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LÁ e CÁ

Ignomínia
(novos usos de uma palavra antiga)

Eu não consigo deixar de  me surpreender constan temente com os rumos que a comunicação tem tomado nestes novos tempos internéticos e virtuais. Não há como negar seus aspectos positivos. O acesso à informação hoje é muito mais rápido e democrático. A função de produzir notícias e conteúdo escapou completamente da imprensa, tanto à formal (rádios, TVs e jornais) quanto à nova imprensa (portais, sites de notícias, blogs de jornalistas), e hoje é produzida por quem quer que tenha um celular, um notebook, um ipad, através das redes sociais, dos blogs e dos microblogs.

Entretanto, há também o lado perverso dessa história. A internet possibilitou agregar a notícia à sua repercussão imediata através dos comentários que são feitos tão logo os conteúdos são veiculados. Infelizmente o que se vê comumente nestas áreas de comentários não são reflexões sobre o que foi escrito ou noticiado, não são opiniões que revelem novas abordagens, nem tampouco acréscimos de informações aos temas em debate, mas sim um mar inesgotável de baixarias, ofensas gratuitas e maledicências diversas, praticadas por pessoas ocultas por trás de pseudônimos ou identidades falsas.

Esta prática se tornou tão comum que já está parecendo corriqueira e banal. As pes-soas nem se indignam mais, estão dormentes diante do que se tornou normal. Como se, de repente, tais praticas fossem a coisa mais usual e aceitável do mundo. Desculpem-me, mas não consigo me conformar com essa nova realidade.

Aqui no Acre, particularmente, a situação é feia. Basta uma rápida olhada nos principais sites e blogs locais para constatar o alto grau de agressividade e o baixo nível dos xingamentos a que as pessoas tem se permitido rotineiramente. Chega a dar desgosto constatar tamanha dedicação em ofender, desqualificar, denegrir o outro, com ou sem motivo para tanto. Custo a crer que essa seja expressão da natureza humana. Mas quando fico sabendo que o site local campeão de popularidade é exatamente aquele que respinga sangue na mesa toda vez que você o acessa, começo a admitir que talvez seja isso mesmo.

Por mais que eu pense não me ocorre outro termo mais adequado para caracterizar estas novas práticas do que uma palavra antiga que quase não se usa mais: ignomínia. E pra quem não conhece o termo, não custa uma rápida passagem pelos dicionários que a gente acha facilmente na internet. Segundo o dicionário Aurélio “ignomínia: s.f. Desonra extrema, opróbrio, infâmia: a traição é uma ignomínia”. Segundo o Mi-chaelis, “ignomínia: sf (lat ignominia) Afronta pública, desonra, opróbrio, vergonha.

É esse ultimo significado que sinto toda vez que me vejo obrigado a usar esse termo… vergonha. E pra completar agora começa a surgir por aqui outra modalidade de ignomínia: a pratica de produzir e distribuir panfletos apócrifos como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não bastasse tal prática se configurar num ato tão covarde quanto os comentários anônimos ou sob pseudônimos que circulam livremente na internet, ainda parece ser motivo de orgulho já que esta semana o lançamento do próximo panfleto injurioso e anônimo foi anunciado com antecedência num site local. Ou seja, não só não se tem vergonha de fazer algo vergonhoso como ainda se faz propaganda do malfeito.

Mas o maior problema disso tudo é a inércia. Acho extremamente perigoso nos acostumarmos com essas coisas e começarmos a achar que é assim mesmo e que na solidão do computador podemos tudo e qualquer coisa. Quero crer que mais cedo ou mais tarde há de ocorrer um forte movimento de repúdio dessas práticas espúrias, como já acontece com a pedofilia e a internet passará a ser não só território da liberdade, mas também da ética.

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Não poderia deixar de registrar que lá no Brasil, esta semana, foi aprovado o fim do sigilo eterno sobre documentos oficiais do governo brasileiro. Assim os arquivos ultrassecretos do Itamaraty e do Exército que contam sobre os bastidores da negociação com a Bolívia e o Peru para a anexação do Acre já poderão ser consultados por pesquisadores. Já to me coçando todo de curiosidade pra saber se o pouco que vazou recentemente, durante as discussões travadas no Congresso Nacional sobre este tema, é verdade ou não… Mas isso é assunto para outro artigo.

* Marcos Vinicius Neves é historiador.

 

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