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Sócrates, Aznavour, cinema francês e os magos

Fui almoçar ontem no Café do Theatro com a Golby Pullig. A ideia era bem simples: um lugar agradável, boa comida (super recomendo o molho de pimenta. Simplesmente wonderfullll!!) e um bate-papo com uma amiga querida. Estávamos lá saboreando um filé brasileirinho (delícia!) falando sobre amenidades (mulher não conversa sobre futilidades, tá?) e, de repente, não mais que de repente, ouço uma música e, voilà, descubro que toca música no ambiente!

Daí que eu parei a conversa com a Golby e comecei a falar sobre a música. E ela: que música? Eu: essa que tá tocando, Golby. E ela nem tchum de entender o que eu dizia, até que eu disse; Golby, essa música que tá tocando, She, do Charles Azna-vour, só que na versão do Elvis Costello, tema de Um lugar chamado Nothing Hill, lembra? Claro que ela demorou uns três minutos para processar tanta informação, mas como amiga é amiga me disse: ah, essa? Agora eu ouvi…

Em um minuto, todas as coisas que eu queria conversar com a Golby ficaram em segundo plano. Voltei no tempo. Fui para 1999, 2000. Tempos difíceis. Tempos de profundas mudanças no Acre. Governo da Frente Popular, investigações do esquadrão da morte, trabalho, muito trabalho e um clima ‘tenÇo’ (assim com cedilha, mesmo que significa um tenso muito tenso e intenso, compreende?), mas também de excelentes oportunidades de compartilhar conhecimento, experiências, amigos (ah, os amigos!!!).

De volta ao trabalho vou para o YouTube (claro!!), separo as duas versões mais conhecidas: Costello e Aznavour e fico ouvindo e ouvindo, até que o Marcos Vinícius bota a cara na sala e diz: alguém para fazer o Lá e Cá de hoje? Ao que eu prontamente respondo: pode escrever sobre besteirol? Se pode eu escrevo, mas vou logo avisando: é besteira, viu? Aperreado com mil e uma coisas a fazer, claro que ele disse sim, né? E cá estou eu…

Já gastei quatro parágrafos de nariz de cera (o lá e cá corre um sério risco de perder leitores a partir de hoje e a culpa é de quem, de quem?) para na maior cara de pau (haja óleo de peroba, gzuisses!!!) dizer para vocês que, tal como Sócrates, só sei que nada sei. Paro um pouco e passo “as vistas” no Facebook e no Twitter. No face (Rá, quanta intimidade!) meu querido ex-professor Felipe Pena posta a foto que ilustra esse texto com uma frase emblemática: Cá estou, mas não sou eu. Vou lá e escrevo: Isso é tão cinema francês. Tão Paris… Se é que eu entendi? Acho que não…

Você entendeu? Não? Eu também não, acredita? Mas é que a vida em rede é assim, cheia de senões, talvez, quem sabe e, principalmente, o bom e velho Sócrates: só sei que nada sei. Sócrates, o filósofo que não escreveu uma única linha, mas que tanto nos influencia graças aos escritos de Platão, aquele lindom (calma, não se escarneçam, crianças, é só uma menção às novas mídias!). E o que Sócrates, Aznavour , a Golby tem a ver com essa bagaça? Ah, gente, tudo a ver.

Tá, a Golby entrou de gaiata nessa canoa, mas Sócrates, não. Sócrates se faz necessário por um motivo simples: no Acre de hoje é muito melhor que de um passado recente. Não é um paraíso. Não é a oitava maravilha do planeta, mas é muito, muito melhor do que o Acre das décadas de 1980, 1990. Apesar da mudança visível, da transformação absurda, o que não falta é gente dizendo aos quatro ventos: só sei que nada sei. Melhorou? É melhorou. Mas melhorou pouco. Mudou? Mudou, mas mudou pouco. Gente que, pelo discurso nas redes sociais, nas praças, nas ruas (e não estou falando só dos políticos, não, mas de pessoas dos mais diversos segmentos sociais). Ou são parentes do Merlin, do Gandalf ou saíram direto do Sítio do Pica Pau Amarelo com as mãos cheias de pó de pirlimpimpim. Sim, porque me impressiona a capacidade que todos tem de usar a vara da Madame Mim  (sempre gostei mais da Maga Patolójika) para transformar todos os problemas do Acre assim num piscar de olhos, como se vivêssemos  no Fantástico  Mundo de Bob. Mas reconhecer o trabalho que vem sendo feito que é bom…

Eu acho que o Acre é o melhor lugar pra se viver, sim. E não é porque tenho uma imaginação fértil que me faz, ao ouvir uma música remontar há anos, décadas atrás. Acho que o Acre é o melhor lugar pra se viver porque aqui é o meu lugar. Eu nasci aqui, eu cresci aqui. Meu sentimento de pertencimento à floresta, já nasceu comigo. Não é resultado de uma ação de governo. O governo vem e vai. Uns bons, outros nem tanto. Uns péssimos outros marrom (marromenos). E acredito que sempre pode melhorar.

Não moro em Neverland (embora goste muito de lá, sabia?). Moro em Rio Branco, Capital do Acre. Tá bom, tá bom, moro no universitário city, mas lá é legal, sabia? Pergunta pro Arison Jardim, que já tentou mudar de lá uma par de vezes e voltou… Moro numa cidade de porte médio com problema de cidade grande. Uma cidade pequena com benesses que poucas cidades do seu porte possuem. E eu quero mais é que o Acre melhore. Sempre. E não vai aumentar minha queda de cabelo – que não é pouca – reconhecer que vivemos em um lugar muito melhor. Que temos governantes comprometidos com as causas do povo. Sigo – hoje, ouvindo e cantando She, lembrando dela, a minha cidade, que pode ser “a bela ou a fera, a fartura ou a fome”, mas enquanto vivo aqui, é ela que deve ser a razão pela qual eu sobreviva. E, diferentemente do Felipe, essa sou eu.

*Charlene Carvalho é jornalista e cientista social.

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