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Ex-hansenianos melhoram de vida com pensão vitalícia

 A hanseníase é doença conhecida há milênios pela humanidade. Antigamente chamada de lepra, por ser incurável e deformar o corpo, acontecia de os portadores serem vítimas de preconceito, segregação, sendo mesmo obrigados ao isolamento em hospitais-colônia ou, nos casos dos seringais na região amazônica, na floresta. No Brasil, as internações compulsórias existiram até 1986. Foi muito sofrimento para aqueles que tiveram que se separar de seus parentes, muitos ainda crianças.

  Foi o caso da senhora Francisca Soriano da Silva. Em 1955, aos 10 anos de idade, ela foi internada no Hospital Colônia Ernani Agrícola, de Cruzeiro do Sul, por ter contraído hanseníase, e lá permaneceu até 1959. Mesmo depois de sair, ficou por ali na vizinhança, onde mora até hoje. Com uma perna amputada, se movimenta pela casa graças a uma cadeira de rodas. Ela conta sua história de vida com um brilho no olhar, demonstrando que a alegria dos últimos acontecimentos em sua vida suplantou o sofrimento do passado, a saudade da mãe, a reação dos remédios.

 Ocorre que, em 2009, ela foi julgada apta a receber a indenização prevista na Lei n º 11.520, que ampara todos os brasileiros submetidos ao isolamento compulsório em hospitais-colônia até 1986, concedendo-lhes uma indenização na forma de pensão vitalícia retroativa à data de divulgação da Lei em 18 de setembro de 2007. O valor da pensão mensal está hoje em R$ 1.013,00. O autor do projeto original da Lei foi o senador Tião Viana, em 2006. Quando o projeto estava tramitando no Congresso o presidente Lula, sensibilizado, decidiu apressar o processo e editou uma medida provisória, posteriormente transformada na Lei nº 11.520.

 A vida mudou a partir de então para dona Francisca, suas duas netas, o filho e a irmã que moram com ela. Com o retroativo pôde reformar e ampliar a casa onde moram. Puderam melhorar a alimentação e o lazer: “Posso até pagar um médico” – disse dona Francisca. Em 2012, outra conquista: recebeu do governo do Estado o título definitivo do terreno onde construiu sua casa nas proximidades do hospital-colônia.

 Ela foi uma das primeiras internas do hospital-colônia e como conseguiu provar sua permanência ali acabou por se tornar testemunha chave para outros ex-hansenianos que lá estiveram e não conseguiam provar.  “A indenização não paga o sofrimento, mas é uma forma de reconhecimento. Nós agradecemos ao governador Tião Viana e pedimos que ele continue a fazer pela classe sofrida, e ao ex-presidente Lula que assinou a Lei e mora no nosso coração”.

Dormência nos dedos

 A ex-hanseniana Olivia da Silva Lopes tem hoje 68 anos. Seu drama começou quando ainda era criança e morava no Seringal Campo de Santana, no município de Porto Walter. Ela começou a sentir uma “dormência nos dedos”. Ficou três anos internada no Hospital-Colônia em Cruzeiro do Sul e, em 1990, ainda teve que amputar uma perna. Quando saiu do hospital casou-se com Amarizio da Silva Lopes. Em 2009 passou a receber a pensão vitalícia e com o retroativo reformou sua casa e comprou um carro, dirigido por seu filho. Ajudou os filhos e a igreja onde congrega. “Pedimos a Deus sabedoria para saber administrar o dinheiro que iríamos ganhar”, disse.

600 beneficiados

 Segundo o coordenador estadual do Morhan, Élson Dias, quase 600 ex-hansenianos já são beneficiários da Lei nº 11.520 no Acre. Em Cruzeiro do Sul são mais de 200. Ele conta que ainda há processos pendentes, mas são poucos, menos de 50 em Cruzeiro do Sul, casos que esbarram na falta de documentação. No Acre existem dois hospitais-colônia: o Souza Araújo, em Rio Branco; e o Ernani Agrícola, em Cruzeiro do Sul.

 Um desses beneficiados é o senhor Raimundo Nonato de Oliveira Costa. Ele tem 47 anos, é casado com Ismênia, com quem teve dez filhos, dos quais sete ainda vivem com ele. Com oito anos de idade, morava no Seringal São José do Ribamar, próximo a Eirunepé, no Amazonas, quando ele e outros quatro irmãos foram identificados como portadores de hanseníase e foram internados no hospital-colônia de Cruzeiro do Sul, lá permanecendo de 1973 a 1979.

“Nessa época ninguém entrava e nem saía, era isolado mesmo. Só quando o médico desse alta. Era muita tristeza; eu chorava muito. Uma de minhas irmãs era quem cuidava de mim. Ela me acalentava e dizia que não chorasse que o doutor iria dar alta e a gente poderia voltar para casa”, contou Raimundo Nonato.

 Quando passou a receber sua pensão, Raimundo Nonato pode realizar o grande sonho que tinha ao lado da esposa: reformar toda a casa para oferecer melhores condições de vida à família. Além de reformar trocou toda a mobília da casa e a decorou. Quem entra em sua casa hoje se surpreende com a quantidade de enfeites pelas paredes dos quartos e demais dependências. Ainda fez mais: construiu uma casa para a filha que mora no ramal dos Paulinos e doou a ela todos os móveis usados que foram substituídos.  “A pensão tirou muita gente da pobreza total. A gente não tinha condições de fazer uma casa e colocar os filhos dentro”, explicou.

Tomava banho escondido

 O atual coordenador do Morhan em Cruzeiro do Sul, Manoel Alves da Silva, de 54 anos, também é beneficiário da Lei, tendo ficado no hospital-colônia de 1980 a 1981. Seu sofrimento como isolado, porém, começou bem antes: desde os dez anos quando contraiu a doença no Seringal Adamantina, município de Tarauacá, onde vivia. A família morava em uma casa bem grande e ele ficava isolado num quarto separado. No rio só podia tomar banho à noite para que ninguém o visse, devido ao preconceito existente.

 No início foi o próprio Manoel quem detectou a doença: viu aquela mancha na perna e disse: “Mãe eu tô leproso”. A mãe ainda tentou consolá-lo, dizendo que era mancha de verme, mas era hanseníase mesmo. A mãe experimentou de tudo para curá-lo apelando para remédios populares: deu-lhe banho de cipó ambé; deu para comer uma traíra cozida do jeito que saiu do lago; pegou um urubu, cortou um dedo dele, tirou o sangue e deu para o filho beber.

 De Tarauacá a família se mudou para Eirunepé, de onde Manoel foi trazido para Cruzeiro do Sul e internado no hospital-colônia. Lá dentro veio a conhecer aquela que seria sua futura esposa, Maria Auxiliadora. Com ela teve nove filhos.

 Neste ano, Manoel teve reconhecido seu direito à indenização e pode realizar um sonho: comprar uma casa bem grande que pudesse receber seus filhos e netos. A casa no bairro Remanso é toda avarandada e situada num terreno grande de 30m X 50m. Quando a família toda se reúne, a alegria de Manoel e Maria Auxiliadora está formada. Foi muito sofrimento, mas teve um final feliz.

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