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Lá e Cá – Princípios

Lá no Brasil é primavera,  prenuncio do verão. A época do ano que antigamente era conhecida como a estação das flores, por conta de nossa mentalidade dema-siadamente européia. Quando os meninos e meninas nas escolas se vestiam de flores. Tempo que hoje em dia é tido pela sociedade ultra-consumista como hora de preparar os guarda-roupas pro verão, e malhar muito pra estar com o “corpitcho” em dia pra usual exibição nas praias lotadas.

Enquanto isso, cá no Acre, estamos entrando no inverno, como provou a chuvarada do último domingo e as tardes chuvosas dessa semana inteira. Daí que não seria inapropriado dizer que estamos em pleno outono de outubro. Época que, antigamente, os seringueiros diziam, marcava o tempo de comer o que se ganhou lá atrás. Fim da safra da borracha, porque de agora em diante a chuva bebe o leite. Pausa obrigatória até começar o tempo da castanha.

Nunca deixo de me surpreender com a diferença entre o Brasil e o Acre. Dois mundos não só distantes, como muito distintos. Por isso, às vezes, chego a pensar que quem teve mesmo a grande sacada foi Galvez quando proclamou a República do Acre. Não por algum sentimento separatista. Pelo contrário. Mas porque Galvez parece ter sido um dos poucos a compreender a real importância e dimensão do Acre para o país.

Afinal, à tragédia que se tornaram algumas regiões da Amazônia, terras sem rumo, o Brasil tem o contraponto do Acre. Da mesma forma que o faroeste caboclo que se tornou o sul do Pará, onde uma morte (ou mais) de trabalhadores rurais por semana é o normal, nos deveria fazer ver com mais nitidez que há muitos anos não temos mais assassinatos por questões de terra no Acre. Mas, às vezes, parece ser mesmo muito difícil ver o que está diante de nossos olhos.

É que, aqui na cidade grande, não conseguimos perceber com clareza o que acontece naquele outro Acre do interior, quase invisível. Nada como uma ida ao Jordão ou à Santa Rosa pra saber o quanto esse outro Acre é distinto do Acre de Rio Branco, com seus foros de metrópole e modernidade tão limitada quanto nossa precária conexão à internet.

Por outro lado cultivamos a ilusão de que, graças às maravilhas do mundo digital e das noticias em tempo “real”, conseguimos saber exatamente por que está acontecendo a Primavera Árabe no Egito, Síria, Líbia, etc. Quando na verdade temos extrema dificuldade de compreender minimamente o que acontece em nossa vizinha Bolívia de Evo Morales em tempos de inesperadas marchas populares (a esse respeito talvez seja interessante ler o artigo desse link: http://www1.folha.uol. com.br/colunas/luliradfahrer/988991-os-anarquistas-estao-chegando-os-anarquistas.shtml).

Daí o nome dessa nova coluna que espero poder trazer todas as sextas-feiras aqui pro jornal A GAZETA: Lá e Cá… Porque o mundo parece ter ficado menor, mas isso não diminuiu a distância que nos separa. Porque as notícias do Brasil tem reflexo em nossas vidas, mas nem sempre nos dizem respeito, porque o Acre está mudando diante de nossos olhos e nem nos damos conta da abrangência dessa mudança. Porque enquanto lá no interior do interior os índios isolados insistem em viver numa pré-história sincera e voluntária, cá no centro nervoso do poder e da economia nos agitamos e debatemos em torno do que nos reserva o futuro.

Assim, pra terminar bem o artigo de estréia dessa coluna, duas pequenas notas sobre o que acontece lá e cá, ontem e hoje.

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Os radicais reclamam, como sempre reclamaram, que o governo se aliou a setores conservadores pra governar. Curioso é ver como muitos deles hoje engrossam o coro do que há de mais deplorável na política pra fazer valer seu eterno lema: “Hay gobierno, soy contra”.
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Não poderia deixar de fazer uma homenagem ao acrea-no Zé Vasconcelos que tantas vezes me fez rir com seu humor inteligente e acabou de nos deixar um pouco órfãos neste vale de lágrimas.
Para tanto queria lembrar que ele nasceu aqui no Acre graças ao fato de seu avô, de quem herdou o nome José Thomas da Cunha Vasconcellos, ter sido Prefeito Departamental do Alto Tarauacá, do Alto Acre e, entre 1923 e 1926, Governador do Território Federal do Acre, tornando-se mais conhecido pelo singelo apelido de Surucucu, por sua notória brabeza, fonte de humilhações contra muitos poderosos, mas também de algumas injustiças contra pequenos.

Parece que, por ironia do destino, o nosso genial Zé Vasconcelos veio a esse mundo pra compensar as obras do velho Surucucu e preencher esse mundo com risos e alegrias…

* Marcos Vinicius Neves é historiador.

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