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Adendos sobre o “Via Verde” Shopping

Desde a inauguração do novo shopping, em Rio Branco, tenho sido provocado para expressar a minha opinião sobre a viabilidade do empreendimento. São muitos os provocadores: amigos, alunos da Economia, empresários que acreditam que eu possa ter alguma garrafa vazia para vender, dentre outros. Também jornalistas já me fizeram tal convite. Mas até agora tinha resistido.

Como desculpa verdadeira tenho informado que não gosto mais de números, ou melhor, que não gosto mais de fazer previsões com números. Inclusive, acredito que previsões com a ajuda de ferramentas quantitativas nas terras acreanas do tempo presente pode implicar em total falta de amor pelo Acre.

Também já retruquei para um aluno da gloriosa UFAC  –  um daqueles que sabem pensar  –  que ainda é cedo para falar algo sobre a viabilidade do shopping. Principalmente para quem, como eu, não teve acesso ao projeto inicial do empreendimento ou aos estudos de mercado realizados pelos lojistas. Se é que fizeram tal coisa… Tampouco cole-cionei evidências suficientes que possibilitariam inferências.

Entretanto, dia desses, durante uma das minhas idas ao estabelecimento, uma confidência de uma lojista provocou mudanças na minha resistência.

– Lembrei de você quando assinei o contrato. – Disse-me ela.

– Foi mesmo?

E a empresária emendou, na lata:

– Quando assinava o contrato… aquela sua frase não saia da minha cabeça. Aquela: vai dar certo, vai dar certo… Lembras? “

– Vixe Maria!

Fiquei assustado. Pensei cá com os meus botões: e se ela quebrar, a quem atribuirá a responsabilidade? Tô lascado! Será que colocou em prática o que aprendeu no curso de empreendedorismo onde nos conhecemos? Será que ainda lembra do tal lócus de controle interno? Caracas!…Tenho que refletir sobre o shopping. Foi minha conclusão no momento. Depois esqueci o assunto.

No domingo, 15 de janeiro de meu Deus, em artigo bastante interessante publicado no Jornal A Gazeta, o xapuriense José Cláudio Mota Porfiro faz uma solicitação. Afirma em seu inteligente texto que gostaria dos meus adendos econômicos, segundo ele, sobre o shopping. Então, como é complicado negar pedido para amigo xapuriense (para mim é quase impossível) e, ainda, devido o relato da amiga lojista citada, resolvi escrever esse pequeno texto.

Antes de qualquer coisa, gostaria de alertar que não faço parte do time dos que “torcem contra”. Meu filho não me perdoaria, Zé Cláudio! O Pedrinho, que hoje tem 8 anos, adora o Via Verde, mesmo sem escada rolante. O danado, inclusive, está virando fã de cinema devido suas tantas idas ao local.

Zé, como deves saber, atualmente estou pesquisando em águas mais profundas e perigosas lá pelas bandas de Xapuri. Interesso-me por modos de vida de seringueiros em anos de florestania. O determinismo de economista parece que está ficando para trás. Entretanto, até 2008, era sobre comportamentos de empresários exitosos que pesquisava. Durante o tempo em que esse tema me interessou, consumi muita literatura sobre. Li muitas bobagens também. (Esse campo possui muitas.) Nas poucas boas leituras, aprendi que realizar desafios é o ponto. Também aprendi  observando o comportamento de empresários no dia a dia (acho que até mais que nos livros). Aprender sobre Empreendedorismo é parecido como aprender a andar de bicicleta.

Foi observando a conduta de pessoas e de resultados que percebi como a motivação para realizar desafios possui relação direta com o processo de empreender (inclusive no “mundo dos negócios”). Sobre motivação por realização (ou need for Achievement – nAc, de David Mcclelland) penso que é necessário, ainda, muito estudo em terras acreanas. Eu até ando “dando corda” aos alunos de Economia mas, infelizmente, a maioria não quer nem pensar nessa possibilidade (de estudar sobre). Tampouco consideram a hipótese de se tornarem empreendedores de negócios (falo de negócios pois existem outros tipos de empreendedores). A segurança do emprego (público de preferência) internalizada em seus “minhocários” desde que eram bem pequeninos é bastante forte. Joseph Alois Schumpeter se vendesse hoje aulas na UFAC certamente diria: “… sem inovadores, sem pessoas que destroem coisas velhas criando novas, não será possível desenvolver o Acre sustentavelmente”. Zé! Desculpe! Aí, eu exagerei no sustentavelmente.

Não só alunos, também vieram colegas da academia que não apreciam a ideia de estudar empreendedorismo. Para alguns, isso não é coisa para se estudar. Inclusive, já ouvi a seguinte pérola: “quem se dedica a esse campo é neoliberal”. Acho tudo isso legítimo e aceito incondicionalmente. É claro que não concordo com grande parte dos argumentos. De minha parte penso  que  seja necessário estudar sobre empreendedorismo no Acre sim, com o devido rigor, é claro. Pena que não tenho mais motivos para agir nesse campo. Também penso que seja possível realizar desafios não só em negócios, mais na vida. Acredito que o ser humano possui uma capacidade de realizar sem precedentes (Isso eu tomei empestado de Carl Roger.)

Então, entro no que parece interessar, no momaento, a muitos: a tal “viabilidade” do Shopping. Como afirmado, tenho poucas evidências, ainda, para inferir sobre o futuro do estabelecimento. Mesmo assim arriscaria o seguinte: o comportamento dos lojistas do “Via” poderá ser fundamental para o êxito e/ou fracasso. Falo principalmente dos em-preendedores que você chamou de “filhos de acreanos”, Zé. O movimento das “grandes redes” (ou lojas âncoras, como costumam chamar) mereceria outro tipo de avaliação. Sobre elas diria: caso o Shopping vá “a bancarrota” perderão certamente algumas moedas, mas logo recuperarão em outras “praças” de melhor rentabilidade.

Como os demais no Brasil, acho que o Via Verde Shopping terá seu índice de quebras, e de sucessos. Alguns dos que montaram negócios por lá certamente fecharão as portas. Mas isso é assim mesmo no “mundo dos negó-cios”. É o que chamam por ai de riscos. Outros certamente aparecerão e ocuparão os lugares. E assim caminhará a suposta modernidade capitalista acreana, por enquanto.

Olhos um pouco mais experimentados, numa simples caminhada pelos corredores de piso “mal acabado” do “Via” poderão perceber, até com certa facilidade, aqueles lojistas que provavelmente terão vida mais longa. Mas atenção! Muitas vezes, em negócios, o que os olhos observam a caixa registradora não sente. Meu palpite é que os “produtos alimentares”,  as lojas de departamento e o cinema estão faturando o suficiente para cobrir custos fixos. Quanto aos demais, tenho dúvidas. Mas isso é apenas um palpite.

Repito, caro Zé. Na minha visão, o sucesso e/ou fracasso no “mundo dos negócios” é mais questão comportamental do que técnica, que me perdoem os professores da pobre ciência da Administração (teoricamente falando, é claro!) Creio que o comportamento antecede a técnica. E  é aí que mora o perigo. Perigo que os fazedores de políticas públicas (e também gestores de organizações que possuem empreendedores ou potenciais empreendedores como público alvo) poucas vezes percebem.

Então, Zé, quando você afirma  em seu texto “…que só os mais inteligentes alcançam o sucesso…” ou “…que comerciante é bicho esperto…”, de certa maneira se referiu aos empreendedores que estabelecem desafios alcançáveis e se esforçam para conseguir alcançá-los. Essas são pessoas que não desistem com facilidade das coisas que sonham; são pessoas que planejam tudo antes de tomar decisões arriscadas; que são perguntadores por natureza. São os “farejadores” de oportunidades. Gente que costuma acreditar que só o melhor é o suficiente e, por isso, possuem uma exigência por qualidade (e eficiência) elevadíssima. São sujeitos que acreditam nas suas capacidades de realizar, entre outras condutas consideradas importantes para se obter resultados.

Segundo o que já li a respeito,  a ciência ainda não sabe como surgem esses comportamentos. Existem várias teses. Também é difícil explicar o porquê de alguns possuírem tais condutas quando adultos e outros não. Meu palpite é que todos nós nascemos empreendedores, mas na infância corremos alto risco de perdermos a “capacidade de destruir coisas velhas e criar novas”. Por isso mesmo, já defendi em alguns ambientes que empreendedorismo se tornasse disciplina obrigatória para os pequenos. Talvez assim conseguíssemos, até com mais facilidade, fazer esse Estado se desenvolver.

Mesmo sem a disciplina, urge estabelecer políticas para re-significar o processo empreendedorial daqueles que já decidiram empreender por pura necessidade. Em Rio Branco, Zé, a maioria do empreendedorismo de negócios começa por necessidade e não por oportunidade. E como a maioria não resignifica o processo, dificilmente conseguem crescer. Olha! Que bom campo de trabalho para a Secretaria Estadual de Pequenos Negócios.

Mas voltando ao Shopping, penso que já existem pistas boas sobre os impactos que o mesmo provocou na economia do Acre. É só perguntar ao gerente do Maria Farinha ou ao do Cine João Paulo. Eles poderão falar. Eu, por pura curiosidade, já perguntei: “…caiu 30%, caiu 30%…” disse-me um garçom da Pizzaria.  No facebook, também, observei que o “Cine João Paulo” reduziu, drasticamente, os preços dos ingressos. O Lula diria: “nunca visto antes na história desse Estado ingressos a R$ 3,00”. É a tal da concorrência, sabe como é…

Esse pitaco sobre concorrência remete a algo preocupante (para alguns empresários do Acre, é claro!) Ou seja: qual será o futuro dos locais com a chegada cada vez mais intensa de “empreendedores profissionais”? Veja, Zé! Até pouco tempo, o Acre era terra de baixa rentabilidade para certos tipos de capital (eu disse certos). Isso devido a problemas de logística, de localização, entre outros. Isso permitia “tocar negócios” por aqui e ganhar dinheiro até sendo ineficiente (Não estou generalizando, que fique claro!) Mas, com a penca de obras de infraestrutura que realizaram na região, estamos nos tornando atrativos para o “grande capital”, de novo. Deve ser por isso que o holandês Makro e o francês Carefour estão de olho na “mais valia” que poderão obter pelas “bandas daqui”.

Zé, nas muitas vezes que perambulei pelo Shopping, algo me impressionou. E não foram os acreanos “extasiados, aparvalhados ou boquiabertos…” O que despertou atenção foi perceber gente nossa com um certo orgulho do local, com um certo cuidado com as coisas…não sei bem definir isso. Veja um exemplo: dia desses, ao meu lado no cinema do “Via”, uma típica “acreana do pé rachado” falava para a filha sobre sua tristeza em observar a sujeira no carpete da sala de projeções. Na sua fala, percebi claramente evidências,  fortes, desse “orgulho”, desse “certo cuidado”. Que o irmão, e brilhante historiador, Eduardo Carneiro não nos escute com esse  papo de “orgulho de ser acreano”. Releva Edu, releva…

No shopping sinto falta de uma boa livraria. E de um bom local para degustar um café também. Já de escada rolante, não. Diferente de você, Zé, não me importa a ausência de um “chope geladissimo, da hora”, afinal bebo muito pouco esse tipo de líquido. Mas, sobre sua afirmação de que “…filhos de acreanos pobres… por não terem medo da luta, por lá investiram o que tinham e o que não tinham”… tenho lá certas ressalvas. Veja: levando-se em conta que, na média, os menores investimentos para a montagem de uma loja chegaram a valores de R$ 300.000,00, diria que de pobres esses filhos não tinham nada. Mas entendo seu argumento. Quanto ao tamanho do estabelecimento concordo plenamente com as suas afirmações. Mesmo sem ter tido acesso ao estudo do tamanho do empreendimento (que depende muito do estudo de mercado, diga-se de passagem), me pareceu adequado para a nossa “realidade econômica”.

Para finalizar destaco algo que tem me intrigado: nem todas os espaços estão ocupados. Mas, como não tenho informações dos porquês, não é possível afirmar nada. Mas que é preocupante é. Outra questão é o fechamento, para mim rápido demais, do cineminha 6D. Quando fui lá a primeira vez, meu filho logo identificou (ele conhecia de Fortaleza). Pensei: esse brinquedo pode representar uma espécie de termômetro econômico do Shopping. Até quando a demanda sustentará o “6D” funcionando? Falei para o Pedro que poderia fechar em seis meses. Afinal, R$ 10,00 por cinco minutinhos de brincadeira não é para todo mundo. Dia desses fui no Shopping e vi que o “6D” havia sumido, antes do  tempo chutado por mim. Será que foi cedo demais? só o tempo responderá.

* Xapuriense. Professor de Economia da UFAC. Doutorando em História Social na USP.

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