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No limite da reabilitação social e da reclusão punitiva: como lidar com menores infratores?


Ao trabalhar com o comportamento das pessoas uma coisa é certa: apesar de todos os investimentos, nem tudo sai 100% como se planeja! Quando estas pessoas são menores, ainda em processo de formação do seu caráter, o desafio é dobrado.

Os adolescentes infratores (com idade entre 12 a 18 anos) exemplificam bem esta dificuldade. Dificilmente se vê algo na mídia sobre eles que não seja negativo: ‘fugas em massa’ e ‘rebeliões’. No entanto, o que pouco se aborda é que a raiz do problema envolve algo maior. Envolve a carência histórica de políticas públicas para que os jovens em situação de vulnerabilidade social possam superar o passado e ter a chance de se reabilitar ao sair dos centros sócio-educativos (CSE).

Infra-estrutura ampla e moderna torna centros sócio-educativos do Acre referências na região Norte (Foto Cedidas – Ascom ISE/AC)

No Brasil, em torno de 60 mil jovens passam anualmente por unidades sócio-educativas (em 2010 foram 59.764). O sistema sócio-educativo acreano abriga hoje em torno de 800 menores. É o segundo do país com a maior proporção de internos para a sua população de adolescentes, segundo dados divulgados em julho pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Com efeito, para cada 10 mil adolescentes acreanos, 19,7 (quase 20) estão em conflito com a Lei (só perde para o Distrito Federal, que tem 29,6/10 mil). Para atender tal demanda há 17 unidades sócio-educativas no Estado, das quais 9 são de reabilitação pedagógica e 8 são de reclusão (5 em Rio Branco, 1 em Sena, 1 em Feijó e 1 em Cruzeiro).

Mas nem só de números negativos vive o sistema local. Entre 2009 a 2010, o Acre teve uma das maiores reduções no ritmo de crescimento da sua população de menores cumprindo medidas sócio-educativas, com índice de – 37,79%. A meta é de manter esta tendência de baixas registrada entre 2010 para 2011. 

Para o presidente do Instituto Sócio-Educativo do Acre (ISE), Dimas Sandas, lidar com estes jovens ‘martirizados’ pela sociedade não é um trabalho fácil. Reabilitá-los, então, é um processo ainda mais extenuante. Mais de 90% deles vêm de famílias com renda abaixo de 2 salários mínimos, má estruturadas e que pouco – ou nada – gozam de políticas de inclusão nas suas vidas. Suas maiores referências se tornam o vizinho traficante ou criminoso, que tem uns trocados a mais no bolso – e nenhum futuro pela frente. Assim, os jovens ficam propensos a enxergar o certo no errado e acabam nas unidades, que têm o dever de reabilitá-los.    

Mas tocar nesta questão ainda é um tabu. Afinal de contas, tudo o que a sociedade quer é se ver livre de crimes, independente de seus autores serem adultos, idosos e até mesmo menores de idade. Para os adultos, há o sistema prisional (tido como ‘falho’, para muitos especialistas). Mas e para os jovens? Será que ao ingressarem nos centros significa que eles já estariam ‘perdidos demais’ para mudar os caminhos errados de suas vidas? Seriam suas recuperações impossíveis? A solução seria apenas jogá-los nos CSEs até terem idade suficiente pra sair e cumprirem a sina de virarem ‘marginais’? 

O presidente do ISE (que já trabalhou anos como agente sócio-educativo) acredita que a resposta para todas estas perguntas é ‘não’. Dimas reconhece que a participação do Estado desde o lar desestruturado dos menores infratores até a sua saída dos centros sócio-educativos não é a ideal. Muitas vezes é até ‘pífia’. No entanto, tais adversidades no sistema não podem servir de justificativas para se perder mais jovens para o crime.

Nesse sentido, Dimas Sandas defende que é preciso se trabalhar no limiar de 2 concepções. A primeira, de um lado, é que os adolescentes infratores ali estão porque já passaram dos limites uma ou mais vezes. Portanto, devem cumprir as medidas para ‘pagar’ pelos seus crimes (pena que varia de meses até a mais de 3 anos). A segunda, por outro lado, é que estes menores estão nos CSE para que sejam reabilitados e possam ser reintegrados à sociedade. Em outras palavras, é preciso trabalhar com a idéia fixa de que é possível recuperá-los e lhes dar a prerrogativa de segundas chances na vida. Mas até que ponto umas destas concepções se sobressai à outra? Qual delas merece maior atenção?

Na avaliação do gestor, é preciso haver um equilíbrio entre as funções sociais do ISE. O raciocínio é simples: se o investimento for só em atividades pedagógicas, mas com pouca rigidez na segurança, os menores vão fugir num ritmo 10 vezes maior do que o atual. Já se as verbas forem destinadas só para as formas de mantê-los em ‘prisões reclusivas’, os CSE passariam a ser só mais uma prévia de presídios para adolescentes: insalubre, ineficiente e altamente desperdiçador de possíveis talentos.     

Por isso, Dimas prega que hoje a grande missão do ISE é se reformular para achar os pontos de equilíbrio certos entre estas 2 linhas. Segundo ele, desde o começo deste ano é que vem se estudando a adoção de novas formas para efetivar um sistema verdadeiramente mais ‘sócio-educativo’. O foco é mantê-los ‘confinados’, sim, com rigor, mas também fazer com que tal passagem seja o mais reabilitadora possível em suas vidas.

“Não podemos enxergá-los como criminosos em potencial. E sim como meninos desfavorecidos socialmente, condicionados a escolhas ruins. E que podem se reabilitar, com os estímulos certos. É isso que buscamos oferecer aos jovens nas unidades sócio-educativas. Mais de 70% deles estão aqui por crimes de consumo (furto, arrombamento, roubo, tráfico, etc). São jovens que estão fora da escola, têm pais pobres e desejam coisas na vida que não podem ter. Então, acabam se desviando do caminho da legalidade para consegui-las. Precisamos mostrar a eles que é possível voltar ao eixo correto”, salienta Dimas Sandas.     

As fugas: até que ponto elas são, ou não, evitáveis?

Dimas Sandas diz que é preciso um trabalho multidisciplinar para conter fugas  (Foto Victor Augusto)

As fugas são questões delicadas no ISE. Sobre elas, o presidente Dimas Sandas adianta que novas medidas de seguranças estão sendo tomadas para evitá-las.

Contudo, ele reconhece que é impossível garantir que novas ocorrências aconteçam. Isso porque é preciso lembrar que o instituto, acima de tudo, trata de menores que estão privados de um direito essencial: a liberdade. Tendo uma chance para fugir, eles dificilmente vão desperdiçá-la.

Sendo assim, é para inviabilizar esta chance que o ISE estuda ações. Entre algumas das medidas de segurança que vem sendo adotadas, destacam-se: reforço nas guaritas, a adoção de projetos pilotos de guarda canina, aquisição de veículos e armas não-letais (taser), avigoramento dos procedimentos de revista (detectores de metal), implantação de sistema de vigilância interna por vídeo, capacitação dos agentes sócio-educativos para Inteligência preventiva e intervenção tática, além da contratação de mais efetivos.

E com todo este investimento ainda vai haver fugas nos centros? É provável que sim, mas elas acontecerão numa freqüência bem menor do que a atual.  Segundo Dimas, evitar as fugas depende de uma ‘prevenção maior’, que deve partir desde o início da formação do jovem. Uma mentalidade pra se somar ao trabalho pedagógico do ISE. Isso porque, à medida que os jovens avançam nas suas penas, eles vão ganhando liberdades parciais. Um progresso que é confundido por muitos deles como uma ‘brecha’ para fugir.

“Esta é uma questão complicada, pois os adolescentes estão ansiosos para sair. Por isso, temos que conseguir provar para eles que o melhor caminho é a reabilitação e que fugir não vai ajudar em nada neste processo”, sentenciou o presidente do ISE.

E como esta recuperação será feita? O primeiro foco, explica Dimas Sandas, é investindo numa forte frente pedagógica multidisciplinar (desde estudos e documentação até atividades de cultura e lazer) enquanto o adolescente está sob os cuidados dos CSE. O segundo é facilitar os seus caminhos de acesso à sociedade quando eles deixam as unidades (semi-liberdade). Para tanto, o ISE trabalha a instalação do Núcleo de Atendimento ao Menor Egresso, com o objetivo de acompanhar mais de perto os rumos destes menores e facilitar o acesso deles aos programas e benefícios das 3 esferas de poder.

“Temos de garantir os direitos que todos os jovens têm, independente dos crimes que tenham cometido na vida. Por exemplo, tirar CPF, direito à cidadania, saúde, educação, cultura, esporte e lazer. Eles não perdem estas coisas e nós precisamos dar a eles”, diz Dimas, acrescentando que também há esforços para informar melhor aos menores sobre os processos jurídicos de suas penas e para montar um banco de dados para avaliar melhor a eficácia das ações que estão sendo executadas, no sentido de potencializá-las.

Casos de sucesso, as provas de que vale a pena dar segundas chances para os adolescentes infratores

Até que ponto a vida de um adolescente pode mudar? Se responder esta pergunta fosse tão fácil, o sistema sócio-educativo seria perfeito e o Brasil não perderia mais milhares de jóias da sua juventude para o crime, para o tráfico, para as drogas. Cada jovem tem sua própria motivação, seus sonhos individuais para decidir trocar o mal pelo bem! Mas para ele achar esta força de vontade é preciso de um empurrãozinho. E aí que se concentram as medidas sócio-educativas. 

Veja a seguir alguns casos de sucesso de reabilitação:

‘Traficante’ aos 8 anos, promessa de agente social aos 18Gilcicley: “Mostraram que minha vida tinha sentido…resgataram minha confiança” (Foto Victor Augusto)
Apenas 18 anos, mas com uma bagagem de vida maior do que a de muitos adultos no auge dos seus 30, 35 anos. Assim se resume a trajetória do jovem Gilcicley Ferreira Monteiro. O ingresso de Gilcicley nos caminhos tortuosas da vida começou cedo. Aos 8 anos, morando nos morros de Porto Velho, ele tem marcado pra sempre na memória o lar desestruturado em que cresceu. Com 6 irmãos mais novos e um pai que traia e agredia sua mãe, a infância até ali não havia sido fácil. E quando o pai os deixou, as coisas conseguiram ficar ainda piores!

Ele conta que lhe faltava tudo, desde materiais escolares e roupas, até comida na mesa. Diante desta situação, o então menino trocou a escola pelo trabalho infantil. “Tinha que ajudar a sustentar nossa casa. Então, eu limpava, carregava, fazia qualquer serviço por 2, 3 moedas. Cheguei a passar 1 dia inteiro vigiando carros pra ganhar 50 centavos. E aquilo tudo me revoltava, porque eu via as outras crianças com coisas legais [tênis, camisas, etc] e eu não tinha nada. Foi daí que surgiu outro caminho, mais fácil, de obter tudo aquilo que eu nunca tive”.

Este caminho era o roubo e o tráfico de drogas. Gilcicley lembra que, primeiro, começou a roubar pequenas coisas. Depois, passou a vender drogas também, ainda com 9 anos. Mas o pior veio quando ele passou a usar o entorpecente que vendia para fugir da realidade. Aos 12 anos, ele conta que já era um escravo da droga. “Eu só usava e ia roubando cada vez mais para ter mais dinheiro para adquirir mais drogas. Essa era minha vida. Fui contraindo dívidas sobre dívidas no tráfico, me distanciando da minha família, até que fui apreendido e passei a me submeter às medidas sócio-educativas”.

Gilcicley cumpriu penas de 6 a 12 meses nos centros sócio-educativas de Porto Velho. Aos 14 anos, conseguiu fugir de um das unidades de lá. Mas para aonde iria? Sem nenhum contato com parentes e já com inimigos no ‘submundo’ rondoniense, ele foi se ‘refugiar’ no Acre, vindo apenas com 1 bermuda e 1 camisa socados em uma sacola plástica. Em Rio Branco, ele diz que, nos primeiros meses de sua chegada, tentou levar uma vida diferente. Mas o vício lhe era mais forte. Por isso, logo ele passou a repetir aqui os mesmos erros.

“Foi preciso apenas 2 dias de busca em Rio Branco para que eu achasse o mal. Voltei a roubar e a me afundar nas drogas. Fiquei numa parte lá da antiga ‘Papudinha’ e comecei a questionar tudo na minha vida. Eu não sabia mais pelo quê eu vivia. Quando saí, sabia que era só questão de tempo até voltar pra lá. E foi o que aconteceu. Menos de 5 meses depois, em um assalto, fui alvejado com 4 tiros e, já estava internado de novo. E desta vez o cumprimento das medidas foi diferente. Eu sofri e me isolei de tudo”, relembra o jovem.

Foi daí que a equipe do Instituto Sócio-Educativo enfim conseguiu tocar a consciência de Gilcicley. “Mostraram que a minha vida tinha sentido, que tinha valor, resgataram minha confiança e, sobretudo, me fizeram medir tudo aquilo que eu tinha perdido e o nada que eu havia ganho. Isso tudo me fez despertar pra realidade, devolveu a minha força de vontade pra lutar contras as drogas. No início da fase de abstinência foi difícil, mas com o apoio de todos, assistentes sociais, agentes, juiz, psicólogo, e principalmente da minha família, que o ISE trouxe pra perto de mim e deu benefícios pra mantê-los, eu comecei a me recuperar”.

Aos 17 anos, Gilcicley fez grandes avanços e estava prestes a sair, mas ele optou por ficar internado. Na unidade, ele traçou a maior parte dos seus planos para o futuro fora de lá. Mais do que nunca, se dedicou a cumprir as 2 etapas da reabilitação (1ª documentação e 2ª estudos). Ao sair (já psicologicamente pronto), ele se viu diante do seu maior desafio (o que enfrenta até hoje): encarar o mundo de frente, superando o preconceito para se reintegrar à sociedade e vencer na vida. “Tudo em mim havia mudado. Mas aqui fora eu não teria as coisas de forma fácil. Precisava da oportunidade, e passei a lutar para tê-la”.

Hoje, aos 18 anos, Gilcicley mora com sua mãe e 3 de seus irmãos (2 deles também passaram pelo mundo do crime, mas também conseguiram se corrigir). Ele está terminando os cursos de 2 anos que iniciou no ISE (logística e auxiliar administrativo) e corre atrás de um sonho: se formar em Serviço Social, para causar em outros menores a mudança que ele teve em sua vida. Com o dom da oratória, ele até já dá palestras para adolescentes que passam por medidas sócio-educativas e está formando um grupo com jovens que viveram o mesmo que ele para tratar com menores sobre o uso indevido de drogas.

“O que pude aprender com tudo o que vivi é que a droga é a base do crime. E os jovens só se afundam nela quando estão sem apoio. Quero mudar isso, estender a mão a eles, como estenderam para mim, e mostrar que eles podem ser alguém na sociedade”, finaliza.        

Dos centros sócio-educativos para a faculdade
Prestes a terminar de cumprir sua pena, Maycon começou o curso de Fisioterapia e sonha com Medicina (Foto Victor Augusto)Até aonde um adolescente infrator pode chegar? A história de Maycon Ferreira Rocha, 19 anos, prova que o quão longe vai o sucesso de alguém depende exclusivamente do esforço que esta pessoa (independente de quem seja) faz e do conhecimento que adquire. Maycon conta que começou a fazer coisas erradas (roubar) entre os 9 aos 10 anos. Eram apenas bens de pouco valor, mas a cada dia que ia passando seus alvos se tornavam maiores.

Até os 15 anos, ele se autodenominava de um ‘aventureiro’. E foi questão de tempo até que o aventureiro entrasse no mundo do tráfico e das drogas. Mas em tal idade sua vida sofreu uma grande reviravolta.

Maycon foi apreendido e passou a cumprir a primeira das suas penas sócio-educativas, de duração de 11 meses e 15 dias. Na unidade, ele pôde ver que aquela não era a vida que queria levar. Ao sair do centro, queria mudar. Mas seus vícios eram mais fortes e ele caiu de novo em trilhas sem futuro. Logo, foi parar, mais uma vez, nas unidades sócio-educativas. Só que desta 2ª vez ele prometeu que seria diferente.

“Eu pude ver que naquele caminho em que estava, eu acabaria tendo 2 destinos: o presídio  Francisco d’Oliveira Conde ou o cemitério. Eu não queria ter nenhum destes fins. Queria mudar. Lá dentro, tive todo o apoio para conseguir fazer isso. Ofereceram-me a chance de terminar meus estudos [ele só tinha 7ª série completa] e começar a me profissionalizar [com 4 cursos: instalador hidráulico, pintor de obra, marchetaria e de fotografia digital]. Quando avancei ao regime semi-aberto e saí de lá, vi que meu caráter era outro. Tinha mais controle e conhecimento. A Igreja também me ajudou muito neste sentido”.

E foi com este novo temperamento que Maycon progrediu na vida. Hoje, às vésperas de terminar de cumprir a sua 2ª pena (em fevereiro), ele é autônomo, deu início ao curso de Fisioterapia em uma faculdade particular (só que teve de trancar, por enquanto, por falta de dinheiro). O grande sonho de Maycon é conseguir cursar Medicina ou enfermagem, e ele diz que vai batalhar muito para realizá-lo. “Sem dúvida, quero atuar na área de saúde”, completa.

Mas será que um médico que já passou por medidas sócio-educativas não sofreria algum tipo de discriminação ou desconfiança da sociedade? Maycon sabe que sim. Ele sabe que a visão das pessoas que estão de fora de quem já passou pelas unidades é diferenciada, e nem sempre para o lado positivo. No entanto, ele diz encarar o receio para com ele na esportiva. “Estou terminando de pagar minha pena e não devo nada a ninguém. Meu foco tem de ser no trabalho e eu acho que se conseguir mostrar isso, as pessoas vão mudar de idéia”.

Um olhar atento sobre as medidas sócio-educativas
Promotor Francisco Maia: reabilitação ainda é uma exceção, precisamos inverter este quadro (Foto Victor Augusto)
Se a meta do Instituto Sócio-Educativo é atingir um sistema mais eficiente, sem dúvidas o Ministério Público Estadual (MPE/AC) aparece como o termômetro, o grande avaliador deste processo de reformulação.

De acordo com o titular da 2ª Promotoria Especializada de Defesa de Infância e de Juventude, Francisco José Maia Guedes, em se tratando de medidas para reintegrar menores infratores à sociedade, o grande papel do MP é de controle e fiscalização.

Mas controle e fiscalização para o que? Segundo ele, para todas as frentes de trabalho do ISE, mas em especial para fazer com que seja cumprido na prática, o que estabelece a Lei.

Conforme o promotor, além de acompanhar caso a caso, o MP deve estar a par da atual conjuntura do programa sócio-educativo do Estado, disciplinando todos os pontos bons e cobrando as devidas melhorias para os defeituosos. Como exemplo, ele cita a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que arregimenta as 6 medidas fixadas no Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (Sinase). Elas são: a advertência; a reparação de danos; a prestação de serviços comunitários; a liberdade assistida; a semi-liberdade e a internação. Cada uma exige cuidados singulares na sua execução. Se tais particularidades da Conanda não estiverem sendo respeitadas, é aí que entra o MP.

Mas será que o sistema do Acre está adequado ao Sinase? O promotor Francisco Maia responde:
“Não. E ainda falta muita ara isso. Em agosto, iniciamos, junto à promotoria do Dr. Almir Fernandes e da Defensoria Pública, com as Dras. Renata Castelo e Maria Auxiliadora, uma frente de inspeções periódicas e sistemáticas nos centros sócio-educativos. Fizemos várias visitas e agora estamos finalizando este trabalho com as seguintes constatações: as unidades tiveram muitos avanços em estrutura física. O centro Aquiry, por exemplo, tem quadra de futebol, piscina, escola, oficina, etc. É referência na região Norte. Tem tudo o que é preciso para por na realidade as normas do Sinase. Mas, no campo das políticas pedagógicas, há falhas. As maiores delas são carências comprometedoras em recursos humanos e materiais”.     

Como prova destas carências, o promotor cita a norma que Sinase que estabelece que para cada 40 adolescentes internos, é preciso ter 2 psicólogos, 2 assistentes sociais e 1 pedagogo, além da proporção de 1 agente sócio-educativo pra cada 5 adolescentes (há casos em que deve ser de 1 pra 1).  “Isso não acontece. Há unidades em que há 1 psicólogo pra atender de 50 a 55 menores. O quadro de sócio-educadores também é baixo, chegando a situações em que 1 agente lida com mais de 10 adolescentes. Isso tudo prejudica os adolescentes de terem acesso a uma política de ressocialização mais sólida. Por tal razão, o MP trabalha com intervenções, no sentido de mobilizar a gestão pública a reparar seus erros”, explica.

Outras medidas que o promotor insiste que precisam ser adotadas são: a criação de um sistema estadual das medidas sócio-educativas; uma gestão especifica para lidar com as medidas de privação da liberdade; estabelecimento de uma comunicação intersetorial entre o ISE e os demais órgãos que atuam sobre os menores infratores; de um Conselho estadual de Direitos da Criança e do Adolescente, assim como um colegiado interinstitucional.

Já sobre os casos dos jovens que contrariaram todas as ‘adversidades’ do sistema e saíram das unidades aptos a voltar a viver harmonicamente com a sociedade, Francisco Maia é categórico ao afirmar que eles são exceções diante do alto número de adolescentes que passam pelos centros acreanos e saem de lá para acabar mais ‘enterrados’ no mundo do crime ou em presídios. “São minorias. E muitos deles ainda alcançam este progresso em virtude da própria determinação. Precisamos inverter este quadro. Como? Melhorando a eficácia das medidas. Tornando-as o centro da ressocialização dos jovens”, finaliza o promotor.

A Gazeta do Acre: