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Obra no MP do Amazonas tem desvio de 82%

De um lado, uma rara demissão de uma procuradora da República concursada por supostos desvios funcionais. De outro, uma obra na sede do Ministério Público Federal do Amazonas na cidade de Tabatinga, que contabiliza um desvio de 82%. No meio, uma polêmica que divide os procuradores em todo o país. Esses são os ingredientes de uma história que tem posto em polvorosa a Procuradoria da República e enchido as caixas de e-mails da rede interna dos procuradores, que, em meio às ações e denúncias dos quais são responsáveis, não se cansam de lavar também a roupa suja da própria casa. Quem tem razão: a procuradora afastada Gisele Bleggi, ou aqueles que decidiram afastá-la? Por trás da demissão de Gisele, estaria o caso de desvio de dinheiro da obra no Amazonas?

Como mostrou o Congresso em Foco, Gisele Bleggi foi afastada do Ministério Público no período de estágio probatório após um processo na qual foi acusada de vários problemas funcionais, desde várias faltas sem justificativa até ter guardado no prédio do MP uma motocicleta contrabandeada. Entre os problemas, havia também o fato de Gisele ser casada com o engenheiro Júlio Cunha, responsável pela reforma da sede do MP em Tabatinga – a procuradoria não poderia ter contratado um profissional com vínculos de parentesco com servidores.

Vários procuradores reagiram à decisão de afastar Gisele, que foi confirmada na terça-feira (5) pelo Conselho Superior do MPF. Ela recebeu o apoio, inclusive, da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Agora, na esteira do afastamento de Gisele, surge a história do desvio de recursos na obra do MP do Amazonas. Gisele alega que o MP de Tabatinga voltou-se contra ela para abafar os problemas verificados na reforma do prédio.

Segundo as investigações, nada menos que 82% dos R$ 413 mil pagos para fazer uma reforma na sede do MP em Tabatinga, onde trabalhava Gisele, foram desviados.

Tabatinga fica na divisa entre o Brasil e a Colômbia. Os suspeitos no inquérito policial são os próprios servidores da Procuradoria da República e o dono da empresa que assinou o contrato, que chegaram a ser presos no início do ano e são acusados de “pagamentos clandestinos”. Na obra, atuou como engenheiro responsável o marido de Gisele. De acordo com as investigações, ele, porém, não participou do desfalque. Houve três prisões preventivas, mas os acusados estão em liberdade atualmente. Ainda há um procedimento administrativo investigando os funcionários.

Com risco de ser expulsa do Ministério Público, Gisele Bleggi faz uma relação entre seu afastamento e o desvio constatado na obra. Em entrevista ao Congresso em Foco, ela conta que Thales Messias Pires, o ex-chefe da instituição no estado, omitiu-se sobre as irregularidades na obra ao mesmo tempo em que procurava persegui-la.

Licitação direcionada – De acordo com o inquérito policial 909/2011, a então coordenadora de Administração da Procuradoria, Vânia Maira de Brito Queiroz, direcionou a licitação para a reforma em Tabatinga à empresa Queiroz Serviços de Conservação e Manutenção Ltda., dirigida por Antônio Farias de Oliveira. Segundo a Polícia Federal, ela tinha “estreito vínculo de amizade” com o empresário.

A empreiteira ganhou a concorrência para entregar a obra, ao preço de R$ 762 mil, em seis meses. O contrato foi assinado em janeiro de 2011. Segundo a PF, Vânia foi responsável para que a firma de Farias deixasse de depositar uma garantia-caução de R$ 38 mil.

Segundo os autos do processo, foram pagos R$ 413 mil à Queiroz Serviços, mas só os primeiros R$ 74 mil foram aplicados na reforma. Os outros três pagamentos foram classificados como “clandestinos”, ou seja, foram desviados. Assim, pelo que foi desembolsado, mais da metade da obra já deveria estar concluída. Mas 82% do que foi pago sumiu. A reforma está paralisada.

A PF afirma que Vânia ordenou que o engenheiro responsável Edgar Lima Menezes não fizesse mais medições e que fossem feitos os próximos pagamentos. O engenheiro responsável pela obra antes, Júlio Cunha, o marido de Gisele Bleggi, confirma a ordem para suspender a fiscalização. A polícia ainda diz que o marido de Vânia mandou Edgar Menezes assinar uma fatura em abril. Walace se reuniu várias vezes a portas fechadas dentro do Ministério Público com o empresário Antônio Faria, segundo os investigadores do caso.

O inquérito informa ainda que a coordenadora Vânia sequer cumpriu a ordem do procurador-chefe do MPF no Amazonas, Thales Messias, para permitir que ele lesse a papelada do contrato em agosto do ano passado, quando o desfalque já havia acontecido. Escutas ambientais e quebra do sigilo telefônico dos investigados reforçam a tese da polícia.

Defeitos e mão no fogo – Condenada a sair do Ministério Público por suspeita de contrabando, faltas injustificadas em excesso e postura que poderia ser classificada como antiética, a procuradora Gisele Bleggi afirmou ao site que seu ex-chefe se omitiu no caso da reforma em Tabatinga, onde ela estava lotada. Ela diz que o procurador Thales Messias Pires “colocava a mão no fogo” por Vânia. Disse que ele é o responsável pela obra, já que assinou o contrato com a empresa Queiroz Serviços, o que seria um entendimento do TCU.

Paralelamente, ela diz que o ex-chefe a perseguia, porque ela, como mulher do engenheiro responsável pela obra, mostrou interesse pelo caso. “Ele não fiscalizou o que tinha que fiscalizar. Quando eu fui falar com ele, disse que botava a mão no fogo pela Vânia. Ele ficava preocupado em catar defeitos das minhas coisas”, criticou Gisele Bleggi. Mesmo não sendo ela a responsável pela contratação, o fato de Júlio ser seu marido pesou entre as argumentações feitas para justificar o afastamento de Gisele.

Thales Messias não comentou as declarações de Gisele Bleggi. Mas a assessoria da Procuradoria negou que a delegação da fiscalização da obra à servidora Vânia Queiroz tivesse sido ato de desleixo do ex-chefe do MPF amazonense. “O ato ocorreu em estrita consonância com os regramentos legais e normas internas da instituição, tratando-se de prática rotineira na administração pública”, informaram os auxiliares de Thales, em nota ao site.

Sem telhado – Além das investigações, o Ministério Público rescindiu o contrato com a Queiroz Serviços e aplicou punições à empreiteira. A paralisação da obra provocou os mais variados transtornos. Estava incluída na obra a reforma do telhado. A construtora removeu o telhado antigo e não chegou a colocar o telhado novo.

De acordo com o procurador Sílvio Pettengil, o inquérito da PF está quase pronto e ele deve oferecer a denúncia à Justiça em breve. Ele disse ser difícil Gisele Bleggi apontar a eventual responsabilidade de Thales Messias no caso, mas preferiu não dizer se isso constava em sua investigação. “Nem digo que há nem que não há [responsabilidade de Thales]”, disse Pettengil aosite.

Vânia, Walace e Antônio Farias foram presos em dezembro do ano passado, mas foram soltos em janeiro deste ano. A reportagem não os localizou. Não houve retorno às mensagens enviadas para os advogados dos dois servidores do Ministério Público. (Congresso em Foco)

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