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Decodificando o Código

Na segunda-feira desta semana assisti pela televisão a mais uma audiência publica realizada pelo Senado em torno do código florestal. Impossível não se surpreender com a mudança que se operou naquele tom áspero e conflituoso que as discussões vinham tendo na Câmara dos Deputados e que passou a ser de evidente equilíbrio e cautela no âmbito do Senado.

As implicações desta transformação são significativas. Os acalorados debates da Câmara dos Deputados levavam a crer que estavam em confronto pelo menos duas posições irreconciliáveis: a do meio ambiente e a da produção agropecuária. Ao mesmo tempo em que os pequenos agricultores ficaram entre os dois extremos servindo como ponto de argumentação contraditória para ambos.

Sem nenhum trocadilho, era óbvio que a situação havia se tornado insustentável. A radicalização do conflito, se teve o mérito de encher o plenário no dia da votação, levava à inevitável conclusão de que um dos lados sairia amplamente derrotado.

Mas, além disso, se tornou óbvio também que tal derrota, fosse de quem fosse, ameaçaria perigosamente a maior interessada no novo código florestal: a sociedade brasileira, que poderia sair irremediavelmente prejudicada de tal embate.

O novo tom de entendimento que foi empreendido pelos Senadores Jorge Viana e Luis Henrique nos debates acerca do código revelaram que não havia, na verdade, uma real contradição entre ambiente e produção. Afinal, como acreditar na possibilidade de produção agropecuária de qualquer natureza sem acesso a água de boa qualidade? E como garantir os necessários recursos hídricos sem a conservação das famosas APPs,  Reservas Legais e Áreas de Conservação? Ou seja, resta comprovado que a polemica até então estabelecida era falsa. Hoje está claro que não é possível manter e aumentar a produção de alimentos no Brasil sem garantir a preservação e a saúde de nossas fontes d’água e cobertura florestal.

Este distencionamento geral abriu então espaço para que as discussões do novo código avançassem para áreas até então não discutidas, ou superficialmente equacionadas, como a questão das áreas urbanas, o aprofundamento nos problemas e soluções relacionados à agricultura familiar, a segurança jurídica necessária para que os produtores possam investir na produção e na conservação de suas propriedades, entre muitos outros temas que estão sendo atualmente discutidos em todo o país.

Mas, que ninguém se iluda. Este novo clima de diálogo e entendimento que está predominando no Senado foi fruto de muita articulação e negociação. Um trabalho que mesmo tendo avançado muito, não garante ainda por si só a aprovação de um Código Florestal equilibrado e ambientalmente ajustado, até porque ele ainda vai voltar à Câmara dos Deputados para nova aprovação. Mas é inegável que estamos presenciando um grande avanço que talvez seja indicativo não só da real possibilidade da aprovação do Código em novas e seguras bases, mas também de um novo momento de maturidade política de nossa Res Pública.

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Curiosa coincidência foi a enxurrada de artigos e postagens que nesta ultima semana foram feitos acerca do esgoto a céu aberto que se tornaram as áreas de comentários de blogs e sites de noticias. O mesmo tema que tratei no artigo da semana passada.

Mas longe de mim com isso querer sugerir que foi o meu artigo que desencadeou tal enxurrada. Muito pelo contrário. O que detonou este processo de análise da comunicação em tempos de internet foi o tratamento dado às manchetes do câncer recentemente diagnosticado no ex-presidente Lula. Muitos foram os articulistas que se revoltaram com a enorme quantidade de comentários e mesmo artigos ofensivos, desqualificados e desumanos sobre uma pessoa que passa por um difícil momento de sua vida, independente de qualquer outra consideração. Porque, ainda que Lula seja uma pessoa pública, continua sendo um ser humano sujeito às vicissitudes e dificuldades comuns a todos nós, que só podemos ansiar por um tiquinho de solidariedade quando enfrentamos grandes dificuldades, em especial aquelas relacionadas à saúde.  

Lembro-me de certa vez ter visto o genial Glauber Rocha, em uma de suas caóticas filmagens, proferir uma sentença que era como que uma pedrada na consciência de qualquer um, dizia ele em seu português sui generis: “O mineiro só é solidário no Kanzer” Fiquei sabendo depois que esta filmagem e a grave frase de Glauber era seu protesto diante da doença que já o acometia e que acabaria por levá-lo à morte e ao mesmo tempo uma dolorosa ironia às manifestações publicas de pesar que ele recebia então de pessoas que até pouco tempo o atacavam. Eu fiquei muito chocado com a revolta e a dor da fala de Glauber na ocasião. Só não podia esperar que de lá para cá piorássemos ainda mais. Diante dos muitos absurdos e agressões que foram cometidos contra o Lula através da internet nos últimos dias eu só posso atualizar aquela frase e dizer que atualmente: O brasileiro não é mais solidário nem no câncer.

 

Marcos Vinicius Neves é historiador
(mvneves27@gmail.com)

 

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