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Crise existencial

No Brasil de hoje, a palavra de ordem é: Desenvolvimento! Alguns sustentáveis, outros, porém, insustentáveis. Na realidade, com raríssimas exceções de desenvolvimento local – o Acre é um desses privilegiados – o desenvolvimento, em nível de país, neste ano que finda nada mais foi do que o superdesenvolvimento econômico das elites, beneficiando, especialmente os bancos e seus banqueiros, em detrimento da população que continua na mesma. Na vida da política partidária brasileira, salvo os ilustres estadistas, homens e mulheres de bem, só mudou os personagens, a falácia foi à mesma; isto é: continuam as velhas e man-jadas negociatas. Só ministros de estado, foram seis os que caíram.

Esse fantástico mundo de embustes se alarga de forma sem medida. Basta ver o sucesso  dos programas de  televisão fabricados para imbe-cilizar; os pregadores do “evangelho” que oferecem o paraíso sem falar das agruras da cruz. Debaixo desta ótica estrábica, vejo o Brasil e o mundo sem nenhuma novidade. Talvez eu tenha estado, nestes 350 dias, adormecido, em demasia, nas minhas vãs filosofias.
Sob este prisma de pessimismo, eu já estava preparado para garatujar sobre uma estatística macabra atribuída à nação brasileira. 1.1 milhões de pessoas foram mortas por homicídio nos últimos trinta anos. De hora em hora morrem 4 pessoas vítimas de homicídio. Todavia, eis que surgem alguns cientistas dizendo que encontraram uma “pista” que pode explicar a criação do universo. Falam que o cerco está fechando sobre a chamada partícula de Deus, o Bóson de Higgs.

A começar de Heráclito, 500 anos antes de Cristo, com sua tese do “Logos” que mais tarde seria a mesma do apóstolo João: “No princípio era o Logos…” passando por Tomás de Aquino, com a sua cosmologia e seu motor imóvel, abeberado dos ensinos de Aristóteles; ou mesmo de Leibniz (1646-1716) e sua monado-logia; este dizia que as mônadas, se-riam substâncias simples (imateriais) que teriam em si a sua própria determinação, perfeição essencial e finalidade interior (centros de força que comporiam a realidade, sós ou agregados); pois bem, desde Heráclito que o homem investe nessa possibilidade de demonstrar Deus e a criação do universo.
Mais recentemente Emanuel Kant (1724-1804) fez uma revisão da metafísica de Leibniz, comple-mentando seus princípios fundamentais. Kant, mesmo impressionado com a tese ontológica de An-selmo, cosmológica de Aquino e, notadamente da idéia teleológica (fins e organização do universo), considerou todas essas possibilidades demonstrativas da existência de Deus e do universo impossíveis aos limites da razão humana. Por outro lado criou a sua própria idéia de Deus. O Deus moral.

Karl Popper (1902-1994) físico, matemático e filósofo, dizia que o avanço da ciência se dá pela criatividade de imaginar hipóteses novas que possam explicar e resolver os problemas gerados pelas expectativas humanas preexistentes. Isto é, o fim último da ciência é o homem e as suas agruras terrenas.

Corrobora com essa idéia o existencialismo dos anos 30, tendo à frente Jean Paul Sartre (1905-1980). Essa corrente filosófica faz uma reflexão sobre a vida do homem, seu abandono e suas angústias: Também exalta a liberdade pessoal e sublinha a necessidade de tornar a vida significativa  e não buscar “encontrar” o significado da vida.

Atualmente a ciência, inclui-se aí somente aquelas de cunho de investigação empírica, apesar do avanço a passos largos, não atende a demanda de problemas advindos da existência humana, pois nós, simples mortais, continuamos sem respostas para muitas necessidades básicas, cruciais para a sobrevivência humana. Só a guisa de exemplo, estatísticas recentes dizem que 550 milhões de pessoas moram em favelas. Os viciados em drogas são hoje 60 milhões, envolvendo um “comércio” na ordem de 350 bilhões de dólares. Há 100 milhões de crianças de rua nas mega-cidades, espalhadas pelo mundo aguardando um horizonte melhor. Onde estão os mecanismos científicos avançados, no campo: da economia; da política; do direito; do social; da ciência médica, etc., que não encontram solução para os problemas humanos? A realidade dos problemas se torna mais assustadora quando se faz uma análise das tendências para os próximos dez anos. Não existe o menor sinal de que os problemas serão menores.

Diversamente à ciência tecnoló-gica está aí para oferecer todas as vantagens, notadamente, no campo do entretenimento. Ocorre que esses “avanços” não livram o mundo, o de hoje e o de amanhã, das ameaças de destruição total. Não se trata de idéia idiota, não, pois sei da importância que a tecnologia tem, especialmente no perscrutar dos fenômenos que permeiam o planeta terra e, por expansão, todo o sistema cosmológico.
Neste momento de crise econômica global, com efeitos danosos na Europa, inclusive. Crise existencial porque passa o mundo somada a assertiva de Karl Popper, já mencionada acima, em que o avanço da ciência se dá pela criatividade de imaginar hipóteses novas que possam explicar e resolver os problemas gerados pelas expectativas humanas preexistentes; podemos dizer que  a chamada partícula de Deus, o Bóson de Higgs, à luz das misérias humanas, é conversa para boi dormir.

* Francisco Assis dos Santos é pesquisador  bibliográfico em humanidades  E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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