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Geoglifos acreanos são notícia no New York Times

GeoglifosEssa semana os Geoglifos do Acre foram notícia no jornal The New York Times, um dos principais veículos de comunicação do mundo, com a extensa reportagem “Desenhos no solo, escondidos pela floresta, comprovam mundo perdido na Amazônia”, de Simon Romero.

Para escrever a matéria publicada no sábado, 14, o jornalista do periódico norte-americano Simon Romero esteve no Acre, onde visitou algumas estruturas e sobrevoou os geoglifos localizados na região da BR 317, no sentido Rio Branco-Boca do Acre, acompanhado pelo biólogo e bacharel em Direito, Tiago Juruá, autor do livro “Geoglifos do Acre e a proteção de sítios arqueológicos no Brasil”, e pelas pesquisadoras Antônia Damasceno e Flora Braga.

Ele também entrevistou o pesquisador Alceu Ranzi e a arqueóloga Denise Schaan, Coordenadora do Projeto Geoglifos da Amazônia. Leia, a seguir, parte da matéria livremente traduzida ou leia o original na íntegra (em inglês):

Desenhos no solo, escondidos pela floresta, comprovam mundo perdido na Amazônia

RIO BRANCO – Brazil
Alceu Ranzi, pesquisador brasileiro que contribuiu para a descoberta dos quadrados, octógonos, círculos, retângulos desenhados no solo disse que os geoglifos achados em áreas desmatadas são tão importantes como as famosas linhas de Nasca, no Peru.

“O que me mais me impressionou nos geoglifos foi a sua precisão geométrica e como eles apareceram de uma floresta onde pensávamos que era intocada, com exceção de umas poucas tribos nômades”, disse Ranzi, paleontologista que primeiro viu os geoglifos nos anos 1970 e alguns anos depois, os sobrevoou de avião.

Para alguns pesquisadores de história humana na Amazônia, os geoglifos localizados no Estado do Acre e região sugerem que as florestas da Amazônia ocidental, previamente considerada inabitada por sociedades complexas, em parte pela baixa qualidade dos solos, podem não ser tão endêmicas como alguns ambientalistas acreditam.

Ao invés de serem florestas primárias, praticamente inabitadas por pessoas, partes da Amazônia podem ter sido durante séculos o lar de grandes civilizações, com população que totalizam milhares de pessoas e morando em dezenas de cidades conectadas por redes de estradas, explica o escritor americano Charles C. Mann, autor do livro 1941. Na verdade, de acordo com Mann, o explorador britânico Percy Fawcett desapareceu em 1925, em sua busca pela “Cidade perdida de Z”, na região do Xingu.

Além de partes da Amazônia serem “muito mais densamente povoadas do que se pensava”, Mann, o autor de “1941”, um livro inovador sobre as Américas antes da chegada de Colombo disse que “essas pessoas intencionalmente modificaram o ambiente de forma duradoura”.

Como resultado de longos períodos de ocupação humana, as florestas colossais da América do Sul podem ter sido muito menores em certas épocas, com grandes áreas semelhantes a savanas.

Enquanto os pesquisadores montam a história ecológica da Amazônia, ainda é um mistério a origem dos geoglifos e a população que os construiu. Até o momento, são 290 dessas estruturas foram encontradas no Acre, além de mais 70 na Bolívia e outras 30 nos estados do Amazonas e Rondônia.

Pesquisadores primeiro registraram os geoglifos na década de 1970, após a ditatura militar encorajar imigrantes a se mudarem para o Acre e outras partes da Amazônia, usando o slogan nacionalista “ocupar para não entregar”, para justificar a ocupação que resultou no desflorestamento da região.

Mas pouca atenção científica foi dada à descoberta até que Ranzi, o cientista brasileiro, iniciou suas pesquisas no final da década de 1990, período em que pesquisadores brasileiros, finlandeses e americanos começaram a encontrar mais geoglifos utilizando imagens de satélite e pequenos aviões para sobrevoar a Amazônia.

Denise Schaan, arqueóloga da Universidade Federal do Pará, que coordena as pesquisas nos geoglifos, disse que testes de carbono indicaram que as estruturas foram construídas entre 1000 e 2000 anos atrás, e podem ter sido reconstruídas diversas vezes durante esse período.

Schaan disse que inicialmente os pesquisadores achavam que as valas de até 6 metros de profundidade eram utilizadas para se defender de ataques. Mas a falta de sinais de assentamentos humanos no entorno das estruturas, como vestígios de moradias ou montanhas de resíduos, assim como modificação do solo para agricultura, desconsideraram tal teoria.

Os pesquisares agora acreditam que os geoglifos podem ter tido importância cerimo-nial, similar talvez, às catedrais medievais da Europa. Esse papel espiritual, segundo William Balée, antropólogo da Universidade de Tulane, poderia ter sido um que envolvesse “geometria e gigantismo”.

Ainda assim, os geoglifos, localizados numa região entre a cultura andina e amazônica, permanecem um enigma.

Eles estão distantes de outros assentamentos pré-colombianos descobertos na Amazônia. Grandes lacunas também permanecem sobre o que se conhece da população indígena nessa parte da Amazônia, após milhares terem sido escravizados, mortos e forçados a se retirarem de suas terras durante a corrida da borracha, que começou no final do século 19.

Para os cientistas e pesquisadores brasileiros, Schaan diz que as estruturas são “uma das mais importantes descobertas dos nossos tempos”. Mas a repovoação dessa parte da Amazônia ameaça a sobrevivência dos geoglifos, após terem ficado escondidos por séculos.

Florestas ainda cobrem a maior parte do Acre, mas em áreas desmatadas onde os geoglifos são encontrados, estradas de terra já cortam alguns das estruturas. Pes-soas vivem em casas de madeira dentro das estruturas e postes de luz estão instalados em alguns geoglifos. Fazendeiros também usam as valas como bebedouros para o gado.

“É uma pena que o nosso patrimônio esteja ameaçado desse jeito” diz Tiago Juruá, autor de um livro sobre a proteção legal de sítios arqueológicos, incluindo os geoglifos.

O biólogo Juruá relata que outros pesquisadores dizem que os geoglifos encontrados são provavelmente uma amostra do que a floresta do Acre ainda guarda embaixo de suas copas. Afinal de contas, eles afirmam que na zona rural, menos pessoas vivem hoje na Amazônia do que antes da chegada dos europeus, cinco séculos atrás.

“Essa é uma nova fronteira para a exploração da ciência”, disse Juruá. “O desafio agora é como fazer novas descobertas nas florestas que ainda estão em pé, com o desejo de que não sejam, tão cedo, destruídas”.

 

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