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Haitianos superlotam Casa do Migrante em São Paulo

Haitianos vindos do Acre e do Amazonas já superlotam a Casa do Migrante, em São Paulo, mantida pelos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, na Baixada do Glicério, no Centro. A capacidade máxima, de 100 pessoas, está esgotada. Na semana do carnaval, com a chegada de grupos de até 15 imigrantes haitianos num único dia, a casa chegou a acomodar 130 pessoas, espalhando colchões no salão principal.

Na última sexta-feira, dos 100 abrigados na casa, 41 eram haitianos. Para ajudar a acomodar os excedentes, um padre ofereceu uma casa perto da Via Dutra, para onde foram levados outros 21. Duas haitianas, com suas malas, aguardavam sentadas na entrada da instituição para saber se seriam ou não acolhidas. Havia dúvidas. Elas falsificaram a assinatura de um padre de Manaus, que fizera uma carta recomendando um outro haitiano, há mais de um mês.

– Não é fácil. Eles chegam em peso na porta da igreja e pressionam como grupo. O sonho deles é ficar em São Paulo. Só aceitam empregos em outras cidades quando não tem outro jeito – conta o padre Paolo Panise.

A Casa do Migrante iniciou dia 1º de fevereiro um serviço de mediação de empregos. Uma rede de supermercados de Londrina (PR) já levou 21 haitianos. A Eletropaulo contratou outros 35 para instalação de cabos de fibra ótica. Um dono de hotel levou quatro para trabalhar com ele. Os salários giram em torno de R$ 900. Para as mulheres, a situação é um pouco mais difícil. A maioria das ofertas é para empregada doméstica, com salários também em torno de R$ 900.
– Não quero dormir no emprego. Não consigo – diz Isesmie Bertilus, de 27 anos, que deixou dois filhos do Haiti, de 9 e 7 anos, e veio com o marido tentar a sorte no Brasil e está na Casa do Migrante há um mês.

É o mesmo tempo de permanência de Angelina Saintillus, de 28 anos, que está acompanhada do marido e do filho Isaac, um bebê de 6 meses. Em Brasileia, a família chegou a dormir no banheiro do hotel onde os haitianos eram acomodados à espera do visto. Ela não fala uma palavra em português ou espanhol. Espera apenas que o marido ganhe o sustento da família. Não é fácil. Um quarto de cortiço na Baixada do Glicério custa R$ 450 por mês. Não há cozinha, o banheiro é coletivo.
A assistente social da Casa do Migrante, Carla Aguilar, diz que já lhe alertaram que muitos outros haitianos chegarão a São Paulo nas próximas semanas. Eles vem busca de melhores salários.

– Eu trabalhava numa fábrica em Manaus, mas ganhava pouco, R$ 500 por mês. Não dava para pagar aluguel, comer e comprar tudo – diz, mal humorada, uma das mulheres que falsificaram a carta do padre.

Perguntada sobre como vivia no Haiti e se trabalhava, ela dá de costas, levanta e sai caminhando.

O padre Paolo diz que entende a situação, que muitos outros haitianos já falsificaram a tal carta, escrita uma única vez pelo religioso de Manaus, num caso específico. Para ele, trata-se de “estratégia de sobrevivência”.

Em Limeira, o empresário Fábio Quatroni, da Solo Construtora, foi surpreendido por uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho numa obra onde trabalhavam seis dos 17 haitianos que foi buscar em Brasileia. Ele explica que as irregularidades na obra – falta de refeitório, banheiros e risco na parte elétrica – não eram de sua responsabilidade, já que sua empresa é uma terceirizada na construção do galpão.

– Fiquei assustado com a fiscalização do Ministério Público do Trabalho, mas os haitianos estão registrados em carteira e o salário mais baixo que paguei este mês foi de R$ 960,00 líquido. Ofereci casa, refeições, pago luz e água. Vou fazer isso até que consigam juntar dinheiro para viver com mais privacidade. Prometi que vou ajudá-los a trazer as famílias – diz Quatroni.

Na noite de sábado, o empresário teve nova surpresa. Mais três haitianos – duas mulheres e um homem – surgiram com suas malas numa das duas casas destinadas a abrigar os funcionários haitianos.

– Deixei entrar, vou fazer o quê? Deixar na rua? Os funcionários juraram que não chamaram esses três, que passaram o endereço apenas para suas famílias – contou Quatroni.

Às terças e quintas, Quatroni joga futebol com o grupo. Aos domingos, um ônibus da empresa leva os 17 haitianos funcionários da Solo para uma igreja evangélica de Limeira. Neste domingo, o ônibus levará 20.

Embora a maioria dos haitianos seja da religião evangélica, a igreja realizou em janeiro a primeira missa celebrada por um padre haitiano. No próximo dia 20 de maio, fará a primeira festa do Haiti.

Nesta terça-feira, os padres se reunirão na Arquidiocese de São Paulo para pedir ajuda ao cardeal Dom Odilo Scherer.
“Tem gente na porta todo dia e não temos vagas”, diz o padre Paolo. (Agência O Globo)

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