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Ufac desenvolve medicamento mais forte do que morfina

Renildo Moura da Cunha tem mestrado pela Universidade Federal do Ceará em melhoramento genético animal e doutorando em Farmacologia de Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos pela Universidade Federal da Paraíba. Desde 2008, desenvolve, com apoio do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Governo do Acre e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) uma pesquisa com a Croton leschleri conhecida pelas populações ribeirinhas como “sangue de grado”. Com o extrato dessa planta, o pesquisador tenta isolar uma substância que tem poder analgésico mais potente do que a morfina. O processo de elaboração do estudo já chamou atenção de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.
Ratos
Hoje, Renildo Moura trabalha, junto com quatro alunos bolsistas e uma pesquisadora voluntária, com as seguintes linhas de pesquisa: analgesia; inflamação e efeitos anti-inflamatório; endemas e efeitos anti-endematogênicos e cicatrização e efeitos anti-cerongênicos. “Não é validação, ainda”, diferencia. “Trazemos as plantas aqui e fazemos testes para incorporar informações científicas, de acordo com a literatura”. Dividindo as obrigações de cientista com a de pró-reitor de Graduação, é comum ele passar os fins de semana dentro do laboratório. O material de limpeza e manutenção do Laboratório Fisio-farmacologia é custeado com dinheiro do próprio bolso.

No meio do caminho, surgiu uma inovadora linha de pesquisa que pode acelerar os resultados e ajudar no trabalho com substâncias isoladas, a referência mundial para estudos de efeitos de medicamentos. Essa novidade chama-se nanotecnologia. Entre um compromisso e outro, o professor da Ufac recebeu A GAZETA para explicar como estão as pesquisas:

A GAZETA- Do que trata a pesquisa?
Renildo Moura
– Eu tenho alguns extratos de planas usadas por comunidades extrativistas que a própria literatura dá conta do efeito. Primeiro, a partir da desconfiança, do conhecimento empírico etno-medicinal, trazemos pra cá e fazemos os estudos. Não é uma validação, ainda. Isso é um processo de anos, mas a gente vem aqui e faz testes para estar incorporando informações científicas, comprovadas, discutidas, de acordo com a literatura. Nós já temos estudos com cinco ou seis plantas, já temos alguns resultados, mas precisamos, em cooperação com outros centros, fazer outros testes para dar mais consistências às nossas desconfianças.

AGAZETA – Sobre o medicamento que está sendo feito que é mais forte que a morfina… como estão as pesquisas?
R.M.-
Recentemente, nós testamos um extrato desidratado aqui de uma planta chamado cróton [Croton leschleri], que é conhecida como “sangue de grado”, uma variação da língua. Na verdade, chama-se “la sangue de draco” [sangue de dragão]. É uma planta muito mais comum em território boliviano e peruano, mas ocorre em Rio Branco. Aqui, por exemplo, nós pegamos as amostras em um igarapé perto da Funtac. O nosso teste de analgesia teve um efeito muito bom. Inclusive, nós estamos repetindo agora os testes. Nós provocamos a algesia [a dor] e fizemos o pico da dor, o tamanho dessa dor. Aplicamos a morfina e obtivemos um gráfico em um determinado tempo e aí obtivemos o padrão. Do outro lado, fizemos o tratamento com o ‘sangue de grado’ a 125 miligramas por quilo de peso.

A GAZETA – E o que foi observado?
R.M.-
O efeito da morfina foi o efeito padrão. Os testes com o sangue de grado mostraram que: o sangue de grado acompanhou a morfina e se igualou nos tempos de referência e nos últimos tempos considerados do experimento, o efeito foi igual, sem diferença estatística. Com um detalhe: depois do tempo considerado no experimento, o efeito da morfina começou a cair e o efeito do sangue de grado se manteve. Mas, repito: nós estamos repetindo todo o processo. Estamos repetindo todos os testes para que tenhamos mais segurança nos resultados. O mesmo cróton foi bom em outro teste: no teste das contrações abdominais, usando ácido acético. O sangue de grado inoculado inibiu bastante essas contrações. Isso ratifica, comprova que o sangue de grado atua no combate à injúria que causa a dor.

A GAZETA – Por que essa planta e não outra?
R.M.-
Porque a comunidade já usava. Já havia relatos das populações tradicionais de pessoas que tomavam uma colher do látex do sangue de grado, tipo uma seiva aquosa, que dava efeito analgésico.

A GAZETA-  Esses estudos já foram publicados em alguma revista científica?
R.M.-
Para fazer publicações, ainda são necessários alguns ajustes.  Mas, como um trabalho de iniciação científica, com os seis alunos bolsistas que trabalham comigo nesse projeto, é um estudo muito bom. Um dos trabalhos feitos por uma aluna foi convidada por uma equipe da Unesp [Universidade Estadual Paulista, uma das melhores instituições de Ensino Superior do país] de Rio Claro para o programa de doutorado.

A GAZETA-  E o apoio que o senhor tem tido, tem sido satisfatório?
R.M.-
Esse prédio do Laboratório Fisio-farmacologia foi construído com recursos da Finep, CNPQ e os estudos com o sangue de grado têm apoio do Governo do Acre por meio do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Mas, é tudo muito dispendioso. O material de limpeza e manutenção do laboratório eu tiro do meu próprio bolso.

A GAZETA-  O senhor tem uma meta para que esse medicamento chegue às farmácias?
R.M.-
Não. O processo não é tão simples e nem tão rápido assim. O que garantimos é que todo o processo de testes e estudos têm validade científica e o que for feito obedecendo esse rigor tem respaldo. Não é trabalho perdido de jeito nenhum. São, por enquanto, testes muito primários, mas têm muito valor. A qualquer tempo, podemos aproveitar esses dados, sem qualquer perda. Em princípio, nossa meta é essa. Mas não temos compromisso na formulação do medicamento. Temos compromissos com as validações científicas. O rigor cien-tífico é o que nos norteia.

 

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