X

“O mundo passa!”

Cronologicamente vamos inaugurar, daqui a pouco,  um Novo Ano. O evento de caráter universal traz em seu bojo ardentes expectativas de que finalmente, neste novo período de tempo, encontraremos o avatar da felicidade. Para tanto a raça humana se travesti das mais excêntricas manias e práticas culturais e religiosas para adentrar o ano novo com o “pé direito”. Tudo se dará, neste réveillon, em meio aos imoderados e fugazes prazeres da carne e do espírito. Muita festa custe o que custar! Todo este esforço tendo como objetivo um mundo melhor, nada mais é do que uma desesperada atitude universal para conter, a partir do dia 1º, a desilusão, o medo do futuro e um total sentimento de desesperança, por conta do desmoronamento dos ideais republicanos. Desapontamento que vai levar milhões de pessoas, no alvorecer de mais um ano, buscar nas religiões, quer seja o cristianismo, seitas ocidentais ou orientais, ocultismo, parapsicologia ou até mesmo o satanismo e em uns e outros adivinhadores de plantão, amparo e esperança para suas vidas.

Quanto ao mundo transitório, enquanto idéia de conexão fundamental entre o espaço e o tempo, se refletem no pressuposto das Sagradas Escrituras de que foi criado para ter uma duração limitada. “ O mundo passa…” já dizia o apóstolo João. Mas, afinal: O mundo passa ou passam os entes? Bem, os elementos de sustentação do planeta terra, só para falar do nosso habitat, estão se exaurindo. Estamos com carência de falta d’água; pelo menos aqui em Rio Branco. O ar que respiramos é precário, especialmente em épocas de queimadas; a terra madre está cansada; os rios e igarapés que sobreviveram à sanha assassina dos homens estão a fenecer. Então… 

Esse estrago deixa evidente, nesta relação do homem com o seu habitat, o fato de que desde os primeiros pais humanos temos sido péssimos administradores do lugar, que por desígnio, habitamos. Por conseguinte, há lugares, se tomarmos, por exemplo, a realidade do Haiti e da Etiópia, que são verdadeiros infernos. Tal flagelo que assola o mundo faz com que ateístas famosos, do passado e do presente,  caso específico de Voltaire, em Candide, digam que este mundo presente não é o melhor possível. Em outras palavras, se Voltaire, vivesse nos nossos dias, diria: mesmo que as estatísticas anunciassem que estamos experimentando um percentual a menos de assassinatos, ou um estupro a menos, bem como a diminuição das guerras e da crueldade do homem,  o mundo ainda nãos seria o melhor lugar de se viver. Contudo, é uma questão lógica, que o mundo terráqueo,  até aqui, é o único lugar onde a raça  humana pode sobreviver.

Assim, as esperanças dos povos, notadamente daqueles de boa vontade, se renovam, de que o amanhã será melhor, mas o mundo está, cada dia, mais velho. Essa verdade nos remete e faz com que reflitamos sobre as sábias palavras do Rei Salomão, ponderando teologicamente sobre o intento soberano de Deus, ao concluir que todos os acontecimentos da vida são divinamente ordenados. Isto é, tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Existe tempo para nascer, e tempo de morrer (Eclesiastes). Na pior das hipóteses temos que remeter nosso cogito para afirmativa de Heráclito “O Obscuro” (545-485 a.C) O tempo, dizia ele, é o meio ambiente desse fluxo; tudo se acha em estado de fluxo perpétuo; nada é e tudo se transforma; tudo passa nada permanece; somos e não somos; condição alguma permanece inalterada, Nem mesmo  por um instante; tudo está constantemente deixando de ser o que era e se transformando no que virá a ser. O próprio mundo passa por grandes sussurros, chamados “anos”, durante os quais sucedem muitas coisas: umas más, outras boas.

O cidadão do mundo seja aqui em Rio Branco ou ali em Tóquio, que sobreviver até o dia 31 vai levar para  o ano de 2012, como legado, infelizmente,  a lembrança de fatos bestiais ocorridos neste ano de 2011, que  mesmo mascarados pelo sistema dominante, por mais otimistas que sejamos, deixaram seqüelas brutais; já que estão longe de serem extirpados da vida nossa de cada dia. Não há euforia do réveillon, utopias governamentais, prognósticos de mães-de-santo e outras tolices, com a chegada do novo ano, que nos façam esquecer tão rapidamente as mazelas advindas desse estado de coisas; pois que estão aí permeando a atmosfera terrena. Num mundo assim, todo cuidado é pouco!

A sociedade, em 2012, não se deixe iludir, dada as circunstâncias, terá que continuar a conviver com a morte brutal de seus semelhantes; fazer ouvido de mercador aos reclamos da gente sofrida;  fechar os olhos aos escândalos de extravio do erário público;  banalizar o roubo e assassinatos diários;  admitir que usar drogas, entorpecentes alucinógenos, faz parte do contexto moderno.

É inegável, como quer Jean-Yves Lacroix no seu livrinho A Utopia, que o nosso mundo cansado carece  de utopias, se bem que Lacroix fala pelo prisma estritamente filosófico. Mesmo assim, é inegável que a historia da humanidade é marcada pelo “recorrente  surgimento de modelos utópicos de convívio social.” Ocorre que há uma distância entre o sonho de uma sociedade perfeita e sua ilusória concretização.

Bem, em nome da euforia das próximas horas, que antecedem o novo ano, que  todos possam prenunciar melhores dias ou tempos. Afinal, o tempo, no dizer de Agostinho, existe apenas no espírito humano, como memória do passado, intuição do presente e espera do futuro. Venturoso 2012!
             
 * Francisco Assis dos Santos é pesquisador  bibliográfico em  Humanidades.   E-mail: assisprof@yahoo.com.br

 

Categories: Francisco Assis
A Gazeta do Acre: