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‘CORTINA’ DE FUMAÇA – DE QUEM É A CULPA?

Estudo do Inpe revela que os acreanos ‘ainda’ são os responsáveis por metade da fumaça emitida na Capital
Acabou aquela velha desculpa de que a fumaça que invade o céu Rio Branco durante o ‘verão’ amazônico é ‘importada’ de outros estados e até de outros países. Segundo um estudo inédito do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), intitulado ‘Estimativas de Fontes de Emissão de Fumaça na Amazônia’, o Acre é responsável por uma variação que vai de 20 até 60% da concentração de micro particulado 2,5 ug/m³ de fumaça (um tipo de partícula menor e, por isso, é mais facilmente ingerida pelo sistema respiratório humano) na atmosfera da Capital, entre os meses de agosto a outubro.

Em outras palavras, antes de ‘culpar’ outros estados e países pela poluição da fumaça no ar, os acreanos não podem deixar de se empenhar em fazer a sua parte para controlar as queimadas locais. Lidar com esta questão deve ser um trabalho simultâneo, dentro e fora do Estado.

O estudo foi feito em um perímetro de quatro lados, de 90 Km cada (8.100 Km²), abrangendo a cidade de Rio Branco inteira e partes de alguns municípios vizinhos (Quinari, Plácido de Castro, Bujari e Porto Acre). Ele é referente aos meses de agosto, setembro, outubro e novembro, que são os de maior intensidade das queimadas (e, consequentemente, de maior emissão de fumaça) na região. A simulação do Inpe é referente aos anos de 2005, 2008, 2009 e 2010.

O estudo do Inpe foi realizado pelos pesquisadores Fernando Cavalcante dos Santos, Karla Longo, Nilton Rosário e Saulo Ribeiro de Freitas, a pedido do Ministério Público Estadual (MPE/AC). Para chegar a tais conclusões, o pesquisador Saulo Ribeiro explicou a metodologia adotada. Segundo ele, os resultados foram obtidos através da simulação local baseada na atividade meteorológica local, combinada com o trabalho de etiqueta feito com as partículas de fumaça. No primeiro processo, os pesquisadores usaram o estado climatológica atual (levando em conta fatores como o sentido e o transporte dos ventos) para se descobrir uma situação futura. No segundo, foi relacionada à quantidade de particulado gerado por cada lugar. Daí, foi feita a confluência de dados.

“Obtivemos todos os dados e, através do sensoriamente remoto feito por satélite, podemos obter a simulação do cenário das partículas de fumaça no perímetro da cidade. A partir daí, foi possível prever com quanto cada área vizinha havia contribuído da fumaça local”, detalhou  Saulo.
Fernando, Foster e Saulo Freitas falam sobre o estudo
A importância e a necessidade prática para a pesquisa do Inpe
Qual é a importância do estudo? Como ele surgiu? Para situar o ponto de partida da pesquisa do Inpe, o professor Irving Foster Brown, um dos articuladores do MP com o Inpe, contou os detalhes. De acordo com ele, sempre havia uma tendência, um ‘lugar comum’, nos acreanos ao afirmar que a fumaça vinha dos estados vizinhos, do Peru e da Bolívia. No entanto, era preciso fazer um levantamento mais aprofundado para concluir, com fatos, tal conjectura.

Ciente desta necessidade, o professor Foster Brown contou que o Ministério Público Estadual reuniu os agentes de combate às queimadas locais e discutiu com eles a necessidade real de ter o estudo. Daí, veio a proposta de contatar o Inpe e seus pesquisadores para realizá-lo.

Feito o estudo, Foster avalia que a conclusão principal dele é a de que os acreanos agora sabem que são responsáveis por quase a metade das partículas de fumaça dispersas na atmosfera de Rio Branco. “Isso significa que podemos resolver quase, e até mais da metade do problema. Já pra outra metade a solução é mais complicada, pois não depende só de nós. Não está ao nosso controle. Mas esta metade que é da nossa responsabilidade está. Portanto, temos de estender as nossas políticas públicas para erradicar o uso do fogo na agricultura local (com alternativas para ele), fazer um melhor uso da terra, e assim por diante”, apontou o especialista.  

Já os pesquisadores do Inpe, Saulo Ribeiro de Freitas e Fernando Cavalcante, destacaram os impactos das cortinas de fumaça que se formam na região. Conforme eles, a ‘neblina cinzenta’ impede a formação de nuvens de chuvas na região; degradam a qualidade do ar respirado pelos acreanos (o que geram as chamadas doenças e distúrbios respiratorios); emite gases que atrapalham a produtividade agrícola local/transfronteiriça.

“A atmosfera é um sistema aberto. Uma vez dispersada a partícula de fumaça, e o seu lugar de origem perde controle sobre ela. Ela pode ir pra qualquer lugar. E só a atmosfera será capaz de dissipá-la. E, com este estudo, pudemos constatar e contestar duas noções que os acreanos já tinham. A primeira é que, ao contrário do que se dizia, o Acre predomina sim com grande parte na contribuição da emissão da fumaça local. A segunda veio para reafirmar o que já se presumia, que outra grande parte vem sim da Bolívia, Amazonas e demais lugares vizinhos”, concluiu Saulo.

Resultados do estudo sobre de fontes de emissão, ano a ano
2005 No ano que foi considerado o ‘pior das queimadas’, o ponto crítico, o marco para que todos os setores do poder público se ‘mexessem’ contra o problema, o estudo do Inpe indica que o Acre foi o culpado pela maioria de particulado presente na ‘nuvem de fumaça’ que tomou o perímetro da Capital. Em agosto, o Acre foi responsável por 55% da concentração de partículas de fumaça em Rio Branco; o Amazonas por 34%; Bolívia por 6%; Rondônia por 4%; e Pará por 1% . No mês seguinte, o Acre teve 60% de culpa ‘no cartório’; AM 26%; Bolívia 6%; RO 5%; Peru 2%; e PA 1%. Em outubro, o Acre teve 38%; o AM 29%; RO 17%; Bolívia 16%. Por fim, em novembro o Amazonas teve 45% de culpa na fumaça local; PA 28%; RO 20%; e Acre 7%.    

2008 Três anos depois da catástrofe ambiental de 2005, o Acre se manteve como maior contribuidor entre agosto a outubro. Em agosto, a parcela de culpa do Acre foi de 30%; do Pará foi 19%; Amazonas 18%; Rondônia 18% e Bolívia 16%. Em setembro, o Acre teve 50% da fumaça local; Rondônia e Amazonas 20%; e Bolívia 10%. No mês seguinte, o Acre ficou com 28%; Rondônia 26%; Bolívia e Amazonas 18%; e MT com 10%. Em novembro, a Bolívia foi a grande vilã da fumaça com 63%; enquanto o Acre teve 12%; o Amazonas 10%; Peru 5%; RO e Mato Grosso 4% e Pará 2%.

2009  Em 2009, o Acre entrou em agosto mantendo suas médias, mas teve uma ‘cortina’ de fumaça desproporcional vindo do Amazonas e Bolívia também. Com efeito, o AM começou agosto sendo o maior contribuidor da fumaça em Rio Branco com 50%; o Acre teve 40%; PA e Bolívia 4%; e RO 2%. Em setembro, o Acre tomou a frente com 28%; Bolívia teve 25%; AM 20%; RO 17%; e PA 10%. Em outubro, o Acre subiu para 40%; AM ficou com 22%; Bolívia 20%; PA 10% e RO 8%. Em novembro, a Bolívia teve uma representatividade de 34% da fumaça da cidade; PA de 27%; AM 19%; RO 11%; e Acre 10%.

2010  No último ano da pesquisa, o cenário da participação local já começou a melhorar. No entanto, o Acre ainda se manteve na liderança das contribuições em agosto e setembro. No 1º mês de queimas, o Acre ficou com 29%, seguido da Bolívia (28%); AM (19%); RO (19%); PA (3%) e MT (2%). Em setembro, o Acre emitiu 40% do particulado de fumaça local; Bolívia e AM 18%; RO 15% e PA 9%. Em outubro, a Bolívia passou a dianteira com 37%; o Acre teve 33%; RO teve 18%; e RO 12%. Em novembro, a Bolívia se manteve como maior responsável pela fumaça de Rio Branco com 40%; seguida do PA com 35%; Acre com 10%; AM com 8% e RO com 7%. 

A Gazeta do Acre: