X

Vendedores de ilusão

Outro dia ouvi um escritor famoso, destes dotados de autocon-templação, dizer que é idiotice falar da miséria popular, já que o pobre sabe do estado miserável em que está metido. De forma contrária, penso que a miséria do povo  precisa ser noticiada, discutida abertamente, vir à tona, especialmente com o fim de reverter à situação porque passam os cidadãos humildes.

Não podemos calar diante das absurdas desigualdades que assolam este Brasil, de dimensões continentais. Aqui, onde a qualidade de vida das pessoas varia dramaticamente, pontificam, ainda, o analfabetismo, a subnutrição e as moradas impróprias, entre outras desigualdades sociais, sem que haja para essas pessoas quase nenhuma oportunidade ou perspectivas de mudança nos seus relacionamentos sociais.

 O Acre, por exemplo, localizado nas últimas fronteiras, é reconhecidamente um Estado de pequeno poder aquisitivo, possui um alto índice de analfabetismo; dos 470.975 mil eleitores, segundo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Estado, mais de 67 mil (14,3%) não sabem ler nem escrever. Outros 91 mil são considerados analfabetos funcionais (19% do eleitorado). “É uma mancha no nossso cadastro eleitoral”, disse o presidente do TRE/Acre, Arquilau de Castro Melo. Contudo, o governo acreano vigente, honradamente não mascara essa situação, traz ao conhecimento público que há pelo  menos 130 mil pessoas em estado de miséria espalhadas no Estado.

O município do Jordão, sabemos, detém um dos mais baixos IDH do Brasil.  Entretanto, essa não é uma realidade exclusiva do Jordão.  A título de ilustração, cito estatística extraída duma matéria publicada no Correio Braziliense (DF), em dias idos, sob título: Fome – miséria na beira do rio.

Destacando, a conjuntura de miséria em que vivem alguns municípios do Estado de Alagoas, a matéria diz que este Estado lidera a lista dos piores IDH do país. No município de Traipu 88,3% da população vive com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo mensal. O índice de analfabetismo de Traipu é de 61%, aproximadamente o quádruplo do percentual de analfabetos do país. Acontece que para falar de pobreza e miséria, a reportagem do Correio, não precisava sair de Brasília, era só ir ao Novo Gama, perto de Valparaíso de Goiás. Lá verificaria um estado de pobreza urgente. Ninguém me contou. Não li em lugar algum. Verifiquei in loco. Tá lá, para quem quiser constatar. O Estado da Bahia tem, entre seus filhos, 2 milhões de pessoas em extrema pobreza; há famílias que sobrevivem com renda financeira mensal de R$ 70,00.

É nesta situação de pobreza e miséria que os governos estaduais que sediarão a Copa de 2014, aliados ao Governo Federal, que vai investir 5.7 bilhões de reais, através do Ministério do Esporte ultimam providências na construção de estádios suntuosos, entre outras obras faraônicas tendo em vista esse acontecimento de repercussão mun-dial. Fala-se aos quatro cantos da nação brasileira que esses investimentos e o evento em si trarão divisas ao Brasil e deixará um legado relativo à capacidade de gerar lucros aos brasileiros. Que assim seja!

Só posso entender esse esforço agigantado das autoridades brasileiras se volver meu olhar pelo prisma da “necessidade” de se acrescentar mais circo à cultura de entretenimento burlesca, que sufoca e aliena povo. Obviamente que em detrimento do pão nosso de cada dia. Provavelmente alguns homens do poder vigente, em nosso país, de forma sapiente, numa paráfrase da célebre expressão, atribuída a Karl Marx: “A religião é o ópio do povo”, pretendam mostrar, dada a paixão do brasileiro pelo futebol, que no Brasil o ópio do povo não  é a religião, mas o futebol e, assim, através das alegrias do futebol, enfraquecer a combatividade dos oprimidos e explorados.

Pode ser que alguém queira cutucar o meu calcanhar, dizendo que “nem só de pão vive o homem”. O problema é que muitos brasileiros, como vimos acima,  não tem pão. O pão que os dois milhões de baianos, só para citar a Bahia, conseguem é aquele que o “próprio diabo amassou”. Obtido com muito suor e sacrifício, em meio aos apertos dos consumos pesados  da luz elétrica, água potável, dos remédios caríssimos,  dos meios de transportes humilhantes que se somam aos implacáveis impostos oficiais.

No passado o aforismo preferido, entre os americanos do norte, era o seguinte: “O homem é aquilo que ele come. Nossa pátria, diziam eles, é a maior nação do mundo porque nos alimentamos melhor que todos os demais povos”.

Uma nação próspera é aquela em que há pão à mesa das famílias mais humildes. Um governo sério e responsável é aquele que promove o bem-estar do  seu povo; é um governo que não vende ilusão ao seu povo.

A Copa de 2014  mostrará ao mundo um falso Brasil ideal, maquiado, diria o dep. federal Romário uma vez que o Brasil real é ainda, não se sabe até quando, permeado por uma grande desigualdade urbana e regional. O Brasil real é, infelizmente, o modelo que se nos apresenta a guerra civil no complexo do Alemão. Instabilidade social que se somam aos bolsões de miséria, notadamente, nos  Estados do Norte e do Nordeste.  Regiões, eternamente, sem isenção dessa praga, chamada miséria, que assola o mundo todo.

E-mail: assisprof@yahoo.com.br

Categories: Francisco Assis
A Gazeta do Acre: