Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

Rio + 200

Seria impossível escapar essa semana dos assuntos relacionados a Rio + 20. Apesar de que este tema tem sido tão dominante nas diferentes mídias que talvez fosse até dispensável tratar dele aqui. Mas, como uma maneira de fugir do lugar comum das últimas notícias e do balanço dos resultados obtidos ou não por essa importante Convenção, queria tentar buscar um certo olhar retrospectivo.

Sinceramente, não é que esteja me sentindo velho. Muito antes pelo contrário. Já disse no artigo passado que me sinto na flor da idade. Mas é que tem certas coisas que mudaram demais em pouquíssimo tempo. E, por isso mesmo quando a gente dá uma simples e breve olhada pra trás, chega a se assustar.

Uma dessas coisas que sofreram uma reviravolta imensa foi a nossa relação, tanto individual como coletiva, com o meio-ambiente. Esse papo de ecologia, de ambientalismo, de sustentabilidade, de proteção do planeta e de seus recursos naturais como ideias disseminadas e aceitas pelo senso comum não tem trinta anos ainda.

Na minha época de menino, ninguém falava disso. Pelo contrário, ninguém ligava pro tamanho do desmatamento da Mata Atlântica, do Cerrado ou da Amazônia. Aliás, durante muito tempo desmatamento foi sinônimo de progresso.

Lembro-me perfeitamente dos programas de “Amaral Neto, o repórter”, famosos nos anos 70, que mostravam o “heróico” trabalho de homens e máquinas na abertura da Transamazônica, rasgando a floresta bruta e selvagem para levar a “civilização” até o imenso Brasil inexplorado. Ou então, daquele outro programa em que o “intrépido jornalista” mostrou com riqueza de detalhes como era feita a caça de baleias em alto mar, bem como seu esquartejamento industrial feito ainda nas próprias baleeiras. Mas tudo bem… Naquele tempo ainda nem havia sido inventada a ideia do “politicamente incorreto”. Além do que, vivíamos a Ditadura Militar e a propaganda dizia que esse era um “país que vai pra frente”. Tá certo que ninguém nunca pareceu saber ao certo onde ficava mesmo essa “frente”, aqui ou acolá. Aquele velho dilema entre ser uma cópia malfeita dos Estados Unidos ou uma bem sucedida espécie de África do Sul Latina e cordial… Mas isso era apenas um insignificante detalhe…

E, mesmo mais recentemente, onde houvesse praias em áreas urbanas, lá estariam as famigeradas línguas negras de esgoto cortando as areias brancas. E o mais sintomático é que ninguém ligava a mínima. As famílias continuavam se banhando pertinho do esgoto como se não tivesse nada demais e micoses e doenças de pele fossem pura ficção. Aliás, ninguém nem usava ainda protetor solar e as meninas gostavam de tostar ao sol durante o dia inteiro, se possível passando coca-cola pra acelerar o bronzeamento, segundo se acreditava então. Bons tempos aqueles, pelo menos a gente tinha menos preocupações e tudo era um pouco mais inocente…

Aqui no Acre não era nada diferente. Não custa lembrar que durante muitos anos e até algum tempo atrás, o que não prestasse era pra “rebolar no mato”. Isso servia para qualquer tipo de lixo, o orgânico virava alimento pras galinhas do quintal, os demais eram recobertos pelo mato rapidamente e nem era mais percebidos. Bem, pra falar mesmo a verdade, em algumas margens de igarapés de nossas cidades, ainda se “rebola no mato” o que não presta… mas ai já é outra história.

Além disso, não faz muito tempo mesmo, pouco mais de vinte anos, se tanto talvez, que “seringueiro” era sinônimo de caipira, de Jeca Tatu. Era infalível. Bastava ver o homem andando na frente, a mulher um pouco atrás pisando nos passos dele e a fieira de meninos pisando no rastro dos pais, pra exclamar: Olha como fulano é seringueiro!!! Até parece que tá andando na estrada de seringa… rsrsrsrs… Ôôôô povo atrasado!

Ou, pior ainda. Não é tão difícil assim de lembrar que naquele tempo dos empates pela defesa da floresta, a polícia, os juízes, os governos estavam do lado dos desmatadores e no mínimo empatavam os seringueiros de empatar a derrubada. No máximo prendiam tudinho. Afinal, que esse povo queria mesmo? Impedir a marcha do Progresso? Continuar vivendo de seringais falidos? Floresta boa era mesmo floresta derrubada então.

Como também não é difícil de lembrar da peregrinação do Chico Mendes pelas redações dos jornais tentando ser ouvido, tentando ver suas denuncias de crimes contra trabalhadores simples publicadas, em vão. Segundo ouvi contarem, era sempre a mesma coisa. O Chico chegava na redação deste ou daquele jornal. Logo surgia o comentário. Ixi chegou ai aquele chato! Atende ele tu! Eu não! É sempre a mesma ladainha, ameaça de morte, violência, derrubada, vôte! Tô fora! Foi preciso o cara começar a ganhar um monte de prêmios internacionais pra passar a ter valor por aqui também… Mas não é o que diz a voz popular? Que “Santo de casa não faz milagre”

Pois bem, não dá pra deixar de admitir que isso tudo mudou radicalmente. Hoje em dia, nossos meninos já crescem sabendo que é preciso usar protetor solar pra não ter câncer de pele, que o aquecimento global tá mudando o clima do planeta e que é preciso proteger as espécies de animais e plantas ameaçados de extinção em nome da biodiversi-dade. E o programa que passa na televisão “a cabo” mostra os defensores de baleias tentando impedir os navios japoneses de matar mais baleias, ainda que com a desculpa esfarrapada de que é pra pesquisa científica, como se ninguém soubesse mesmo o que eles fazem com essas baleias mortas.

E as ideias e lutas que antes eram privilégio dos “Ecochatos” hoje fazem parte dos currículos escolares, são ardorosamente defendidas pela grande imprensa e pressionam cada vez mais a agenda dos governos, graças a uma opinião pública mais e mais consciente e exigente de soluções sustentáveis nas mais diversas áreas da vida. Da composição do shampo que usamos inocentemente no chuveiro, à necessidade de criar fontes de energia limpas que minimizem a concentração de carbono na atmosfera.

Entretanto, a julgar pelo que se tem avaliado dos frágeis resultados da Rio + 20, ainda que a maior parte da população mundial tenha modificado radicalmente sua forma de ver a vida no planeta Terra, os governos em geral não conseguiram acompanhar o tempo e operar mudanças radicais também em suas políticas de desenvolvimento. A culpa tem sido colocada na crise européia, nas dificuldades econômicas norte-americanas, na falta de sensibilidade do governo chinês. Mas custo a crer que ainda que o mundo estivesse naquela bolha de crescimento acelerado em que nos encontrávamos a menos de cinco anos as coisas seriam diferentes. Afinal vivemos a era do crescimento pelo crescimento. Para uma população que cresce ininterruptamente é preciso crescer economicamente de forma contínua. Precisamos de mais matérias primas para gerar mais produção para gerar mais empregos e assim por diante rumo ao infinito.

É triste, mas infelizmente é verdade. Se a Rio + 20 acontece sob a égide de uma pronunciada transformação social, depois de apenas 20 anos que fizeram muita diferença para as pes-soas em geral, desde a Rio 92. Os governos parecem que ainda vão precisar de mais uns 200 anos para perceber que algo de errado há no paradigma dos governos de todo o mundo… Será que ainda teremos algum tempo então?

Obs: Queremos aproveitar para agradecer a promoção desta coluna semanal para a página 2. Agora poderemos aprofundar um pouco mais os assuntos aqui tratados pela generosidade do espaço disponível, inclusive passando a contar com imagens. Por isso, a turma que escreve essa coluna agradece sinceramente ao Silvio, à Geisy e a toda turma do jornal.

* Marcos Vinicius Neves (mvneves27@gmail.com) é historiador.

Sair da versão mobile