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SOS contra a violência estudantil na escola Humberto Soares – bairro José Augusto

Inicialmente me desculpo com os leitores, também com os heróicos professores da Escola Humberto Soares, ao tempo em que agradeço aquelas pessoas que lerem este artigo e fiquem solidárias comigo. Estão tendo a “coragem e a bravura” de estar aqui para ouvir a minha fala, acreditando na possibilidade que lhes tenha algo a dizer. De fato tenho, infelizmente não é bonita a história. É lamentável, triste, em verdade um grito de desespero, tristeza por uma juventude que está perdida, sem rumo, sem orientação, entregue às mazelas do mundo, perdendo a oportunidade de construir um futuro sólido e feliz.

O artigo é um clamor, um grito por socorro às instituições acreanas contra a violência escolar, a violência nas ruas da cidade de Rio Branco. Resido perto de uma escola pública há 32 anos. Vivi mais de 20 anos na santa paz, mas de 12 anos para cá a vida na vizinhança da escola se tornou um inferno. As crianças e adolescentes não dão trégua, permanecem nas calçadas da casa com palavrões, isso do amanhecer ao anoitecer. Costumeiramente avançam pela noite, até às 23 horas. As conversas são as mais promíscuas possíveis, assim também os insultos, as brigas, as arruaças.

Olhando esse cenário fica difícil acreditar como um jovem possa ter uma mente tão suja, promíscua, indecente, desrespeitosa, atrevida, debochada, escrachada. Pois, em verdade, de 10 palavras que pronunciam 99,99% são imorais, indecentes, agressivas. E falam alto para nos agredir, não ficam envergonhados quando alguém escuta. Ao perceberem esse fato, aí eles dão gargalhadas. Se repreendidos, dirigem os palavrões para você, ameaçando-o até de morte. É um crime o que fazem esses jovens nos arredores da Escola Humberto Soares, Bairro José Augusto. Testemunham os atos de vandalismo os moradores assustados, paredes e muros de casas pichados com nomes, desenhos obscenos. A gente sentindo vergonha de morar num ambiente assim pinta as paredes toda semana, para deixar a rua mais bonita. Mas esse fato torna-se uma ofensa para os estudantes/agressores. Param e dizem: vou ali e já volto para pichar essa p…., que esses moradores vão tomar no c..

Como se isso não bastasse, ficam o dia inteiro sentados ou deitados nas calçadas das casas, onde comem, praticam sexo, bebem, usam droga, tudo a céu aberto, sem que ninguém faça algo. Se um morador liga para o nº 190, na polícia, eles dizem vir, mas não aparecem. Afinal, o que fazer diante de situação tão grave? As drogas são escondidas nas árvores, em sacos plásticos. Nos arredores da escola, um antro de prostituição, boca de fumo, vandalismo, bebedeira, tudo que é ruim para o meio social, tudo que um jovem não deve fazer quando possui uma vida para construir. E as autoridades não fazem nada? Que futuro se está preparando para o Acre?

Para que o texto não seja, apenas, um GRITO DE DOR, trago explicações outras capazes de auxiliar na compreensão e, talvez, solução do problema aqui abordado, com profunda tristeza. É o seguinte: a palavra “escola”, vem do grego, de qualquer coisa como “eskolé”, e que significa passear, ou para dizer como Aristóteles, ao concluir a Ética de Nicômano, a atividade humana que se enquadra na categoria do “gosto cultivado”. Há alguns textos antigos que dizem mais ou menos assim: andava eu por aí “eskolé”, significando passear, fazer coisas com gosto. O pedagogo grego, aquele pedagogo da Grécia do século V, do período áureo de Atenas, era alguém que, para além de ajudar a criança nas suas tarefas escolares, passeava com ela, levando-a ao Centro da cidade, à praça pública, ao mercado, a visitar o pai no trabalho, e depois  trazia-a para casa, auxiliando-a nas tarefas e nos trabalhos de aprendizado.  Com isso elas apren-diam, respeito, vida social, convívio so-cial, ética etc. São os “gostos cultivados”. De qualquer forma, o pedagogo era muito mais do simples transmissor de um conhecimento formal. Era alguém que, abraçando a vida dessa criança, levava-a, também, a passear, a cultivar a vida e seus prazeres. Daí vem a origem da palavra “escola”.

Existem dezenas de teorias que procuram explicar o fenômeno da vio-lência. A mais conhecida talvez, seja a teoria biológica. Muito antiga, tem a sua origem no trabalho de um médico italiano chamado Cesare Lombroso que, no livro “O homem delinqüente” , advogava a idéia de que o sujeito nasce criminoso, nasce delinqüente, nasce violento. A vio-lência não se faz; nasce-se com ela. E nasce-se violento porque se possui alguns traços, alguns sinais físicos, que seriam responsáveis por essa violência. Por exemplo, a protusão do nariz, a protusão do queixo ou um sinal na orelha ou um tipo determinado de formato da cabeça. Então, ele correla-cionou esses aspectos físicos e morfológicos com a conduta violenta, agressiva e delinqüente.

Hoje, em pleno século XXI, ninguém mais adota a teoria biológica clássica tal como concebida por Cesare Lombroso, mas no seu lugar, dentro ainda do paradigma biológico, apareceram versões contemporâneas, entre as quais citarei apenas duas: aquela que é proveniente da moderna genética, que nos oferece estudos a partir do cariótipo humano. Então, dentro do estudo dos mapeamentos cariotípicos, poder-se-ía determinar que gens estariam relacionados com a violência, com a agressi-vidade e com a delinqüência.

A outra versão moderna da teoria biológica é aquela que nos é dada pelos hormônios genericamente falando, mais especificamente a partir das investigações com os neurotransmissores. Assim como alguns neurotransmissores estão relacionados com o humor, deixando, às vezes, a pessoa mais triste ou mais alegre, também eles poderiam contribuir para que um determinado sujeito sofresse de uma alteração neuroquímica e viesse a ser mais violento, mais agressivo ou agir de modo delinqüente. É importante não esquecer que, a par do significado relevante desses estudos, tratam-se de versões contemporâneas da velha e antiga teoria de Cesare Lombroso, bem ao sabor do final do século XIX.

A segunda grande teoria ou elenco de teorias que procuram explicar a questão da violência, foi desenvolvida por um discípulo de Lombroso, o também italiano, jurista Enrico Ferri. Tendo divergido de seu mestre, que era um biologista, Ferri adotou a posição contrária, afirmando que o ser humano não nasce delinqüente, mas que ele torna-se delinqüente ao longo da vida, porque o meio social, o meio ambiente, os fatores externos, os fatores exógenos, que hoje nós chamaríamos de mesológicos ou simplesmente ecológicos, convergem no sentido de que essa pessoa venha a ser violenta.

Essa teoria ou esse paradigma teórico recebe o nome de modelo sociológico. A propósito, Ferri tem uma frase célebre que aparece em um livro clássico, chamado Sociologia Criminal, que é de profundo impacto quando se lê. Diz mais ou menos assim: “se em uma rua escura se cometem mais atos violentos do que em uma rua clara, bastaria iluminá-la e isso se tornaria mais eficaz do que construir prisões”. Quando se ouve esta frase, vê-se que é muito forte, parecendo uma verdade absoluta. Contudo, se a gente para e, com o espírito um pouco reflexivo, um pouco mais crítico, vai logo se aperceber de que é um modelo tão determinista quanto é o modelo biológico. Por quê? Porque nem todas as pessoas que passam em uma rua escura cometem delitos. Somente algumas cometem delitos, as outras não. Quer dizer que não é só o fator do meio ambiente que pode ser responsabilizado pelos atos de violência. A violência não é monocausal, mas multifatorial.

Essa teoria sociológica que nasceu no alvorecer do século XX, trouxe, por sua vez, traduções modernas. Durkhein é um dos autores que atualizam essa versão e assegura que a violência decorre da anomia, isto é, da ausência de normas. Quando não há regras, quando não há limites estabelecidos, a probabilidade da violência aumenta pela falta de coesão social. Então, vamos ficar com a teoria de Durkhein, no caso da Escola Humberto Soares: faltam regras, disciplina, limites. Quem deve normatizar isso é a escola, a SEC, as instituições, a sociedade. Como parte da sociedade, eu peço limites, respeito ao direito do outro de habitar, residir, morar, ter família, conviver em ambiente de ética, conduta moral.

Então o caminho é esse: A Secretaria de Educação do Estado precisa agir. As instituições de justiça precisam atuar, com urgência, no sentido de resguardar a ordem pública, o direito de ir e vir das pessoas, o direito de morar perto de uma escola, o direito de ter sua casa pintada, limpa, arejada, o direito à paz e tranqüilidade do lar assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil.

E, para finalizar esse GRITO DE SOCORRO (SOCORRRRROOOOOO), digo: “não é necessário que nós nos amemos uns aos outros, basta – mas vejam como é difícil esse basta – basta que nós nos respeitemos uns aos outros”.

Categories: Luísa Lessa
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