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Relações desestabilizadas

Vivemos, hoje, um período de consternações. Há os dilaceradores de consciências que rumam para a guerra, com foice, carabina e facão que decepa. Há os que trabalham, cautelosamente, um processo de paz que terá como consequência, enfim, um longo período de produtividade. Assim é a nossa Universidade Federal do Acre, um tanto incomum, diria.

Todavia, o que eu digo de mim não pode ser aplicado a tantos. Tenho uma alma serena que sempre está cabisbaixa, de olhos postados no chão de uma história rasa, mas em perfeito equilíbrio. Não tenho porque andar por aí tropeçando e jogando o meu santo nome em vão… E isto não seria mais um chiste. Afinal, sendo assim bem leve, como eu poderei conviver com aqueles humanos alquímicos meros provocadores de cisões e confusões?
Este é um tempo de grandes empreendimentos que estão produzindo mudanças muito amplas. Anuncia-se uma época inovadora em que os conceitos de outrora começam a passar por redirecionamentos às vezes drásticos.

Em nome do equilíbrio e da sobriedade entre aquilo que faz parte de uma era anterior e o que pode ser considerado novo, bom mesmo é observar que os velhos paradigmas não estão completamente ultrapassados, posto que a racionalidade dos mais novos não deixará de considerar a contribuição dos pioneiros. A Universidade Federal do Acre tem uma história de lutas e progressos que precisa ser respeitada por todos quantos dela participarem, ou tenham participado, ou apenas tomaram conhecimento.

É claro que acirramentos não deixarão de existir. As gerações anteriores, pelo amadurecimento natural, sempre buscam perpetuar-se e até dormir por sobre a glória que já definha. Ao passo que os sábios mais novos têm a favor de si o espírito da modernidade e do avanço que dão o tom da sua participação no processo. E não poderia ser diferente. Afinal, nós os formamos. Eles se fizeram doutores e mestres com o nosso aval de pioneiros. A eles nós passamos a carta branca que os torna legítimos intelectuais formados nos mais conceituados círculos acadêmicos do Brasil. Nós os preparamos muito bem, obrigado. Agora eles dirão a que vieram, certamente, com a competência transmitida pelos mais velhos que lhes ensinaram os melhores caminhos. Eles e o seu bom desempenho são responsabilidades nossas.

As propostas defendidas pelo grupo representado pelos doutores Minoru Kinpara e Guida Aquino, candidatos a Reitor e Vice, são realmente inovadoras. A nossa Casa já não é tão moça e precisa de nomes  –  de homens e mulheres  –  que zelem por um futuro que ainda é nosso, mas que, também, é muito mais dos que surgem do mesmo berço de onde um dia surgimos em um passado não tão distante. Com o bom papel a ser desempenhado pelos mais novos, viremos a ser, em pouco tempo, referência internacional em áreas do conhecimento como a pesquisa acerca das doenças do trópico úmido, como a matriz jurídica que pensa a ecologia e a sustentabilidade de uma Amazônia produtiva, como a produção de energia limpa e de fonte renovável, como o fundamento econômico que vislumbra a economia verde, dentre outros fatores.

É preciso agir de modo a que consideremos a Humanidade tanto na nossa pessoa quanto na pessoa de qualquer outro, mas sempre como objetivo, nunca como simples meio. Para todos eu tenho uma finalidade, porque os quero mais felizes e ganhando salários cada vez maiores por estarem plenamente capacitados em cursos que também ensinarão a coexistência pacífica e produtiva. É Kant, o filósofo alemão, que dá base a este meu conceito de compartilhamento de ideias entre os que vivem o dia a dia desta Universidade.

Há convergências e estas devem coexistir. Num novo apelo filosófico, vou a Marx e lembro que dois pontos de vista contrários constituem a tese e a antítese. Mas, a partir do momento em que essas ideias opostas se unem ou aparam as suas arestas, temos a síntese e isto significa progresso.

O que deturpa o processo de crescimento da Instituição é uma fórmula medieval e estúpida que não admite adversários, opositores, concorrentes ou competidores. Há os que trabalham, aqui, sempre com a visão estreita e provinciana segundo a qual é mais vantajoso construir um inimigo a cada dia que Deus dá. Não dá!

A medida mais plausível seria que os atuais concorrentes, passado um dia das eleições, se reunissem e discutissem formas de apoio integral dos que não foram bem sucedidos em favor daquele que saiu vencedor do pleito. Esta, certamente, seria a prova de uma nobreza de caráter que eu não tenho visto até hoje. Não há porque se tornarem inimigos, se todos têm por objetivo a construção de uma Universidade pujante, progressista. Posições em contrário a esta revelariam, de qualquer um dos competidores, a simples busca do poder pelo poder, o que diverge na essência com os que querem compartilhar ideias.  

Tenho dito e escrito que a convergência pura e simples não leva ninguém a nenhum objetivo maior. Daí a necessidade de humanização das nossas relações. Eu sou parte do outro e o outro é parte de mim porque queremos prosperar juntos para o bem dos que ficam em casa à mercê do pão de cada dia conseguido com tanto esforço. Eu já chamo irmão aquele ente que acaba de nascer do ventre da minha mãe, há apenas dois minutos, ou menos. Daí, concluo que deve ser imensa a minha consideração e o meu respeito para com aquele que trabalha na mesma Ufac, comigo, todo o santo dia, já durante trinta e quatro anos. Ora, eu não sou romântico e ele não é meu inimigo. Jamais!

Um bom pensante, o Lev Tolstoi, disse que os homens podem ser diferenciados uns dos outros porque há uma metade deles que primeiro pensa, depois fala e, em seguida, age. E há a outra parcela que, ao contrário, primeiro fala, depois age e, por fim, pensa.  

Os primeiros são saudáveis, espiritualmente, porque compartilham princípios e metas, convergem, inovam e se tornam autoridades reais. A segunda metade é que desumaniza as relações. Eles são portadores de uma doença social chamada autoritarismo. São estes os que se impõem, mandam, reinam, determinam… Aí, quando vão ver, o estrago já está feito e é apenas com a ajuda de muitos anos que alguns prejuízos podem ser reparados, vagarosamente. Rejeitemo-los, então.

Numa analogia pequena, se voltarmos um pouquinho a roda da História, veremos que, entre os autoritários, o mérito nunca se impõe. Por isto os grandes impérios têm ruído. A cada um deveria ser dado segundo as possibilidades reais de participação consubstanciada no processo de desenvolvimento. Só estabelecer-se-iam os competentes.

Em síntese, garanto que esse tipo de democracia (da negação do mérito) não produz avanço porque não dá chances e muito menos oportunidades. Os autoritários que se apegam a condutas assim desvalorizam o labor científico  – que legitimaria as nossas ações  –  e partem de mãos dadas com os bajuladores, os maledicentes e os perseguidores, e não veem que o inimigo recomendado pelos sequazes é exatamente aquele que poderia ajudar muito mais porque tem mais substância.

O Kennedy disse algo parecido com o que segue. Todos nós temos talentos diferentes, mas gostaríamos de ter oportunidades iguais para desenvolver os nossos talentos. Assim, não cabe somente a mim a busca pela ilustração do meu talento, do meu espírito, da minha competência. Eu sou um homem de estudos e os bem-intencionados devem se aproveitar disto. Antes, bem antes, as oportunidades, desde os primeiros tempos de contrato, deverão ser dadas pela Instituição, uma vez que a nossa necessidade maior é a formação de consciências críticas, mas produtivas, sempre.

* José Claudio Mota Porfiro é escritor.

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