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Dependência química alcança a corporação Polícia Militar

O consumo de cocaína e álcool aumentou tanto entre policiais e começou a atrapalhar a condução dos trabalhos de tal maneira que o comando da Polícia Militar foi obrigado a criar uma estrutura para atender os dependentes.

Ainda no comando do coronel Gilvan Vasconcelos, atual diretor da Defesa Civil de Rio Branco, foi criado o Serviço Social da Polícia Militar. Em 14 anos, 89 policiais militares tiveram que ser internados.SARGENDO-DOS-ANJOS---F Sargento Raimundo dos Anjos coordena serviços na PM/AC
“Não é um número baixo”, calcula o sargento Raimundo Peregrino dos Anjos Chaves, psicólogo que coordena o Serviço Social da PM/AC. Quando perguntado se para cada policial internado seria possível multiplicar por dois, o sargento foi taxativo. “Pode multiplicar por quatro”.

São quase 360 homens e mulheres na corporação que têm algum envolvimento com o consumo de álcool, cocaína ou maconha. Sobre o problema, as referências numéricas não são fáceis de determinar. Além do aspecto simbólico negativo que há na questão.

Os homens e mulheres que foram treinados para combater o tráfico e as consequências nefastas do consumo de álcool, de uma hora para outra, se veem dependentes químicos.

“O dia a dia estressante do atendimento às ocorrências, a adrenalina liberada, associado aos problemas comuns de um homem e de uma mulher, são fatores que ajudam a explicar o problema”, pontua o coordenador.

A internação é uma medida extrema. Para se chegar a esse nível, o policial já demonstrou indisciplina suficiente e passa a ser uma ameaça tanto para o comando quanto para o grupo.

Mudança de foco
“Houve uma mudança de concepção importante ao longo dos anos”, lembra o sargento. Antes, quando o policial vinha para o Serviço Social, isso era encarado como uma punição. Hoje, não. “Agora, o policial sabe que esse trabalho faz parte da preocupação da instituição com a segurança e qualidade de vida do policial e de sua família”.

Outra mudança que contribuiu para a melhoria de eficiência do trabalho foi o fato de o poder público encarar o problema não como uma questão de segurança, mas como uma questão de saúde.

O Serviço Social da Polícia Militar também atende aos familiares do policial. Um dos pontos de apoio do trabalho está na Policlínica da PM, situada na rua Omar Sabino, no bairro Esperança.

As internações acontecem, na prática, em comunidades terapêuticas de apoio a dependentes que existem em Rio Branco e em Cruzeiro do Sul. São exemplos, a Fazenda Esperança e a Jovem Peniel. O dependente fica internado por seis meses com todo apoio da corporação.

Uso “recreativo” dificulta identificação
O uso de cocaína ocasional, o que os psicólogos chamam de uso recreativo, pode ser uma via perigosa para o início da dependência. A credibilidade que a corporação naturalmente impõe ao militar, o uso do armamento, a simbologia de pertencer ao grupo que combate a criminalidade dão uma sensação de poder ao profissional perigosa.

É como se o vício jamais fosse capaz de controlar o policial. Essa sensação, associada ao dia a dia estressante, são combinações perigosas. Protegido com a carapaça da farda, o policial militar vai se tornando vulnerável sem se perceber.

“Muitos que têm o problema não nos procuram e muitas vezes o problema não é detectado”, afirma o diretor de Saúde da Polícia Militar, coronel Luiz Antônio de Paulo Marques. “Nesses casos, quando chega até nós, muitas vezes a situação já está fora do controle da pessoa. Aí, nós fazemos a intervenção”.

Atualmente, não há nenhum policial internado por dependência química. Mas, isso não significa que não haja, no universo de mais de três mil profis-sionais, pessoas envolvidas com álcool e drogas.

Problema existe em todo país
O problema da dependência química entre policiais militares existe em todo país. O estado de Minas Gerias é uma referência no assunto. Lá, inclusive, foi criada uma Clínica de Tratamento para Dependentes Químicos da corporação.

O modelo de tratamento aplicado em Minas Gerais é conhecido por profissionais da área em encontros realizados periodicamente em várias regiões do país.

Sem perspectivas- Mesmo estando ao lado de países produtores de cocaína, como Peru e Bolívia, a situação do Acre está muito longe da encontrada em estados como São Paulo ou Rio de Janeiro.

Lá, até a situação salarial é apontada como um dos fatores que incitam a dependência, associada ao estresse próprio do dia a dia do policial.

Há 14 anos, o alto número de policiais com dependência química no Acre também estava associado à falta de projeção profissional: o policial não tinha perspectivas de melhoria salarial e progresso na carreira.

Falha de comando
A existência de um policial dependente químico demonstra falhas nos sistema internos da corporação. As diversas hierarquias não foram capazes de identificar os vários níveis de dependências. Sem nenhum tipo de intervenção, o policial vai se envolvendo com a dependência até ser impossível esconder o problema. Nesse nível, só resta a internação como instrumento.

Atualmente, a direção de saúde da corporação garante que estão sendo criados mecanismos de identificação para tentar trabalhar de forma preventiva.
MARCILIO-DO-CARMO---FMarcílio do Carmo, 48 anos

“Meu neto me dá sentido à vida”
Marcílio do Carmo tem 48 anos. Vinte e cinco dedicados à corporação Polícia Militar do Acre. Flamenguista e avô. Chegou a ser internado por dependência com o álcool.

Há oito anos, quando foi procurado pela coordenação do Serviço Social da Polícia Militar estava no posto de serviço. Bêbado. Ficou quatro meses internados.

“Antes, ninguém me ajudava e nós éramos excluídos. Hoje, eu converso com os meus comandantes. Entro nas salas. Sou recebido e ouvido”, relata o policial. “Minha família é a coisa mais importante pra mim. Meu neto me dá sentido à vida”.


 

Internação compulsória: recuperação ou segregação?
Droga: causa ou consequência?

Pedro Paulo Silva Buzolin*
PEDRO-PAULO---FAntes de se questionar a legalidade e a eficácia da internação compulsória de dependentes químicos, é preciso analisar a origem do problema. A droga é a causa ou a consequência? Caso sejam retirados todos os dependentes químicos que vivem nas ruas, amanhã surgirão novos dependentes, na mesma situação, dando sequência a um ciclo sem fim. Aliás, findaria, assim que acabassem as vagas nos centros de recuperação.

A maioria das pessoas que vivem nas cracolândias não chegou ali pelo vício, mas por outros problemas sociais. Crianças fogem quando são espancadas ou sofrem abusos sexuais dentro da própria casa. Famílias inteiras entram no mundo da droga quando não possuem um lar e são obrigadas a morar “debaixo da ponte”.

Segregar essas pessoas em clínicas de recuperação, em um sistema de cárcere, renegando-lhes os direitos fundamentais, não irá minimizar os males que a droga vem gerando na sociedade? Tal medida, apenas retirará das ruas pessoas “indesejáveis”, causando a impressão de “higienização” das ruas para os visitantes da Copa e das Olímpiadas.

Afirmar que usuários de drogas são pessoas incapazes de decidir por si mesmas, que estão se autodestruindo, e, por isso, precisam ser internadas contra a própria vontade, vai contra a lógica de que elas só vão se livrar do vício com a própria vontade. Certamente, existem remédios que diminuem o desejo de se drogar. Porém, o único remédio verdadeiramente eficaz é a própria força de vontade. E, se for para internar qualquer pessoa que esteja se autodestruindo, teremos que internar todos os fumantes. Porque fumar é também uma forma de autodestruição.

O Estado brasileiro não possui estrutura para atender nem às internações voluntárias… o que se dirá as compulsórias. O Acre, com medidas so-ciais, vem demonstrando que a prevenção ao uso de drogas é a medida mais eficiente. O número de crianças abandonadas é reduzido, bem como o de moradores de rua. Porém, ainda existe a necessidade de um trabalho mais intenso de equipes multidisciplinares de apoio aos dependentes químicos.

Projetos, como o Poronga, o qual formou recentemente 870 jovens; PROERD; de habitação popular, com a entrega de mais de quatro mil casas em um ano, possuem uma eficácia muito maior que qualquer internação. São medidas preventivas, estimulam o desenvolvimento humano, aumentam a autoestima, deixando o cidadão menos vulnerável à droga, tornando desnecessária a implementação da internação compulsória. O combate ao uso de droga deve seguir a ótica da homeopatia: tratar o doente e não a doença.

*Pedro Paulo Silva Buzolin é Delegado Titular da Delegacia de Repressão ao Entorpecente da Polícia Civil do Acre


 Defensor propõe criação de vara para crimes relacionados as drogas

JORGE NATAL
valdir-perazoO defensor público e presidente do Conselho Penitenciário Estadual (CPE), Valdir Perazzo, está propondo a criação de uma Vara Especializada para julgamento de crimes de menor potencial ofensivo envolvendo uso de drogas. Também chamada de justiça terapêutica, o objetivo é tratar os dependentes químicos como doentes, internando-os para tratamento, mesmo contra as suas vontades.  

De acordo com estatísticas do Departamento Nacional Penitenciário (DNP), cerca de 80% de crimes praticados no estado estão, direita ou indiretamente, relacionados ao tráfico e/ou consumo de drogas. “Essa realidade criou presí-dios que lembram as masmorras medievais, onde a barbárie, o descaso e a desumanidade são as tônicas do sistema”, declarou Perazzo, que há anos luta para que detentos em regime semiaberto possam cumprir suas penas como determina o Juízo. “Ninguém deve permanecer preso em situação mais gravosa do que foi sentenciado”.

Como forma de apoio e sustentação à proposta, o defensor disse que precisa coexistir uma rede de apoio, constituída por psicólogos, psiquiatras, pedagogos e assistentes sociais, formando uma um sistema de saúde mental, denominada por ele como Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Isso seria uma rede de apoio na cura e prevenção dos crimes praticados por dependentes químicos de álcool, drogas e fumo”, disse.

 Convidado para conhecer uma experiência “exitosa” no estado de Pernambuco, Pe-razzo assim fez o relato: “tive oportunidade de conhecer uma Caps naquele estado. Várias pessoas dependentes químicas ali se mantiveram sóbrias. Tornaram-se cidadãos úteis à sociedade e não voltaram a engrossar as estatísticas dos presídios. Rio Branco já possui uma Caps, mas precisa criar mais. Assim, o Poder Judiciário interagiria satisfatoriamente com essa rede de apoio na cura e prevenção dos crimes praticados por dependentes”.

Com 3.941 presos e uma população de 732.793 habitantes, o Acre é o 21º colocado, em números absolutos, dentre os estados com maior número de presídios no Brasil. Também apresenta a taxa de 537,81 presos a cada 100 mil habitantes, o que constitui a maior população carcerária do país.

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