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Novenário mobiliza milhares de fiéis no Vale do Juruá

Uma das mais antigas tradições do Vale do Juruá continua mais viva do que nunca. O Novenário de Nossa Senhora da Glória que começou, no dia 6, atrai todos os anos milhares de católicos de várias regiões da Amazônia. A celebração em Cruzeiro do Sul teve início em 1917 com a chegada do primeiro ciclo de imigrantes nordestinos em busca da borracha. Os seringueiros fizeram de Nossa Senhora da Glória a padroeira para protegê-los dos perigos da floresta. Desde então a tradição se repete todos os anos misturando a espiritualidade com a festa mundana.

Muitos marreteiros aproveitam o Novenário para venderem os mais variados produtos. Na realidade o lado comercial do evento surgiu como uma necessidade para os moradores dos distantes seringais às margens do Rio Juruá e dos seus afluentes que aproveitavam a viagem devocional para comprarem roupas e utensílios variados. Com a abertura da BR-364 durante os verões amazônicos e um abastecimento mais constante da região pelas vias aéreas e fluviais os marreteiros perderam muito espaço na festa. Segundo o padre Jorge Rose, um dos organizadores do Novenário, o número de barracas de comerciantes caiu de 2010 para 2011 de 64 para 48. “Os tempos são outros. Os produtos estão disponíveis no comércio de Cruzeiro do Sul o ano inteiro e não só mais no tempo do Novenário”, conta o sacerdote alemão que mora há 32 anos no Vale do Juruá.

“Mesmo assim o faturamento da Igreja para as suas obras de caridade deverá ficar em torno de R$ 50 mil entre o apurado com o aluguel das barracas comerciais e os leilões”, garantiu o padre. Mas este ano a penúltima noite do Novenário, dia 14, domingo, em que ocorre o leilão com as doações mais valiosas de bois, garrotes e motocicletas ficou comprometida com a inauguração da Ponte do Juruá. “Marcaram no mesmo horário do leilão. Então faremos um dia antes e espero que os políticos que estarão em Cruzeiro do Sul sejam generosos e participem dos leilões arrematando as prendas com valores significativos”, ironizou.

Temáticas sociais
O padre Jorge explicou que o Novenário também trata de temas importantes para o desenvolvimento humano da região. “Durante a preparação debatemos a violência social, a necessidade da conscientização dos motoristas para a paz no trânsito e a importância do meio ambiente. Inclusive, mudamos as barracas que antes eram feitas de madeira e palha para lona e ferro para não causar danos à natureza. O enredo deste Novenário é A Missão pela Vida”, ponderou.
Durante os leilões que acontecem na praça em frente à Catedral de Nossa Senhora da Glória o jovem pregoeiro Adson Almeida comenta os temas que inspiram o Novenário. Entre uma venda e outra, Adson avisa que as pessoas que costumam freqüentar os “banhos” nos igarapés da região devem trazer o lixo que produzem durante os churrascos e pic-nics. Também chama à responsabilidade os motoristas para melhorar o trânsito na cidade.

O senhor do Novenário
Toda a parte espiritual do Novenário acontece com perfeição graças à atuação de uma das figuras mais populares de Cruzeiro do Sul, Alberto Brito, de 77 anos. Desde 1952 que o seu Alberto cuida de todos os detalhes para as missas, novenas e procissão. Ministro da Eucaristia, devoto leigo, Alberto Brito é o responsável pelas celebrações. Ele coordena a participação de nove padres de diversas paróquias do Juruá durante os serviços espirituais e ainda distribui a hóstia consagrada entre os fiéis.

“Nossa Senhora da Glória é o caminho para a vida. Muitas pessoas chegam à Cruzeiro do Sul para pagar promessas ou pedir graças à Padroeira. Foram muitos os milagres que já presenciei. Eu mesmo recebi a cura de uma neta de dois anos que quase faleceu por causa de uma infecção hospitalar. O agravamento do quadro clínico da criança aconteceu justamente durante um Novenário. Mas graças a Padroeira ela foi curada e atualmente tem doze anos e uma vida normal”, revelou o fiel.

Alberto Brito aprovou a decisão da arquidiocese que proibiu, há dois anos, o consumo de bebidas alcoólicas durante o Novenário. “Quando isso aconteceu algumas pessoas deixaram de vir à procissão para irem a Feijó, no Festival do Açaí. Mas é preciso entender que o Novenário é uma festa espiritual em que durante nove dias os católicos devem manter-se em estado de oração”, ressaltou.

Outro personagem emblemático do Novenário é o seringueiro Antonio de Paulo de 84 anos. Ele veio do Ceará para trabalhar nos seringais do Rio Tejo, no Alto Juruá, em 1950. Depois mudou-se para uma colocação no Rio Paraná dos Mouras, bem mais próximo de Cruzeiro do Sul. “Desde 1967 que freqüento o Novenário todos os anos. Este ano fiquei feliz de ver que fizeram as barracas comerciais de lona. Antes utilizavam muita madeira e palha que depois virava fogo, num desrespeito ao meio ambiente”, apregoou.

Peregrinação política
O ápice do Novenário é a procissão que acontece no dia 15 de agosto. Mais de 30 mil pessoas caminham com velas nas mãos pelas ruas de Cruzeiro do Sul atrás do altar com a imagem de Nossa Senhora da Glória. É o momento para pedir graças e agradecer. A procissão é freqüentada todos os anos por políticos de todas as partes do Acre tanto da situação quanto da oposição.

Este ano, uma comitiva formada pelo governador Tião Viana (PT), secretários e parlamentares sairá hoje de Rio Branco pela BR- 364. Todos os municípios às margens da rodovia serão visitados e o grupo chegará à Cruzeiro do Sul no sábado pela manhã. Com as inaugurações da ponte do Rio Juruá e da Nova Maternidade pelo menos dois ministros deverão participar das festividades do Novenário: o ministro da Saúde, Alexandre Padilha e dos Transportes, Paulo Passos.

Em vésperas de ano eleitoral não é difícil imaginar os tipos de milagres que Nossa Senhora da Glória deverá receber. Mas como a peregrinação ao Novenário de políticos e candidatos já é uma constante também é fácil concluir que nem todas as graças são concedidas.

 

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