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Vicioso circo viciado

O Aloísio Mercadante não tem ainda uma ideia sequer aproximada acerca do problema que lhe está sendo deixado pelo Fernando Haddad. Afinal, a visão do economista só daqui a pouco terá um foco mais amplo de modo a fazê-lo ver que há um círculo vicioso a prejudicar, principalmente, os alunos da escola pública, onde uma grande maioria dos professores de redação não sabe escrever dez linhas de cadernos pequenos sem cometer dez sandices e licenciosidades no trato com o triste vernáculo.

O círculo vicioso se abre ou se fecha a partir do momento em que os professores que foram incumbidos de corrigir a redação do exame nacional do ensino médio conseguem detectar erros nos textos, mas não conseguem redigir. E se fecha ou se abre quando, nas próprias universidades públicas, ninguém é obrigado a tratar bem a língua pátria, quando são levados a escrever e muito pior quando são postos a falar. Sim, a maioria dos doutos da Academia redige lastimavelmente. Com certeza, parte considerável desta casta de sábios se expressa oralmente de forma atabalhoada e lamentável. Lá eu estou e tenho ficado alarmado com a situação precária a que têm levado o ensino do Português. Certa vez, a própria Doutora Reitora me fez tal confidência, verbalmente.

Os gramaticistas foram cassados, sem dó nem piedade. Estão hoje agrilhoados por aposentado-rias e atestados de insanidade. São todos uns velhos decrépitos e jogados, inapelavelmente, num ostracismo irremediável. Hoje, são tidos como peças obsoletas de uma máquina que, ao dispensar a sua experiência e os seus conhecimentos comprovados, prenuncia uma catástrofe anunciada desde alguns anos e decreta a falência do ensino da Língua Portuguesa no Brasil.

Pouquíssimos demonstram aptidão e preparo para fazer a passagem da teoria gramatical para a produção de textos, isto, é claro, com o indispensável auxílio de leituras que acompanhem o amadurecimento do aluno desde os contos do Gato de Botas, da Bela Adormecida, de João e Maria, dentre outros. Nas escolas, principalmente entre os professores de formação inidônea, ninguém mais sabe o que representam os Irmãos Grimm, por exemplo, na sólida formação de muitos garotos e garotas de gerações anteriores.

Uma moicana última – a Ducélia Mota Lopes – é uma espécie de São João Batista de saias, a voz que clama no deserto e não encontra eco, porque o impedem as untuosas e besuntadas paredes onde se enclausuram e se mancomunam os meus homens e mulheres de letras a quem eu devo de tudo um pouco. Uma lástima a mais já é demais.

O estudante que faz curso superior e não sabe o que é uma causa e uma consequência, num texto, é porque ninguém a ele ensinou postulado tão básico. Já corrigi monografias e dissertações que, no mais das vezes, foram por mim enviadas de volta ao candidato pelo fato de o futuro pós-graduado não saber como estabelecer conexões ou dar andamento, no texto, de forma linear, a uma condição, ou a uma concessão, ali colocadas, dentre outros absurdos sintáticos e morfológicos.
Mexeram nos currículos escolares, sim, mas esqueceram de dar um tratamento especial ao ensino da morfossintaxe. É só a partir daí que se pode chegar a produzir textos ao menos palatáveis. E isto é matéria que está em todos os currículos e livros do ensino médio adotados nas escolas públicas e particulares do Brasil. Falta apenas quem queira ou saiba ensinar.

Então, como é que eu vou ensinar marcenaria a um garoto, se eu não sei o que vem a ser um graminho, ou um formão, por exemplo? Como ensinarei mecânica de autos a um adolescente, se eu próprio não localizo o sistema de freios de um carro? Da mesma forma, o rapaz ou a moça, formados nos nossos cursos superiores de letras, na sua maioria, não podem dar aulas de redação, posto que não têm um domínio razoável da escrita, ou, sem eufemismos, não sabem escrever mesmo. A ferramenta básica não lhes é do conhecimento e eles tapeiam aqui, enganam acolá, e os alunos do ensino médio da rede pública nada de mais substancial conseguem aprender, porque os ensimesmados projetos de professores estão a ver navios, ganhando salários bem razoáveis para quem não diz ao que veio.

Aí chega o professor formado desde outro dia. Ele está pronto e ciente de que já não precisa aprender mais nada. O citado sábio, então, passa a corrigir os erros dos alunos, mas não tem coragem de colocar a cara na rua para levar porrada, no bom sentido, é claro. Eles não publicam o que escrevem, nem no jornal da escola, de forma alguma. Em outras palavras, os textos por eles produzidos são dignos da sua própria decepção, quando descobrem que pouco podem ensinar porque quase nada aprenderam.

(Aqui, é oportuno considerar que, nas empresas escolares do setor privado, professor bom é aquele que ensina como produzir textos e também os produz, de próprio punho, no quadro, em sala de aula, porque, caso contrário, o patrão diretor lhe pode redigir a demissão bem na hora do recreio e sem maiores explicações.)

E alguns colocariam em debate o fato de os nossos universitários em questão terem sido, antes, aprovados em vestibular. Assevero-lhes que os candidatos que produzem as redações bem elaboradas são aqueles suficientemente preparados que pretendem os cursos ditos de ponta, como as Engenharias, a Medicina, a Economia e o Direito. Os demais escrevem apenas alguma coisa entre o regular e o razoável, com exceções, é claro. No cômputo geral dos pontos, os que optaram pelos cursos menos concorridos têm, quase sempre, pontuação equivalente à metade daquela auferida pelo pessoal lá de cima das futuras tabelas salariais.

Ademais, convém deixar muito claro que os 76% de acreanos aprovados através do Enem, em 2011, optaram pelos cursos medianos. Ao passo que os programas que formam os profissionais de salários realmente dignos tiveram o amplo domínio dos alunos de outras paragens (24%). No Curso de Medicina, por exemplo, das cinquenta vagas, apenas uma foi ocupada por um bem aventurado rapaz nascido no Acre, e só.   

Pensemos, enfim, a questão das faculdades não públicas. Grosso modo, aí tudo é muito pior, posto que sequer há um vestibular sério que faça com que a exigência crucial de uma prova de redação criteriosa seja cumprida. A quantidade de alunos matriculados, com certeza, é equivalente aos objetivos de empresas que, conforme o new establishment, nasceram para produzir mais valia (dinheiro) em cima da depreciação e do colapso das mentalidades. Felizmente, o exame nacional do desempenho dos estudantes de nível superior  –  uma criação do novo MEC  –  começa a ver que tais instituições mais atrapalham que ajudam na busca pelo conhecimento real e também por escrito. Boas novas!

Fechando um pouco o tal vicioso circo viciado, é oportuno afirmar que saber escrever, hoje, virou arte. É preciso ter talento, e só. A técnica já não é necessária. Já não se aprende ou se ensina a escrita, como no tempo das caravelas, das carruagens, da obsolescência e dos obsoletos, como eu.

No Brasil, implantou-se, dentro e à mercê do dito estado de direito, um lastimável estado paralelo de mendicância intelectual crônica, onde quem tem um olho – e escreve razoavelmente – não é apenas rei mas, considerando a gestão por competência levada a efeito no ambiente de trabalho, dará todas as cartas porque consegue pensar e elaborar, colocar em papel, consubstancialmente, o projeto que permite o avanço institucional, algo bastante difícil mesmo entre os meus distantes pares na Universidade Federal do Acre.

Por duas vezes, alinhavei um triste artigo neste espaço. A ideia era sensibilizar o Daniel e o Márcio, secretários estadual e municipal de educação, acerca das salas de leitura. Certamente, eles ainda não tiveram tempo de levar o assunto à baila, digamos assim.

Não fiquem alarmados, senhores professores! Ninguém me leva a sério e eu sou mais uma voz que clama no deserto. Já que todos os alunos fazem provas, provinhas e provões, esta é a hora de o Ministério da Educação instituir um exame criterioso, também, para os professores do Brasil, inclusive os de nível superior. Os bons seriam premiados com salários de 8 a 12 mil reais. Os não tão bons seriam estimulados e, certamente, logo alcançariam os patamares salariais que todos merecem. Por Deus!

* José Cláudio Mota Profiro é escritor.

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