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Basquete transforma vida de cadeirantes em Rio Branco

Com uma história pouco conhecida, o basquete para portadores de deficiências físicas existe, em Rio Branco, desde 2007, quando o presidente da Associação Rio-branquense de Deficientes Físicos (Ardef), Raimundo Correia, convidou duas equipes de Rondônia para um jogo demonstrativo, no Acre. A exibição inspirou um grupo de amigos a romper suas próprias limitações físicas.

imagem65655Cerca de 10 cadeirantes se reúnem às terças e quintas, na quadra da Fameta
Diante do interesse despertado, Correia sugeriu um projeto à Lei de Incentivo ao Esporte de 2008 para adquirir cadeiras próprias para a prática de basquete no Estado. De acordo com Manielden Távora, ex-técnico da equipe, a idéia foi colocada em prática no mesmo ano. “No início, nós tínhamos oito cadeiras. Uma semana depois do primeiro treino, fomos disputar a Copa Norte, em Manaus, com dez atletas. Das 12 equipes que disputaram a competição, ficamos em último. O que valeu foi a experiência, foi uma aventura”, recorda.

Apesar do esforço do grupo, as dificuldades sempre existiram. Em 2010, Correia entregou o cargo na Ardef. “As cadeiras foram abandonadas e algumas estavam danificadas, as dificuldades aumentaram. Não fomos para a Copa Norte, o Hélio Koure, da Setul, tentou o transporte, mas não conseguiu”, comentou Manielden.

A última competição que a equipe disputou foi a Copa Sesi, em Porto Velho/RO, no início do ano passado. Com a participação de nove times, o Acre ficou na terceira colocação. “O torneio foi uma preparação para a Copa Norte, mas devido a falta de transporte e apoio, não conseguimos viajar. Sem competição, não há motivação para os treinos e assim os atletas passaram a se reunir para ‘brincar’”.
Para competirem nos próximos torneios, em agosto de 2010 foi criada a Federação Acreana de Basquete de Cadeirantes (FEABC), tendo como presidente Marcio Cleide, que também é jogador. “Ainda está só no papel, porque não tem apoio, nem recurso. Não colocamos projeto na Lei de Incentivo porque a entidade tem que ter um ano de fundação, mas pretendemos apresentar em 2012”, completou Marcio.

As grandes conquistas do time, não são títulos ou medalhas. O grupo considera como troféu, o desenvolvimento dos companheiros Gessiano Lago e Emerson de Souza. O primeiro saiu do Estado para fazer um teste na equipe APCI, de Brasília, onde há um mês conseguiu um contrato exclusivo para jogar na capital federal por um ano, e se mudou com a família. Já Emerson, 25, chegou sem ter movimentos abaixo do pescoço e, com os treinos, teve uma evolução no processo de reabilitação. “O basquete para ele foi muito mais importante que a fisioterapia. A partir do momento que esses atletas começam a praticar o esporte, ajuda a incluir socialmente. É importante para a autoestima”, disse Távora, diretor técnico da FEABC.

Futuro
Após um ano longe de jogos oficiais por falta de patrocínio, o time voltou a treinar em 2011. Por meio da professora do Curso de Fisioterapia Mirela Rodrigues, a Faculdade Meta (Fameta) passou a disponibilizar a quadra e o espaço para armazenamento das 14 cadeiras. Para 2012, a Federação Acreana de Basquete de Cadeirantes (FEABC) enfrenta o desafio de organizar o primeiro campeonato em terras acreanas. O time entende a iniciativa como a única forma de atrair outros cadeirantes e, principalmente, estimular os atletas mais antigos.

Com parcerias já firmadas, Elizeu Barros Machado, novo técnico do time, chega após treinar uma seleção de Rondônia durante seis meses. “Como técnico em Rondônia participei de torneios regionais e, para o time acreano, aplico o mesmo método que aplicava antes, treinos intensivos e exercícios para melhoria do condicionamento físico. Os resultados são satisfatórios e quase que imediatos, mais do que no outro time”, disse.

Segundo Elizeu, que tem um filho com deficiência e que também participa do projeto, o basquete proporciona inclusão so-cial, fazendo os cadeirantes se sentirem valorizados, além de colaborar com a saúde, porque existe a tendência à obesidade. “Meu filho não queria sair de casa, não queria se relacionar com as pessoas, através do basquete, ele começou a se abrir para a sociedade, tamanha é essa inclusão”, completou. O filho de Elizeu tem 16 anos, possui paralisia total dos membros inferiores e hidrocefalia.

“Depois de participar de todo o processo, é emocionante estar em quadra e ver os atletas jogando, fazendo cesta. É uma sensação de vitória. Muitas vezes cheguei a chorar por causa dos movimentos e da expressão de emoção que eles faziam depois de uma cesta, de superação de obstáculos, de autoconfiança, de felicidade”, finaliza.

Basquete ajuda cadeirante a superar dificuldades do dia-a-dia
A vida do cadeirante José Ricardo Freitas, 48, mudou no ano de 2006. Ele estava na porta de casa, quando uma briga entre vizinhos resultou em um tiro que atingiu sua perna. Pai de três filhos, divorciado e flamenguista, Freitas mora sozinho numa chácara, onde recebe constantemente visitas do caçula de 14 anos e tenta manter uma rotina normal.

Seu dia começa às seis horas da manhã, quando sai de casa numa motocicleta adaptada, com destino à distribuidora em que trabalha há dois meses. A atividade é uma forma de conseguir um “extra” para complementar a aposentadoria. “Antes disso aqui [trabalhar na distribuidora] a minha vida era sair de casa, resolver alguma coisa na cidade e voltar”, comentou. Antes de iniciar o expediente, espera o seu auxiliar chegar para ajudar a descer da moto e sentar-se na cadeira de rodas. Saindo às 18h, ele segue para a Faculdade Meta, às terças e quintas, onde treina até às 21h. Essa rotina se repete de segunda a sábado, e aos domingos trabalha até 12h.

O basquete entrou em sua vida por intermédio de uma amiga, que lhe passou os contatos para ele chegar ao time. “Em 2008, quando entrei na associação, vivia praticamente em casa, não saía, só ficava desocupado, foi quando soube do time de basquete, e como sempre gostei de esporte, me interessei e procurei. Gosto muito de basquete e me adaptei”.

Desde então, o basquete transformou a vida de Ricardo. “O basquete ajudou a [mudar] minha cabeça, o meu estilo de vida. Quando eu estou jogando basquete não penso em outra coisa, aí tira todo o estresse da gente”, diz. Além de melhorar na socialização com outras pessoas, o esporte proporcionou a reabilitação do seu corpo.

No momento, a maior dificuldade que enfrenta é sair de casa, já que mora num ramal e quando chove não consegue se deslocar: “Na cidade, alguns cantos não tem rampa, né? Mas isso não impede, coloco a cadeira na moto, deixo no estacionamento do Centro e ando de cadeira de rodas para ver as coisas, isso não é dificuldade para mim, mas sei que tem muitos amigos cadeirantes que tem esse problema”.
Participante assíduo dos treinos, Ricardo viajou as três vezes em que o time competiu fora do Estado. Ele destaca que o acontecimento mais marcante foi quando, em Rondônia, perderam para o pior time do torneio por um ponto. “Para mim marcou porque nunca tinha disputado um campeonato na região Norte, nem saído daqui antes”.

Muitos cadeirantes querem participar da equipe, mas não há como se deslocar até o local de treinamento. “Para o basquete, é preciso ter força de vontade, tem que chegar e se adaptar à vida de cadeirante nessa modalidade. Muita gente quer, mas não tem acesso. Com o tanto de cadeirante que eu conheço, dava para fazer uns quatro times. A gente luta para tirar o povo de casa e eles não saem. É difícil!”, completou Ricardo.

 

 

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