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…E quando a seca de 1926 acontecer de novo?

Nos últimos anos, especialmente em 2005 e 2010, a região da Amazônia Sul-ocidental tem sofrido secas severas com incêndios florestais. Este ano, o nível do Rio Acre indica que podemos ter mais uma seca severa durante setembro.  Estas secas, porém, não foram as mais severas que aconteceram na região. No inicio do seculo 20, a Amazônia ocidental sofreu secas fortes também quando tinha pouca área desmatada e pouca gente. Será que as secas severas de quase cem anos atras pode acontecer novamente?  E que impacto elas teriam nas condições que temos hoje em dia?

Secas não são uniformes na Amazônia. Em 2005 e 2010, os centros das secas aconteceram principalmente no Acre.  Em outros anos as secas, como a de 1997-98, ficaram concentradas em outras partes da Amazônia. Infelizmente os dados sobre secas mais antigas são isolados e esparsos.   Porém, graças a importância da altura do rio para navegação, existe um registro em Manaus, onde se mede a altura do Rio Negro desde 1903. A altura do Rio Negro está influenciada também pela quantidade de chuva que cai nas bacias hidrográficas do Rio Solimões, que incluem as dos Rios Acre, Purus e Juruá. Nos anos 1906, 1916 e 1925-1926,  o Rio Negro ficou tao baixo quanto nos anos 2005 e 2010.  Em 1925-1926, a seca se prolongou tanto que foi chamada o ano que não caiu chuva e foi considerado a seca do século.

Será que as medidas do Rio Negro refletem nas condições em nossa região nas cabeceiras dos rios Juruá, Purus e Madeira? Em estudos apoiados pelos do Centro de Documentação de Informação Histórica da Universidade Federal do Acre (CDIH/UFAC) e do Museu da Borracha do Estado do Acre e com a ajuda do Prof. Gerson Albuquerque e Historia-dor Marcos Vinicius, foi possível analisar jornais e outras fontes históricas para identificar se as secas registradas via a altura do Rio Negro em Manaus tiveram reflexos na vida no Acre. Exemplos de relatos associados a dificuldade de navegação nos rios Tarauacá e Acre foram verificados no período entre outubro de 1925 e maio de 1926.

Um destes exemplos mencio-na o encalhamento do Vapor Paraná, no rio Tarauacá, em 20 de dezembro de 1925. Outros fatos que também evidenciam a forte estiagem neste período  foram os encalhes de barcos no mês de fevereiro e maio de 1926 causando entre outros transtornos a falta de mercadorias na capital do estado.

O período de 1925-1926 foi marcante com indicações que as chuvas demoraram meses para chegar no Acre, criando uma seca muito mais prolongada do que as em 2005 ou 2010. No entanto, a sociedade e ambiente eram menos vulneráveis naquela época.  Em 1926, Acre tinha uma população e uma área desmatado que era uma pequena fração do que existe hoje em dia.  Agora no Acre há mais de um milhão de hectares de pastagens e áreas agrícolas com cultivos de fácil combustão e uma população urbana de mais de 400.000 pessoas que depende dos rios para seu abastecimento de água potável.

Não precisa invocar aquecimento global ou as mudanças climáticas para justificar uma preocupação sobre a capacidade da nossa sociedade de responder à volta da seca de 1925-1926.  Se tivermos o mesmo número de focos de calor, como 2005, o resultado não será nada agradável. Fogos incendiaram mais de 300,000 hectares de florestas em 2005, produzindo grandes quantidades de fumaça, antes de serem apagados pelas chuvas de outubro. Uma demora de vários meses nas chuvas ia resultar em centenas de milhares de florestas queimadas a mais.

A Natureza pode ser terrível naturalmente. Nós não temos o poder de evitar uma seca como a de 1925-1926, mas poderíamos evitar uma mega-conflagração, se prepararmos adequadamente. A seca de 1926 ou talvez algo pior vai acontecer, é só uma questão de quando, mas se usarmos o tempo agora para nos preparar, poderemos minimizar as consequências para nossas vidas e ambiente.

A aceleração recente de eventos extremos, não só de secas, mas também de enchentes é consistente com o que sabemos dos impactos prováveis de mudanças climáticas antropogênicas.  Isto gera uma preocupação maior ainda que a seca de 1926 vai voltar mais cedo do que mais tarde. Resta saber se estaremos preparados para mitigar os impactos da seca e das queimadas associadas.

* Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (Memrn) da Universidade Federal do Acre (Ufac) e Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT-Servamb e do Parque Zoobotânico da Ufac, e Roberto Tavares, Mestrando do Curso de Memrn e Chefe da Divisão de Etnozoneamento da Sema/AC.

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