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Nova desembargadora acreana já foi empregada doméstica

Dr.-Denise-BonfimQuando receber a toga e o colar de mérito hoje à noite na sessão solene de posse no Tribunal de Justiça, a acreana Denise Castelo Bonfim, estará realizando um sonho que tem desde que se formou em Direito aos 19 anos: ser desembargadora. Mas até chegar ao cargo, o caminho foi longo. Logos depois da formatura, no Espírito Santo, não deu para manter o escritório de direito com parentes, então ela foi morar nos Estados Unidos e Portugal, onde foi empregada doméstica. Nos EUA não teve dificuldades para se comunicar porque também havia feito o curso de inglês na Universidade Federal do Espírito Santo.

Foram mais de quatro anos na função de empregada doméstica. Ela não se envergonha de contar a história, até porque humildade não falta a essa filha de um padeiro e uma funcionária pública. “Era mais o sonho de morar nos EUA, nem ganhei dinheiro para manter escritório, mas a experiência valeu. Acho que aprendi a ser mais humilde, marca que já trazia dos meus pais”, ressalta.

Na volta para o Brasil, Denise Bonfim, veio para o Acre e em 1993 foi aprovada em segundo lugar no concurso público para o cargo de Juíza de Direito. Depois de alguns postos, passando por Sena Madureira, está há 15 anos como titular da Segunda Vara Criminal de Rio Branco.

Foi no gabinete dela, no Fórum Criminal, que Denise Bonfim, recebeu nossa reportagem. Com o jeito inquieto, vestido florido, fumando e alegre, ela dava entrevista, atendia a  telefonemas  e coordenava a mudança para o novo gabinete de desembargadora. Divorciada, católica, mãe de dois filhos, aos 46 anos, Denise Bonfim  esbanja energia e disposição para o novo desafio. 

A GAZETA – A senhora esperava ter o nome indicado para a décima vaga de desembargador e por merecimento?
Denise Bonfim – Na verdade foi uma surpresa. Eu sempre achei, que pelo meu perfil, seria indicada por antiguidade. Não posso dizer que sou muito sociável.  Mas tive votos de seis colegas e fiquei muito feliz. Claro que em todas as profissões a gente almeja o topo o que na minha carreira é o cargo de desembargador.

A GAZETA – Mas sua colega Regina Longuini recorreu ao Conselho Nacional de Justiça para impedir sua posse. O que restou desse episódio? E a Sra. teme algum tipo de problema com o presidente do TJ, Odair Longuini, que é marido da juíza que queria seu lugar?
Denise Bonfim – Acho que quem se sentir prejudicado em algum direito tem que correr atrás do que almeja. Eu talvez no lugar dela tivesse feito o mesmo. Soube que além dela, a Associação dos Magistrados do Acre – Asmac – tentou articular um movimento para evitar minha posse, mas no fim tudo deu certo e o CNJ entendeu que não havia nenhum problema na minha indicação. Espero que não haja nenhum problema da parte da Dra. Regina, porque eu não guardo nenhum tipo de mágoa. Nós somos colegas de mesmo concurso. Ela inclusive ficou em primeiro lugar e eu em segundo.  Quanto ao presidente, o desembargador Odair, nem me passa pela cabeça algum tipo de problema. Está tudo superado.  

A GAZETA – O que a Sra. achou do aumento do número de vagas no Tribunal de Justiça do Acre, passando de nove para doze?
Denise Bonfim – Achei maravilhoso. Os desembargadores que passaram pela casa deram sua contribuição valiosa. Hoje o TJ acreano é visto lá fora como honesto, sem corrupção e isso é fruto do trabalho de quem esteve e está aqui. Mas as novas vagas abriram a possibilidade de “arejar” um pouco o judiciário. Não digo mudar radicalmente nada, até porque leis não são mudadas assim. Mas falo no sentido de novas ideias com relação á administração, ao trato com os servidores, à modernização de informações.

A GAZETA – De acordo com o rodízio, em seis anos, a Sra. Deve ser a presidente do Tribunal de Justiça. O que será prioridade na sua administração?
Denise Bonfim – Como te disse os funcionários do TJ precisam ganhar melhores salários para “vestir a camisa do judiciário acreano”, porque os melhores acabam passando em novos concursos. Eles precisam de valorização, de equiparação, por exemplo, com a Justiça Federal. Outro ponto é com relação à informática: a Justiça acreana precisa se modernizar nesse aspecto, para dar celeridade aos trabalhos e melhorar a qualidade dos serviços. O cidadão sentiria na pele a diferença.

A GAZETA – A Sra. bem como os colegas já tiveram decisões reformadas por desembargadores. Agora também vai ter que fazer isso, alterar o que um juiz decidiu. Como será estar do outro lado?
Denise Bonfim – De 2007 a 2001 estive no colegiado do Tribunal Regional Eleitoral, onde já tive que alterar decisões de colegas juízes, e foi tranquilo. São os degraus da Justiça. E também não vou ficar chateada com desembargadores que, por exemplo, não acompanharem meu voto. São pessoas diferentes, com ideias e posições diferentes e isso tem que ser respeitado. Sempre vou votar de acordo com minha consciência, mesmo que vote sozinha.

A GAZETA – O Tribunal de Justiça do Acre acaba de divulgar a relação nominal com salários dos servidores, juízes de desembargadores. Que tal essa transparência, mesmo que determinada por lei?
Denise Bonfim – Quem é servidor público, mesmo que juiz ou desembargador tem que ter em mente, que é pago com dinheiro público, que sai do bolso dos cidadãos, portanto tem que “prestar conta” sim com o povo. Essa transparência já vem tarde…

A GAZETA – A discussão do momento é com relação ao Novo Código Penal. O que a Sra. considera como prioritário? E com relação às penas, devem ser aumentadas?
Denise Bonfim – Sou a favor da prisão perpétua em caso de crimes hediondos, com possibilidade de revisão da pena. Não considero que seja prioritário aumentar a pena máxima no Brasil, que é de 30 anos. Mas para o Código dar certo e para acabar com essa sensação de impunidade temos que mudar a Lei de Execuções Penais, porque o grande problema é a aplicação da lei. Uma pessoa que é condenada a oito anos de prisão, depois de um ano e meio, vai para o semiaberto e com mais um sexto, vai para o aberto. Isso precisa ser alterado.  

A GAZETA – Qual será a sensação daqui a pouco ao deixar essa  sala?  A desembargadora vai sentir saudades da juíza?
Denise Bonfim – Como juíza tenho contato direto com o povo. Tenho um carinho e um trato muito especial, por exemplo, com as mães, esposas dos apenados. Eu escuto, dou e recebo atenção. Vou sentir falta disso, porque os desembargadores perdem um pouco esse contato com o povo. Vou sentir muita falta dos funcionários, colegas, mas vou seguir o caminho que Deus traçou para mim.

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