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“Os isolados”

Destaco parte do texto sucinto do editorial desta A GAZETA da edição de ontem 2.02.2012: “Ver uma família de índios isolados, exige, no mínimo, repensar sobre o que, de fato, é importante para se viver bem e com dignidade… Proteger essas famílias é uma obrigação do Estado… O contato, talvez, inevitável, deve acontecer quando eles assim o desejarem”.

Pensando ou repensando a questão, como sugere o Editorial, concitando setores da sociedade e o próprio Estado com o fim de  proteger esse grupo de índios, denominados de Mashco-Piro, que  vive isolado da “civilização” estando cada vez mais difícil de encontrá-los. Diria que, por melhor boa vontade que todos tenham em trazê-los para perto de nós, o melhor mesmo é deixá-los seguir sua sina,  porquanto, conforme a ONG que os descobriu, ao menor contato  com espíritos estranhos,  eles  entram para mata fechada com me-do, principalmente, daquilo que nós os civilizados chamamos de “atividades madeireiras e de extração de gás e petróleo”.

Á luz da minha estultícia opinaria aos meus irmãos brancos, sapientíssimos, que deixem como está. Esse grupo Mashco-Piro conseguiu sobreviver, até aqui, sem a nossa proteção. Não precisam das nossas vacinas, muito menos da nossa tecnologia de ponta. Estão bem, desfrutam de uma boa carne de caça (tatus, pacas, antas, macacos e porcos do mato), pescam em rios sem poluição e, uma ou outra vez, extraem peles de onças pintadas e tiram o couro de cobras sucuris. Vá lá não, meu irmão branco. Mesmo porque pode,  a qualquer hora, baixar nesses “isolados” o espírito maligno, dos índios Moicanos do século XVIII, que viviam em Ohio, quando a América ainda era colônia dos ingleses, que adoravam, numa atitude selvagem, escalpelar gente estranha que se atrevia a andar nas adjacências da tribo.

Por outro lado, peço a algum membro dessa tribo de “isolados” que porventura esteja, de forma camuflada, entre nós os civilizados, que não esconda dos seus manos, a realidade nua e crua, porque passam outras tribos, em processo de aculturação, na convivência com os homens letrados e suas leis. Fale que, aqui entre nós, a começar pelos nossos glossários, o índio não é gente. Os dicionários os chamam de “gentios” e traçam um perfil de alguém não civilizado; bárbaro, estrangeiro e outros adjetivos exóticos. Por aqui os índios são lembrando pelas barbáries cometidas contra brancos: no caso do sertanista José Carlos Meirelles dos Reis Júnior, que foi atingido no rosto por uma flechada. O malfeito é atribuído aos índios isolados Mashco-Piro. A propósito o ataque aconteceu porque o sertanista estava  pescando em lugar errado: no Rio Envira, oeste do Acre. É o que dizem!

Fale, também, dos graves conflitos, recentes, entre os índios “cintas-largas” e garimpeiros na região de Espigão do Oeste, estado de Rondônia e a revelação à sociedade de um quadro de irregularidades que vai do plantio de maconha à exploração sexual de meninas e meninos índios, passando obviamente pela extração inde-vida de minérios e outras irregularidades. Diga da briga na reserva Raposa do Sol, etc.

Faça reverberar  que a maioria da gente urbana, mesmo metidos a pensantes, nada sabe dessa  gente chamada nação indígena do Brasil. Que é irrelevante a reflexão sobre o extermínio de índios (do descobrimento até hoje). Que não sabemos nada, por exemplo, das chacinas, da escravatura e das doenças endêmicas que acometem e matam milhares de índios.  E que os nossos políticos, não queimam as pestanas na criação de projetos, em busca de uma política governamental que consiga efetivamente proteger os índios contra os interesses dos não índios. Que não há, da parte de quem de direito, envidados esforços no sentido de que sejam preservadas e respeitadas as culturas, as tradições e a maneira de viver dos índios.        

Diga, ainda, que em termos de prevenção e respeito às culturas da nação indígena do Brasil, há três rotas distintas, segundo especialistas, no horizonte da sobrevivência desse povo: 1) o isolamento  completo em relação ao não índio; 2) o intercambio cultural e econômico; 3) a acultu-ração completa. A primeira rota é impossível, pois é utópica. A terceira é um desastre, pois representa o suicídio ou o assassinato cultural de um povo (etno-cídio). Resta o caminho do meio, em bases absolutamente justas, como dizem alguns etnólogos, Darcy Ribeiro, antes de morrer, inclusive:  “A compreensão dessa dimensão nos descortina um relacionamento muito mais justo e humano com os indivíduos e os povos indígenas, dando-nos  a possibilidade de influenciar e sermos influenciados por eles e a possibilidade de sugerir e receber sugestão”.

Diga, finalmente, que aqui, no mundo cibernético,  a maioria acha que o  índio é um debilóide; que são poucos os que olham  o índio como um ser primitivo, criatura racional, nada inferior a nós, os civilizados.

Porque somos todos, índios e brancos, brasileiros. Vamos nessa meu irmão Mashco-Piro. “É nós!”

E-mail: assisprof@yahoo.com.br

Categories: Francisco Assis
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