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Contágio natalino: a igreja e os pobres

O Natal é  contagiante, e contágio natalino é com a massa mesmo. Estamos eufóricos, ainda que longe dos contratos sociais, distantes das comunidades vitais, aquém da comunidade jurídica, e carentes duma fraternidade movida pelo amor; não interessa o contágio natalino está aí mesmo. Pronto! Afinal, somos propensos a emoções; somos sensíveis aos apelos das tradições mitológicas, por quê? Porque somos  despojados de valor afetivo. Então nos agarramos, com unhas e dentes, aos ícones: Um dia  é o futebol, com seus super valorizados e famosos jogadores, que nos encanta; exemplo do que afirmo é o  verdadeiro  endeusamento, por parte dos torcedores, com o time do Corinthias, promovida no último domingo. Esses rapazes ganharam apenas um campeonato de jogo de futebol, mas a massa é despojada de realizações, daí…  

Então, a celebração do nascimento do menino pobre de Nazaré, que poderia ser só uma festa de fra-ternidade e esperanças mundial, tornou-se desde longas eras um negócio oportuno e altamente vantajoso, para os que da data se aproveitam. Sob este prisma de interesses comerciais, iludindo a todos, é quase impossível não se ver envolvido pelo fascínio da época natalina que permeia de otimismo o governo, o comércio, a mídia de entretenimento e as famílias que vão  faceiramente às compras. Hoje é um novo tempo diz a vinheta global; um novo dia: é só querer!

Na essência o menino Jesus foi um enviado especial que trouxe aos homens, uma mensagem de fé redentora, bem como de compaixão e amor pelo próximo. Essa postura de compaixão de Jesus pelos pobres e necessitados, se radicaliza no ministério do homem Jesus, agora Cristo. Assim, das Sagradas Escrituras, extraímos muitas e belas lições, deixadas a nós, homens de qualquer tempo ou épocas.

As lições aprendidas por ocasião da multiplicação dos pães e peixes, por exemplo, quando milhares foram alimentados de forma prodigiosa, deveriam se fazer sempre presentes na memória dos cristãos que compõem a igreja dos nossos dias. Os apóstolos, conta o texto sagrado de São Marcos 6.30, interpelaram Jesus Cristo a respeito da necessidade de despedir a multidão para que eles procurem alimento, pois já era tarde. Estudiosos têm dito, que com essa interpelação os discípulos queriam dizer que nada tinham a ver (nada a ver) com a fome do povo. Parece-nos que essa postura de total omissão dos discípulos, ainda tem prevalecido, com raríssimas exceções, no seio da igreja, nestes últimos dias. Parafraseando São Tiago, poderíamos dizer que a igreja dos tempos modernos está incorrendo no pecado de despedir va-zios aqueles que têm necessidade de roupa, alimento, justiça e fraternidade. A resposta a essa preocupação, porém é clara e bastante convincente: Jesus quer que os discípulos tomem a iniciativa, para poder lhes ensinar, no processo, como solucionar um problema social. Uma igreja que não toma iniciativa nesta área não aprendeu o básico do evangelho do Reino de Deus, e precisa, portanto, ser sacudida e despertada pela realidade do dia-a-dia dos homens pobres e marginalizados, se compadecer e se envolver.    

Existe ainda um segundo aspecto da interpelação dos discípulos a Jesus; é a do comprar alimentos. Jesus e seus discípulos, a igreja, só possuíam duzentos (200) denários (cada denário equivalia à diária de um trabalhador comum), portanto, valor insuficiente para abonar as despesas que se propunham cobrir. Prova evidente de que a igreja sob os cuidados direto do próprio Senhor Jesus Cristo, diferentemente da igreja dos fins dos tempos que, a cada dia, amealha, mais e mais, verdadeiras fortunas, era pobre de valores materiais. Os pobres de hoje, igualmente aos da época de Jesus (2000 anos atrás), não tinham dinheiro; o dinheiro estava, numa linguagem contemporizada, com os banqueiros e poderosos e com quem os emitia. O fenômeno, que se estende até hoje, se deve ao fato de que o poder político representado pelo Império Romano, e o religioso pelo Templo, cobravam juntos 50% da produção do povo. O povo produzia o alimento, mas ele mesmo passava fome. Assim, o dinheiro ou o pão estava com os donos da terra e os comerciantes e, como é do domínio público, só compra e come quem tem dinheiro.

As palavras de Jesus: Dai-lhes vós de comer, é uma resposta enfática que não constava nos planos dos apóstolos. Na realidade Jesus queria dizer, não somente aos seus discípulos in loco, mas também as suas igrejas milenares, que a responsabilidade em alimentar a multidão é também deles (discípulos) e por influência de todos nós, hoje, que somos filhos do cristianismo. Portanto, subentendo das palavras de Jesus Cristo, que a igreja deve comprometer-se, se envolver e buscar uma solução para a fome do povo.

Creio que a reflexão mais profunda, neste momento de contagio natalino, que fica para algumas igrejas e seus líderes, é pensar seriamente na proposta de Jesus: Dai-lhes vós mesmos de comer! Jesus pede a cada cristão de boa vontade que reparta com o povo desfa-vorecido pelo menos parte do que temos amealhado ao longo dos quase 365 dias deste ano de 2011.  

 

* Francisco Assis dos Santos é pesquisador bibliográfico em Humanidades* E-mail: assisprof@yahoo. com.br

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