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“Merda!”

Há algo de muito podre na produção cultural do Acre. Hoje, já estamos no fim de setembro e não há nem rumores de que o Governo do Estado vá abrir o edital da Lei de Incentivo à Cultura. A situação só não é mais grave porque a própria comunidade não entende como prioridade a ação de governo voltada para esse setor. Talvez isso explique a apatia oficial sobre o assunto. O que não dá para entender, no entanto, é o silêncio da classe artística.

Longe de fazer alusões saudosistas sobre “o teatro que tínhamos”: não se trata de querer que se volte no tempo e se ressusciteo dramaturgo popular Mathias. Até porque há um equívoco conceitual de relacionar diretamente a produção cultural com apoio ao Teatro. Mathias, Bacurau, Irineu Serra, João Eduardo, João de Deus, Ivair Igino, Wilson Pinheiro, Chico Mendes, Jean Pierre, Zé Leite, Aloísio Maia são nomes que guardamos com carinho, mas que respondem por um determinado tempo, de um determinado contexto, que obedeciam a uma determinada lógica. Todos eles, ao seu modo, fizeram Cultura. Interferiram, por meio do trabalho, na forma de relação com o mundo. Fizeram suas tentativas. Acertaram. Erraram. Construíram uma história.

A missão estrita da Lei Estadual de Incentivo à Cultura é promover essa “interferência” por meio de expressões artísticas e/ou esportivas. Já é um limitante porque, como se sabe, não se faz Cultura apenas por meio de expressões artísticas: são limitações impostas pela cartesiana gestão pública. Vá lá! Aceita-se a limitação. Mas, é aí? Já é fim de setembro! O fomento das atividades artísticas não é uma obrigação do Estado? Incentivar que o povo expresse a sua visão de mundo sem amarras e sem medo (inclusive questio-nando a própria atuação do governo) não é uma conduta que cabe ao Estado?

A concepção da Lei de Incentivo foi uma conquista da classe artística que teve a gestão da Frente Popular do Acre como instrumento político. Isso é inegável. Depois de muita discussão e conflitos, estruturou-se minimamente, com os recursos que foram possíveis, o Conselho Estadual de Cultura. O famigerado “balcão” e o apadrinhamento foram minimizados. Não há como negar isso. E isso foi feito por uma decisão política. Não há dúvidas. Então, o que explica a atual indiferença do governo?

Há outras prioridades? Sempre há. Mas, é preciso urgentemente avançar: respeitar processos e prazos. Pelo ritmo, Tião Viana corre o risco de ser o primeiro gestor da Frente a não emplacar a Lei de Incentivo.Leitor exigente, frequentador de teatros e apreciador de ópera, Tião Viana, em teoria, deveria estar incomodado com, até agora, esse vácuo da gestão pública.

No plano do fomento às expressões artísticas populares, o primeiro ano de Tião Viana no governo ainda não começou. Para usar um raciocínio do Teatro, fica aqui uma expressão de boa estima: antes das apresentações, os atores se cumprimentam falando “Merda!” uns aos outros com a idéia de “desejar boa sorte”. Portanto, aos responsáveis pela produção cultural no Acre… “Merda!”
Itaan arruda é jornalista.

E-mail: itaan.arruda@gmail.com

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