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Do caos a um dos melhores hospitais do Acre, os avanços, as metas e os desafios do Hosmac

Quem entra no Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac) não consegue acreditar que aquele é o mesmo lugar de 15 anos atrás. O clima assustador de outrora – com corredores escuros, instalações sujas, filas de pessoas esperando atendimento, pacientes desassistidos e até esgoto a céu aberto – agora dá vez a um local meticulosamente bem cuidado, limpo, tranqüilo e dotado de uma equipe engajada em tornar o hospital o mais acolhedor possível.
Dr. Paulino conta que desde a decoração natalina até as alas do Hosmac, tudo é bem cuidado
A grande mudança começa pelo toque humano. Não é à toa que a unidade hospitalar é tida como um dos símbolos da corrente humanizadora que vem sendo desenvolvida nos postos e módulos de saúde do Estado. É fácil ver que é este toque humano o grande diferencial do Hosmac de 1 década atrás e o que se vê hoje. Os investimentos na infra-estrutura foram, indubitavelmente, de suma importância. Mas foi a atenção e o zelo que os profissionais de lá imprimiram que mais do que melhoraram a capacidade e a eficácia técnica do posto. Que lhe deram uma ‘cara nova’.

Mas no que consiste esta mudança? De acordo com o médico psiquiatra José Rosa Paulino, gerente-geral há mais de 17 anos do Hosmac, as 2 grandes reformas que o centro passou nas décadas de 1990 e de 2000 o colocaram nos eixos. Nas 2 ocasiões, a estrutura foi não só ampliada, como também focada na organização dos espaços (a ‘frieza’ e a bagunça sumiram em meio a um recanto com belos jardins frontais, pátio de recreação, um amplo auditório e até plaquinhas de identificação na porta dos quartos, sem mencionar o consultório odontológico). Somado a isso, o Governo do Estado se preocupou em ampliar o quadro funcional até torná-la numa equipe multidisciplinar.

Atualmente, o Dr. José Paulino salienta que o hospital conta com 13 médicos (4 psiquiatras e 9 clínicos-gerais que atendem em psiquiatria); 10 enfermeiras; 1 terapeuta; 3 psicólogos; 2 assistentes sociais; 1 educador físico; 1 farmacêutico; 1 nutri-cionista e 1 assessor jurídico. Este grupo multiprofissional garante uma cobertura plena nas 3 linhas de atuação do Hosmac: o atendimento ambulatorial (consultas), o emergencial e o regime de internação.  

“Estamos com uma equipe boa, que não se acomoda e já é bem ampliada, em comparação com o quadro que tínhamos há alguns anos. Todos se empenham bastante e fazem com que as nossas 3 atividades sejam desempenhadas com benefícios ao paciente. Num primeiro momento, o médico recebe o paciente no atendimento ambulatorial ou de emergência, depois segue acompanhando o seu caso até o fim. E ele [o paciente] já sai com a receita para o seu distúrbio prescrita e, na maioria dos casos, com a medicação já em mãos. Este é um sistema muito bom, funcional, e que conseguimos, com ajuda de todos, executar com sucesso”, prega o médico.

Só que toda esta transformação ainda não é o que se pode chamar de um modelo ‘ideal’ de tratamento. Ele precisa de determinados complementos para atingir um sistema de atuação com um patamar acima do atual. E o Dr. Paulino, mais do que ninguém, sabe disso. O Hosmac é o único centro hospitalar no Estado que trata das doenças, síndromes e transtornos mentais dos acreanos. Isso faz com que pessoas de todo o Acre venham buscar tratamento na unidade (segundo o diretor de lá, cerca de 80 pacientes novos chegam a cada mês). Por conseguinte, é natural que haja uma saturação de casos, mesmo que o seu sistema esteja bem preparado para recebê-los e mandá-los pra casa para a reabilitação junto com a família (fora os casos mais graves, é claro, que necessitam de tratamentos mais extensivos).

Tudo isso faz do Hosmac uma espécie de ‘termômetro’ da Saúde Mental dos acreanos, que é avariada por problemas que vão desde doenças maníaco-depressivas, transtornos de ansiedade, Transtorno Obssessivo-Compulsivo (o famoso TOC), síndromes neuróticas e do pânico até doenças geradas por danos cerebrais, retardo mental, oligofrenia (o déficit de inteligência), esquizofrenia e, especialmente, transtorno bipolar.           

Por tal razão, o Dr. Paulino frisa que o Hosmac é dotado de 65 leitos (31 para mulheres e 34 para homens. Nos leitos é que são internados os pacientes com patologias mais graves) e possui 3 consultórios ambulatoriais com capacidade para 100 atendimentos ambulatoriais por dia (cerca de 2.000 por mês). Apesar disso, a procura é tão grande que os 3 consultórios têm que cumprir uma média de 130 fichas de atendimentos por dia (o que dá entre 2.800 a 3.000 por mês). Levando em conta que nem toda a demanda dos 80 novos casos mensais consegue ser assistida, o que significa que um déficit de casos vai se acumulando a cada mês.

 

A rede
Corredores, antes sujos e superlotados, agora são higiênicos e organizadosDiante de tal problema, aponta o diretor do Hosmac, a grande solução seria a instalação de uma rede maior e mais sólida de tratamento mental no Estado. A rede – um modelo de regimento recomendado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) – daria todos os cuidados e a logística necessários para capacitar e estruturar algumas unidades de saúde estratégicas ao redor do Estado para, pelo menos, viabilizar nelas o primeiro atendimento dos pacientes, mantendo o Hosmac, em Rio Branco, como o eixo central desta rede.

“Este mecanismo seria organizado na Capital e nos municípios que pudessem captar os casos de uma determinada região ou parte do Estado. E creio que a grande ferramenta para concretizar isso seria criar os CAPs [Centros de Atendimento Psicossocial]. Já tivemos tentativas e experiências assim antes, na UPA do Tucumã e no Barral y Barral, e em outras unidades, mas, creio que pela falta de uma estrutura mais sólida para gerenciá-los, infelizmente os projetos não foram pra frente. Caso contrário, isso teria trazido uma grande melhoria para resolver esta nossa dificuldade de falta de vagas, que é um problema recorrente em todo lugar do Brasil”, contou o mineiro, de Juiz de Fora, mas que já mora no Acre há 30 anos.

A rede de Saúde Mental idealizada por Paulino também conseguiria ampliar as ações de prevenção a doenças (um passo importante na ‘Luta Antimanicomial’, ou seja, o paciente consegue se reabilitar sem precisar se internar), além de fortalecer os atendimentos de Atenção Primária. E as vantagens não param por aí. A rede estenderia a capacidade ambulatorial e faria com que o tratamento finalmente pudesse chegar até o paciente (e não o contrário), até mesmo para aqueles que moram nas comunidades mais isoladas do Acre.

O gerente-geral do Hosmac também atenta para o fato de que, além da rede, é preciso trazer mais cursos de capacitações/atualizações de Psiquiatria para os médicos clínicos-gerais; separar dos hospital a ala provisória cedida para o tratamento de dependentes químicos (eles saíram do Pronto-Socorro durante a reforma, e ainda não voltaram a ter espaço próprio, e reclamam, junto com seus familiares, de estar sendo cuidados no Hosmac), entre outros pontos.

Renovação de profissionais
No âmbito dos grandes problemas a serem superados para fazer com que o tratamento da Saúde Mental no Acre se mantenha num nível acelerado de evolução, surge uma questão que ainda não chega a ser um problema, mas pode virar – e um dos grandes – se não começar a ser pensado. Trata-se da renovação de psiquiatrias, para dar continuidade ao trabalho atual após a aposentadoria dos profissionais hoje no mercado.

“O Estado precisa começar a pensar na contratação de psiquiatras mais jovens, pois eu já estou indo para os 65 anos e muitos outros dos profissionais daqui já estão nesta ‘casa dos 60’. Logo, virão as primeiras aposentadorias, e será preciso que haja substitutos bem preparados não só do ponto de vista técnico, como também com a experiência suficiente pra tocar o nosso trabalho pra frente. Como aqui não há cursos de especialização para psiquiatria, o Estado talvez vá ter de importar profissionais para fazer esta renovação”, comenta Paulino.

Uma história de 33 anos que vai do descaso até um novo modelo de centro hospitalar
Criado em 1978, o ponto de partida resume bem os primeiros anos do Hosmac. O hospital foi construído para substituir uma enfermaria de Psiquiatria do Hospital de Base, o antigo pavilhão ‘Kennedy’, ficando conhecido como o ‘Distrital’. Inicialmente, todos os casos de Neurologia, Psiquiatria e Pneumologia (pacientes com tuberculose), eram encaminhados ao que futuramente seria chamado de ‘Hosmac’. Durante a década de 1980, a demanda cresceu a um nível assustador. Percebeu-se, então, que as 3 especialidades não poderiam conviver juntas. Foi quando houve a separação e no local ficaram só os casos de Psiquiatria.
Hospital já passou por 2 grandes reformas e a 3ª virá em 2012
Assim se seguiu até a década seguinte. Só que, com mais de 15 anos desde a sua criação, o hospital precisava de uma boa reforma. O Dr. José Paulino, que começou a trabalhar no Hosmac justamente nesta época, em 1994 (12 anos antes, ele já havia chegado ao Acre e atuava no Hospital de Base), narra bem como era o cenário da unidade na época:

– A situação era muito precária. Os pacientes não tinham colchões, travesseiros nem lençóis. Faltavam remédios e não havia médicos suficientes. E olha que nossa demanda era bem menor do que a atual [o ambulatório recebia 20 pacientes por dia, para 1 psiquiatra atendendo]. Em resumo, havia uma negligência total de quem trabalhava aqui e do secretário de Saúde. A ponto de que se houvesse uma inspeção do Ministério da Saúde [MS], o hospital teria sido fechado.

Por tudo isso, em 98, com ajuda da cessão de recursos do MS, houve a 1ª grande reforma (após a visita do então ministro da Saúde de FHC, Adílson Jatene). A área do Hosmac foi ampliada e dividida em 2 pavilhões (masculino e feminino). Assim o hospital seguiu por 8 anos, até 2006. A secretária estadual de Saúde, Suely Melo (que também é a secretária do atual governo de Tião Viana), após perceber que era tempo de fazer mais melhorias em face do aumento da demanda, autorizou a 2ª grande reforma e ampliação do Hosmac.

Foi o suficiente para a gestão reunir uma equipe de 1ª linha e transformar o hospital no grande centro de saúde mental que é hoje no Estado.

Mas agora, diante do aumento irrefreável da procura de pacientes, o Dr. Paulino adianta que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre), já identificou a necessidade de fazer mais uma reforma de ampliação e otimização dos espaços do Hosmac. A obra de revitalização está sendo, ainda, discutida. E só o que o gerente-geral adianta é que a previsão é de que  ela já saia para o ano de 2012. E junto com ele, vem também a expectativa de dar mais um salto para elevar a qualidade do atendimento de saúde mental. A que nível? O tempo dirá…
Afinal de contas, este é o Hosmac: uma história ainda em construção.    

Instituição indispensável em prol da rede assistencial
Se muita coisa mudou no Hosmac, o Ministério Público Estadual (MPE/AC), com sua atuação sempre incisiva e articuladora, teve uma dose de importância neste processo. E se o que falta para o Acre é criar uma rede assistencial de Saúde Mental, então, o Ministério Público certamente irá seguir desempenhando um papel essencial para que esta rede seja fundamentada com toda a preocupação e os investimentos para que, desta vez, dê certo.
Procuradora Gilcely Evangelista e promotor Glaúcio Oshiro
Para falar sobre o papel do MP na transformação do Hosmac e, por conseqüência, no quadro de Saúde Mental do Acre, A GAZETA ouviu a procuradora da Coordenadoria da Saúde e Cidadania do Ministério Público Estadual, Dr. Gilcely Evangelista de Araújo. Ela, que já atuou durante anos como promotora, destacou que nos últimos anos o trabalho do MPE foi focado no acompanhamento desta evolução do hospital, fazendo reuniões pontuais com a diretoria à medida que foram surgindo as ‘falhas’ inerentes a atividade hospitalar (ainda mais uma que concentra tanto público quanto a unidade em questão).

 “O Hosmac avançou muito e hoje não é nem a sombra daquilo que era há 10 anos. E, nós, do Ministério Público, cumprimos a nossa parte ao longo destes anos fazendo reuniões para agilizarmos a solução quando faltava remédios, quando era preciso localizar pacientes, quando precisávamos acelerar o tratamento de alguém que já apresentava um quadro mais avançado, dar encaminhamentos ao lar e evitar a internação compulsória, e assim por diante. Além disso, ajudamos ampliando o diálogo e cobrando do Estado para ajudar nesta jornada do Hosmac, saindo do caos até a organização completa que tem hoje”, resumiu a procuradora.

Por sua vez, o promotor Gláucio Ney Shiroma Oshiro, também da área de Saúde e Cidadania, ressaltou que o Hosmac hoje é uma unidade que quase não recebe denúncias e reclamações do MPE (o que prova a efetividade da sua gestão). Portanto, ele enfatiza que a grande meta do Ministério Público será concretizar a tão idealizada rede de Saúde Mental, bem como dar as ações de tratamento para combater um problema crítico no seio da sociedade local, que é a dependência de crianças e jovens a drogas, em especial, o crack.

“O Hosmac é o hospital de ‘passagem’, mas precisamos enxergar a nossa situação como um todo. A Saúde Mental no Estado têm deficiências latentes, como é o caso destes jovens que se viciam em drogas e não têm o devido tratamento continuado e efetivo. Estes casos se acumulam. Neste ano, fizemos reunião com as secretarias estadual e municipais de saúde e já pudemos perceber que há elementos que indicam que esta rede pra atender, integralmente, o doente mental do Acre, dos casos simples até os mais complexos, vai sim ser criada. E nós, do MPE, vamos estar presentes na construção deste projeto, e para garantir que ele seja feito corretamente e que, acima de tude, saia do papel”, concluiu o promotor.

Um antigo problema: a carência dos hospitais de custódia no Acre
Em se tratando de aperfeiçoar o sistema de Saúde Mental no Estado, um tópico que não pode faltar é a carência do Acre por um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCT). Segundo o Dr. Paulino, tais unidades (também chamadas de ‘Manicômios Judiciá-rios’, e não ‘hospícios’ como ainda depreciam muitos) servem para acolher os doentes mentais que infringem a Lei (os tidos pela Justiça como ‘inimputáveis’) e que não podem ter os devidos cuidados para a sua condição de ‘doente’ em uma unidade penitenciária.
Manicômios judiciários seriam unidades ideais para oferecer tratamento a doentes mentais, inimputáveis
Em termos ainda mais simples, hoje o Presídio Francisco d’Oliveira Conde (o maior do Estado) tem uma ala de internação para os reeducandos com distúrbios mentais em seu complexo, inclusive com 1 psiquiatra atendente. Criar um HCT seria o mesmo que dar um prédio à parte para esta ala e, neste espaço, ampliar a sua estrutura e capacidade de internação (com celas de 6m²) para os pacientes mentais que oferecem periculosidade e cumprem medidas de segurança [que tem duração mínima, conforme o art. 97, § 1º, do CP, de 1 a 3 anos, dependendo da determinação do juiz, e máxima não estipulada pelo Código Penal].    

Vale destacar que a diferença entre o hospital de custódia e o Hosmac (que é hoje o lugar onde muitos juízes enviam os doentes mentais acreanos em conflito com a lei) é que nos HCTs há medidas de tratamento e de segurança bem mais rígidas e específicas do que no Hosmac, capazes de manter o preso-paciente recluso e integralmente assistido durante o tempo da sua medida. Assim, ele cumpre os passos para poder se recuperar e passar pela perícia psiquiátrica, para enfim ficar livre e ser reinserido ao convívio social. O Hosmac – que hoje tem 1 ‘interno’ nesta condição -, além de não dispor de todo este cuidado (até pela sua saturação), não tem o alto aparato de segurança necessário pra mantê-los confinados.      

Apesar do ranço ideológico envolta da sua criação, os hospitais de custódias já são estruturas bem comuns na maioria das médias e grandes cidades brasileiras, tais como Manaus, Belém, Salvador, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Taubaté, etc. Nos estados do Ceará, Sergipe e Minas Gerais também não há HCTs, mas eles ou estão em construção ou o Poder Judiciário oferece alternativas para minimizar o problema, como os PAIs (que são programas de atenção integral ao pacientes judiciários). 

 

A Gazeta do Acre: