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Uma luz no fim do túnel para o novo Código Florestal

A mobilização da sociedade brasileira surtiu efeito e a presidente Dilma Rousseff sancionou, na sexta-feira passada (25/05), o novo Código Florestal com 12 vetos e 32 modificações, das quais 14 resgatam a proposta aprovada no Senado que havia sido completamente descarac-terizada pela bancada ruralista que domina a Câmara Federal.

Essa bancada, liderada pelo ‘comunista’ Aldo Rebelo, deitou e rolou, aprovando o que queria sem considerar a opinião de ninguém, mas os interesses do agronegócio que ela representa e financia as suas campanhas eleitorais, desde a retomada efetiva das discussões do Código Florestal há cerca de três anos. Mas com a posse de Dilma Rousseff, parece que eles finalmente encontraram um adversário à altura.

Um dos vetos mais esperados pela sociedade era o do artigo 61, que trata da recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e recomposição da cobertura vegetal nas margens dos rios. A conservação e a recuperação de florestas em APPs, como beira de rios, topo de morros e encostas, é fundamental, pois estas áreas são frágeis e indispensáveis para a sobrevivência dos rios que fornecem a água que bebemos e para a segurança de milhões de brasileiros que vivem em cidades cercadas por morros, sob constante ameaça de deslizamentos e enxurradas vindas das encostas desses morros.

No Acre, se a mata ciliar que protegia o Rio Acre da erosão e assoreamento tivesse sido preservada, a situação do mesmo não seria a que vivenciamos hoje. Da mesma forma, os deslizamentos recorrentes de encostas de morros que cobram anualmente a vida de centenas de brasileiros em cidades do sudeste e sul país seriam em número muito menor caso as florestas que protegiam essas encostas tivessem sido preservadas.

O veto ao artigo 61 foi necessário porque, conforme justificou o Palácio do Planalto, “a redação é imprecisa e vaga” e “parece conceder uma ampla anistia aos que descumpriram a legislação que regula as áreas de preservação permanente até 22 de julho de 2008”. Além disso, o artigo incluía regras apenas “para a recomposição de cobertura vegetal ao largo de cursos de água de até dez metros de largura, silenciando sobre os rios de outras dimensões e outras áreas de preservação permanente”.

Ao aprovar esta aberração legal e ambiental, a bancada ruralista foi, como dizemos quando observamos as atitudes de alguém muito ambicioso, ‘com muita sede ao pote’ na tentativa de livrar os grandes proprietários de terra de possíveis obrigações futuras de recuperação da destruição ambiental que já promoveram. Nesse caso, a insegurança jurídica dessa omissão iria, nos cálculos dos ruralistas e seus defensores, beneficiar os que transgrediram a lei. Além disso, ao fazer exigên-cias de níveis de recomposição praticamente idênticos para todos os imóveis rurais, independentemente de suas dimensões, os ruralistas mostraram que também não querem pagar, como efetivamente devem, uma fatia maior dessa conta.

Ao vetar o artigo, a presidência da república afirma que a proposta (dos ruralistas) “não articula parâmetros ambientais com critérios sociais e produtivos” e “ignora a desigual realidade fundiária brasileira, onde, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 90% dos estabelecimentos rurais possuem até quatro módulos fiscais e ocupam apenas 24% da área rural do país”. Durante a explanação dos vetos, a ministra do Meio Ambiente mostrou números mais esclarecedores: 65% do total de imóveis rurais no Brasil têm até 1 módulo fiscal e ocupam apenas 9% da área agrícola do país. As propriedades com mais de 10 módulos rurais, por sua vez, representam 4% do total de imóveis do país, e ocupam 63% da área produtiva agrícola. Além disso, estima-se que a agricultura familiar produz entre 60 e 70% dos alimentos consumidos no Brasil.

Será que ainda existem dúvidas sobre quem deve pagar a maior parte da conta pela recuperação das APPs no país?

A proposta da presidente Dilma para resolver a questão da recuperação da mata ciliar, por exemplo, será proporcional ao tamanho da propriedade rural e vale para todos os rios. Para aqueles com até 10 metros de largura, deve-se recuperar entre 5 e 30 metros nas margens. Para rios com mais de 10 m de largura, a recuperação varia de 5 metros a 100 metros. Para propriedades de até 1 módulo fiscal, serão 5 metros de recomposição, não ultrapassando 10% da propriedade. Para propriedades com 1-2 módulos, a recomposição é de 8 metros, até o limite de 10% do terreno. Propriedades com 2-4 módulos terão de recompor 15 metros, não ultrapassando 20% da propriedade. Acima de 4 módulos, a recuperação deve ser entre 30 metros e 100 metros. Uma proposta justa não é mesmo?

Apesar da atitude corajosa da presidente, a situação ainda não está resolvida, pois o texto vetado e a medida provisória voltam ao Congresso Nacional para serem apreciados. A bancada ruralista já deixou claro que vai tentar derrubar os vetos e a medida provisória, mantendo o texto aprovado na Câmara Federal. A batalha vai ser dura, pois eles podem ganhar na Câmara e perder no Senado, que se ressente da ‘falta de consideração’ da Câmara ao trabalho feito por seus membros para produzir um texto equilibrado e coerente para o novo Código.

Para aprovar ou derrubar os vetos e a medida provisória vai ser necessária maioria absoluta na Câmara e no Senado. O que pode facilitar o trabalho dos ruralistas é que a votação é secreta. Isso deixa os parlamentares mais destemidos, pois nessa situação a sociedade não vai, em caso de derrota e retrocesso ambiental, poder apontar o dedo para os culpados.

Para finalizar: já li em algum lugar que o que mais chama nessa questão da aprovação do novo Código Florestal “é o desencontro entre o Congresso e a realidade do país. Como pode a bancada ruralista ter tanta força para avançar com uma proposta como essa se a parcela da população que ela representa é tão pequena? Isso evidencia um déficit democrático no atual sistema político”.

* Evandro Ferreira é engenheiro Agrônomo e pesquisador do Inpa/Parque Zoobotânico

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