeira opção de alimento para os recém-nascidos de risco e/ou bebês doentes, o que irá contribuir significativamente para a prevenção de doenças e redução da mortalidade neonatal cumprindo assim, o compromisso estabelecido no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Infantil e com os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio – ODM Brasil.

Há um ano a Secretaria de Estado de Saúde vem investindo na formação, na atualização de profissionais, o que possibilitou já estarmos trabalhando com a equipe dessa maternidade no sentido de qualificar a atenção e a assistência à mulher gestante segundo o que propõe as diretrizes da Política Nacional de Humanização do SUS.

Tudo isso contribui para a redução do crescente número de cesáreas e consequentemente  da mortalidade materna e infantil.

Ainda assim, é necessário vencermos nosso maior desafio, o de incorporarmos de fato, boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento, redesenhando um modelo de atendimento com foco na mulher gestante e na sua família. Isso significa a desconstrução de um modelo assistencial já existente e bastante sedimentado.

É necessário que todos nós adotemos a concepção de uma atenção humanizada, na qual o profissional de saúde respeite a fisiologia do parto, sem a realização de condutas invasivas desnecessárias, valorizando os aspectos humanos, culturais, sociais e, principalmente a autonomia da mulher, valores imprescindíveis nesse processo.

Precisamos que a atenção huma-nizada durante o parto e nascimento seja pautada em uma abordagem na qual a mulher possa ser protagonista desse momento que é essencialmente, DELA, momento em que ao profissional de saúde, caberá práticas de apoio físico emocional junto à parturiente.

A participação familiar também deve ser estimulada e apoiada no intuito de fortalecer a mulher e a formação de vínculos afetivos entre mãe, família e bebê.

Ter participado da inauguração de um serviço como esse me deixou bastante feliz e emocionada, primeiro por ter nascido em Cruzeiro do Sul, segundo por ser enfermeira-obstetra e apaixonada pela saúde materna e infantil, e principalmente por compreender ser este um serviço que foi desenhado a partir da compreensão da necessidade de ofertar uma atenção humanizada e garantir os direitos da mulher.

* Maria Gerlívia de Melo Maia Angelim é enfermeira obstetra – mestrado em Medicina e Saúde e apoiadora do Plano de Qualificação das Maternidades/Ministério da Saúde.

 

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