X

A língua é obra do ser humano em sociedade

Observa-se que para a existência da sociedade há a necessidade de os seres humanos se comunicarem. Essa comunicação assenta-se na existência de um código. Por isso, o ser humano, predestinado a viver em sociedade, criou e desenvolveu sistemas de comunicação entre os quais está a língua. Nesse sentido, pode-se dizer, com o  lingüista Eugênio Coseriu (1989), que a língua é um bem pessoal, na medida em que é um bem coletivo. A língua, portanto, não é propriedade de gramáticos ou lingüistas, professores ou escritores. Desse modo, cada falante tem o direito de proclamar que a língua é sua. A língua, como sistema, segundo Ferdinand de Saussure (1987), é a parte da linguagem que existe na consciência de todos os membros da comunidade lingüística, é a soma das marcas depositadas pela prática social de inúmeros atos de fala concretos.

No caso da língua portuguesa, sirva como elemento de reflexão o fato de que a grande maioria do seu léxico é latina, seja de modo direto, seja de modo indireto. Língua falada pelos mercadores, legionários, povoadores da Península, desconhecia os neologismos de Roma e continuava empregando aquelas palavras, que, na capital do mundo, já não eram mais correntes. Enquanto o latim escrito era difundido como um modo de preservação das instituições romanas, o latim falado, aberto às inovações, continuava paralelamente o seu desenvolvimento, diversificando-se numa multiplicidade de outras línguas que só guardaram uma parte do léxico do latim clássico, aquelas que chamamos as línguas neolatinas, ou as línguas românicas, produtos de sociedades diferentes que criaram essas línguas para a comunicação.

De acordo com Celso Pedro Luft (2001, p.68), a língua é como é, e não como deveria ser. A esse fato, Luft denomina realismo lingüístico. Em sociedades econômicas, social e culturalmente heterogêneas, é inevitável a hetero-geneidade lingüística, mesmo com a existência de uma preocupação das instituições no sentido de tornar homogênea a variante lingüística culta. A língua é uma questão de uso. Vale o que a comunidade de falantes tacitamente (raro explicitamente) determina que vale. A língua é auto-determinada pelos seus usuários. A língua constitui-se numa norma consuetudinária. Portanto, critérios como origem, lógica, autoridade não funcionam lingüisticamente.

Justificando essa questão que envolve o uso da língua, o professor Celso Pedro Luft apresenta, como exemplo, um novo princípio, isto é, uma nova regra criada pelo modo brasileiro de dizer, no que se refere à sintaxe do verbo custar (no sentido de ser difícil): Algo custa a alguém é uma “questão de princípio” lógico-semântico: Custa à gente suportar o desemprego, o que equivale a Suportar o desemprego custa à gente. (Suportar o desemprego seria sujeito do verbo custar.) O brasileiro, no entanto, em relação a essa frase, diz: A gente custa a suportar o desemprego.

Ensinam as gramáticas que o verbo custar (no sentido de ser difícil) deve ser empregado na terceira pessoa do singular, tendo por sujeito uma oração reduzida de infinitivo. Tal verbo exige objeto indireto com a preposição a). Verifiquem que na realidade essa forma de dizer é muito mais comum do que a forma que tem um critério e um princípio lógico-semântico, que é a frase algo custa a alguém. Segundo o professor Celso Pedro Luft, essa questão é uma forma brasileira de dizer e é uma questão de uso. Encontramos, até mesmo em textos formais, a construção, digamos assim, brasileira de tratar em relação a esse verbo. Poderíamos encontrar várias situações semelhantes a essa construção. Pois é fato que a língua camoniana ganhou, no Brasil, um colorido muito especial.

DICAS DE GRAMÁTICA LIMPO OU LIMPADO?
– A regra é clara. Usa-se limpo com os verbos ser e estar: estava limpo, será limpo. Usa-se limpado com os verbos ter e haver: havia limpado, terei limpado.

STRESS À BRASILEIRA
– Antigamente falava-se em estafa. Hoje temos a palavra inglesa stress que, porém, já está abrasileirada (ou aportuguesada, se preferirem). Quem quiser ficar estressado agora, sinta-se à vontade.

AH! AH-AH! AH…
A interjeição Ah pode expressar vários sentimentos. Surpresa: Ah, você veio! Duplicada, pode expressar confirmação de uma previsão: Ah-ah, eu sabia que você não viria! E também decepção: Ah… se você tivesse vindo…

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá. Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Pesquisadora Sênio da CAPES.

Categories: Luísa Lessa
A Gazeta do Acre: