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‘Tolerância zero’: Polícia Civil do Acre prende mais de 180 pedófilos de 2011 a maio deste ano

EnylsonNa semana marcada pelo Dia Nacional de Combate à Pedofilia, 18 de maio, o Acre tem dados expressivos a apresentar. Por mês, dezenas de denúncias de abusos sexuais contra menores são feitas ao Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria), vinculado à Delegacia da Mulher. Muitas, infelizmente, são verídicas, o que comprovam os números mostrados pela Secretaria de Polícia Civil do Estado: do ano passado para cá, mais de 180 pedófilos foram presos no Acre, acusados de estupro contra vulneráveis. Somando os casos que ainda não culminaram em prisões, mas que estão sob investigação, ultrapassaremos a marca dos 200 inquéritos.

A quantidade de prisões é importante e significativa, entretanto, como bem analisa o secretário estadual de Polícia Civil, Emylson Farias, está longe de ser motivo de orgulho. “Se, por um lado, demonstra que o trabalho de repressão da polícia está surtindo efeito, e isso, claro, é positivo; por outro, acende um sinal vermelho e nos preocupa muito”, admite.

Em entrevista À GAZETA, o delegado faz uma análise franca do cenário do Estado em relação ao problema; aponta as conquistas e os entraves da polícia e da sociedade para lidar com esse tipo de crime e, com firmeza, promete cada vez mais “intolerância” e “radicalismo” na caça aos pedófilos, seja de qual classe social for.

“Essa foi uma das principais diretrizes repassadas pelo governador Tião Viana: que sejamos intransigentes, ‘tolerância zero’ contra a pedofilia, doa a quem doer. Ninguém aqui está acima da lei”.
Confira os principais trechos.

A GAZETA – Os números em relação à pedofilia no Estado são preocupantes. Como a polícia está estruturadaparacombater esse tipo de crime?
EMYLSON FARIAS – No final de 2010, implementamos o núcleo de atendimento à criança e ao adolescente vítima de violência sexual, o Nucria, que é especializado em recepcionar esse público e lidar com esse tipo de crime. O núcleo tem estrutura multidisciplinar, com profissionais de diversas áreas habilitados a lidar com o problema. Sala de vítima, psicóloga, assistente social. Existe esta preocupação, por parte do próprio governo, que façamos o atendimento de forma integrada.

A orientação que sempre foi dada pelo próprio governador Tião Viana foi para que fôssemos intransigentes, que tivéssemos tolerância zero, que radicalizássemos contra esse tipo de crime, doa a quem doer. O objetivo é unir as duas pontas da corda: combater o crime e dar a resposta à sociedade do ponto de vista da repressão, e também prestar uma assistência mais qualificada às vítimas e às famílias, já que este é um tipo de crime tão grave e cruel, que deixa marcas para a vida toda.

A GAZETA – E quais são os resultados práticos alcançados até aqui?
EMYLSON FARIAS – Do ano passado para cá, já temos mais de 180 prisões de pessoas que praticaram crimes de estupros contra crianças e adolescentes, crime contra vulneráveis, como é chamado na lei. Um número expressivo, mas que não nos orgulha de jeito nenhum. Se, por um lado, demonstra que o trabalho de repressão da polícia está surtindo efeito, e isso, claro, é positivo; por outro, acende um sinal vermelho e nos preocupa muito. No que diz respeito à repressão, a gente vai radicalizar cada vez mais. Mas por que tanto esse tipo de crime no Estado?

Uma justificativa para “aparecer” tantos casos é a criação do núcleo. No sentido de que, agora, as pessoas estão denunciando mais. É muito comum as pessoas hoje buscarem o núcleo, ligarem e passarem informações, mesmo que de maneira anônima. O Nucria se transformou numa referência, e isso mostra que a população está confiando na polícia. E as respostas tem sido bastante satisfatórias.

A GAZETA – A maioria dos casos acontece na zona rural ou mais na cidade?
EMYLSON FARIAS – Não tenho dados específicos, mas a maioria acaba sendo na cidade mesmo. E, em grande parte, o autor do crime está dentro de casa.

A GAZETA – É um crime muito difícil de se coibir, certo? Por ocorrer, em muitos casos, dentro da família, as próprias vítimas não sabem como denun-ciar… E chegar até a comprovação também se torna difícil. Como a polícia tem agido nesses casos?
EMYLSON FARIAS – Sim, são todas situações muito delicadas. Apesar de o enfrentamento ser muito duro, firme, precisa ser muito técnico, profissional, o que exige extrema responsabilidade. Imagine uma criança de sete anos vítima de estupro. Muitas vezes, o agressor é alguém que está dentro de casa, da família.  Você imagina como é para essa criança verbalizar esse tipo de coisa? Você imagina a complexidade da declaração para uma criança dessas? Isso é suficiente para determinar o pedido de prisão? E como comprovar a veracidade?

Esse tipo de investigação precisa ser acompanhada por uma equipe especializada. O agente de polícia não pode estar sozinho. Em geral, uma psicóloga acompanha. E só é feito o pedido de prisão quando temos uma análise muito apurada. Quando chegamos a esse ponto, certamente já teremos a materialidade comprovada do ponto de vista clínico, social, psicológico e policial. Do contrário, estamos colocando em risco a própria democracia e a própria Justiça. Imagina você apontar uma pessoa como autor de um estupro quando não há estupro? Por isso que trabalhamos com muito critério. Um relatório psicológico é uma algo que nos norteia muito. E vamos montando um quebra-cabeça para chegar até os elementos, vestígios e evidências que consigam constatar que, de fato, ocorreu um crime.

Pedofilia é um crime extremamente delicado do ponto de vista de investigação… Não queria polemizar, mas, há um tempo, houve uma CPI rela-cionada ao tema. E ninguém foi apontado como autor.

Nenhuma prova foi posta… Pelo menos a delegacia não recebeu nada formalizado. Por que? Porque a investigação é extremamente delicada mesmo. Precisa de pessoas treinadas, dessa multidisciplinaridade. E exige muito conhecimento técnico e responsabilidade, acima de tudo.

A GAZETA – Mas para ocorrer a prisão é preciso necessariamente comprovar a materialidade do estupro? E quando não chega a ser consumado, mas está evidente que há o assédio, o aliciamento, a corrupção sexual de um menor, como a polícia pode intervir?
EMYLSON FARIAS – Depende do crime. Não são todos os tipos penais que ensejam prisão. Eu Estou falando de 180 prisões decorrentes de casos de estupro, em que houve comprovação do ato, e não somente de 180 denúncias ou atendimentos. Temos outras várias situações que não ensejaram prisões. Somando os casos que estão sendo investigados, chegaremos a mais de 200 inquéritos, envolvendo pessoas indiciadas por outros crimes desta natureza, que ainda não ensejaram pedido de prisão, mas que vão responder na Justiça, por exemplo, por corrupção de menor. Aí é uma situação de legislação mesmo. Nem por isso a pessoa deixa de ser interrogada, indiciada e processada.

A GAZETA – O senhor tem comparações de estatísticas do Acre em relação a outros estados?
EMYLSON FARIAS – Não fizemos ainda. Mas penso que este seja um número extremamente exagerado e isso nos preocupa muito. Estamos provocando mais a área social, para que se envolva mais com essas questões e para que consigamos barrar o problema antes que ocorra.

A GAZETA – A maioria das prisões ocorre a partir das denúncias?
EMYLSON FARIAS – A grande maioria é. Mas temos situações que já são fruto de investigações do serviço de inteligência da polícia. Por exemplo, quando há uma prisão por tráfico de drogas, as delegacias se comunicam. A DRE, que é a delegacia de repressão a entorpecentes, cumpriu um mandado de busca e apreensão e viu que, no local, havia duas crianças com indícios de abalos psicológicos. Essa demanda da DRE faz com que a assistente social do Nucria visite aquela casa ou família e possa pedir uma intervenção policial no local. A partir daí, se desenrola a investigação. Mas, sem dúvida, o grande aliado da polícia para efetivar essas 180 prisões tem sido a população. Então, eu afirmo que esse número só foi possível porque a população viu no Nucria essa referência.

A GAZETA – Sabemos que os crimes de pedofilia não acontecem somente entre as classes mais baixas. Existe também uma grande e perigosa rede formada entre as classes mais altas da sociedade. Pessoas que utilizam o poder, prestígio ou sua boa condição social para aliciar e explorar sexualmente menores. O senhor tem conhecimento de casos desta natureza? A polícia está investigando?
EMYLSON FARIAS – Sim. Existem várias investigações em curso. Muitas, pela própria natureza delas, estão sob segredo de justiça, e é necessário que seja feito assim.

A GAZETA – Mas o senhor acredita que essas prisões vão chegar também entre essas classes mais altas? A polícia do Acre vai conseguir atingir isso?
EMYLSON FARIAS – O que eu posso te dizer (pausa)… É que o braço da polícia vai alcançar, sim, toda e qualquer pessoa que praticar esse tipo de crime (firme). Eu não posso entrar em detalhes, mas posso dizer que vai chegar o momento em que as provas estarão maduras o suficiente, e que a gente vai promover essa ação, seja a pessoa de qual classe social for.

Vale ressaltar que nessas 180 prisões não há só pessoas da zona rural, de baixa renda, não. Tivemos caso de professor preso dentro de escola, de professor universitário.

E é extremamente importante que a gente faça esse debate com a imprensa, de maneira muito clara e direta mesmo, porque na hora em que essas pessoas são presas, por elas terem um certo “relevo” social, acaba existindo um movimento de certos setores, e a polícia, de certa forma, vai ficando pressionada, embora esteja absolutamente tranquila do trabalho que faz.

Por exemplo, quando esse professor foi preso, havia um sentimento que foi explicitado em vários veículos, de que aquela pessoa era uma pessoa muito bondosa… Esse é um sentimento próprio do senso comum. A gente, às vezes, se recusa a acreditar que uma pessoa que está próxima da gente estuprou alguém.

Então, precisamos mesmo fomentar esse debate, para que a sociedade tenha também maturidade para entender que aquilo é resultado de uma investigação, que as provas estão postas, que quem vai julgar é o judiciário e que todo mundo está à mercê da lei. Ninguém está acima dela.

A GAZETA – A polícia do Acre está suficientemente preparada para combater a pedofilia?
EMYLSON FARIAS – Acho que temos que estar nos preparando sempre. As pes-soas que estão no mundo do crime buscam sempre uma ‘porta’ para poder se renovar. Eu acredito que nós estamos sempre um passo à frente, pelos números que vem sendo apresentados. Estamos preparados, sim, para esse enfrentamento, mas, claro, não podemos baixar a guarda. Nessa área de segurança pública, se a gente baixa a guarda, a gente perde o jogo.

A GAZETA – Como a sociedade pode ajudar mais?
EMYLSON FARIAS – Não podemos nunca deixar de nos indignar com um crime desses. Cada crime que ocorre tem que provocar na gente um sentimento de indignação muito grande. É esse sentimento que eu tenho, que o nosso governador tem, e que a gente procura passar para todos os policiais civis que estão na rua, fazendo um trabalho de investigação.

E, claro, a sociedade precisa ajudar denunciando, fortalecendo os abrigos, as entidades de apoio. Nós temos muitas denúncias anônimas, a grande maioria, e isso precisa continuar ocorrendo. A pessoa não precisa se identificar, mas precisa fazer a denúncia e confiar que a polícia vai cumprir o seu papel.

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