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Carnaval no ritmo triunfal do álcool

No Brasil, nestes dias de folias momescas, anunciase um aumento fantástico no consumo de bebidas com teor alcoólico. A cidade de Cruzeiro do Sul, p.ex., só para falar da nossa realidade, que no Carnaval do ano passado consumiu na terça-feira de orgia 90 mil latinhas de cervejas, este ano deve ultrapassar a cifra de 100 mil. Então, leitor dá para medir. Não, não podemos mensurar. É coisa de louco. Loucura total!

Assim sendo, se a onda do momento é beber todas, aproveito a deixa para, debaixo do prisma filosófico, rabiscar algumas inferências simplórias; uma vez que sabemos da seriedade que o assunto envolve e, muito mais ainda, dos males que o consumo de álcool traz para nós todos. Aliás uma imagem perversa desse consumismo desenfreado de bebidas alcoólicas, declara-se nos quatro cantos do mundo, são os efeitos devastadores, no lar, no trânsito e na vida cotidiana em geral, diante dos quais somos todos impotentes: O “dependente” é impotente; o Estado é impotente (até por omissão); a ciência médica é impotente; a igreja, também, é impotente.

 Contudo, por que beber? Por que bebemos? Ou melhor, por que ficamos impotentes diante de uma taça de um bom vinho, seco ou espumante. Sobre essa impotência diante da garrafa, me acudo das assertivas do  filosofo Clément Rosset. Para ele essa impotência é idiotia do real e idiotia diante do real. Perante o real, pois, diante dessa absurda identidade do necessário (a garrafa) sou impotente para fazer com que ela não exista, isto é, a bebida alcoólica, hoje mais enlatada do que engarrafada existe, mas poderia não existir. Então bebemos, soçobrando na imbecilidade e na autodestruição.
Às vezes quero crer naquela máxima atribuída aos antigos que diziam que o fígado do homem é o órgão do prazer. Assim um fígado encharcado de bebida alcoólica produz humores e satisfação interna nos homens. Por outro lado dá, ao infeliz, um sentimento de potência e soberania. O indivíduo passa, sob efeito da “mardita”, do céu ao inferno em fração de segundos. Torna-se idealizador, namorador, ou melhor, enxerido. Sente-se capaz das maiores proezas e realizações. Diferentemente, Aristóteles, o es-tagirita, via no estado de embria-guez de um homem, um exemplo de alguém numa condição de miséria, pena e pobreza absoluta.

Outra ilação de Clément Rosset, essa para a estrita interpretação dos intelectuais, notadamente filósofos, é que se bebe sempre por desespero e para escapar à equivalência do ser e do não-ser. Assim, na dupla visão da embriaguez, que não é uma vista dupla, Rosset revela uma espécie de simbiose do espírito e da duplicidade idiota do real, que é único e, entretanto, absolutamente relativo, definido e indefinido.

O ingerir de bebida alcoólica é, além do efeito demolidor sobre a estrutura humana, a busca, a qualquer preço, do prazer desmedido. É o gosto pela paixão; são as “delícias” da vontade, a volúpia de se superar uma circunstância, é a busca pelo que nos dá de fato um “verdadeiro e real” prazer. O certo é que não podemos explicar por que tantos de nós nos entregamos à prática da bebedeira. Qual é a nossa motivação mais profunda. Seria um caso de imaturidade, tédio e orgulho? Seria um sentimento genuíno da necessidade que nos impele à busca dos botecos? Estas perguntas nos remetem, inexoravelmente, para uma simples resposta: O drástico independente dos motivos, é que a bebida alcoólica continua, cada vez mais, sua triunfal caminhada. Soberana! Incólume!! Destruindo gerações e gerações de seres humanos. Derrubando leis e mandamentos; enchendo as penitenciárias, prisões e asilos; fazendo fracassar, sem respeito à  idade ou sexo, jovens e velhos. Tirando a saúde do jovem,  enfraquecendo a força do homem adulto e trazendo despudor à mulher. 

A propósito, um dos métodos mais comuns pelo qual, muitos tentam fugir da realidade é o  uso de bebidas alcoólicas. Usando bebidas alcoólicas a pessoa construirá um mundo irreal e nele viverá por algum tempo. Se você é infeliz parecerá  sentir-se feliz; se você  se via inibido, parecerá sentir-se livre: A se ver inferiorizado, você parecerá sentir-se superior  (pelo menos enquanto estiver sob o domínio e os efeitos da bebida). Alguém perguntou a certo homem que vivia em São Paulo porque tomava bebidas alcoólicas, e ele respondeu: “É esse o caminho mais curto para me ver fora de S.Paulo”.

Não tinha coragem nem nervos para enfrentar a cidade de S. Paulo; assim, buscava fugir dela pelo caminho da latinha. Toda dificuldade, no entanto, estava em que no dia seguinte a cidade voltava a enfrentá-lo. E sempre mais forte e positiva que nunca, visto encontrar-se ele com menores recursos para o combate. Cada vez que buscava fugir da cidade tornava-se menos capacitado a enfrentá-la, dado que cada tentativa de fugir lhe ia enfraquecendo a personalidade. E, o resultado, inevitável, dessa pessoa é a decadência.

Assim buscar na bebida alcoólica, muletas para fugir da realidade, é o refúgio do fraco.

Destarte, neste carnaval, antes de seguir o conselho daquela voz FM: “beba com moderação” é melhor dar ouvidos a assertiva tão antiga quanto os dias do profeta Isaías: “Ai dos que se levantam pela manhã, e seguem a bebedice, e continuam  até alta noite, até que o vinho os esquenta”. Ai destes!

Categories: Francisco Assis
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