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“Voto religioso”

Na semana passada, o presidente da CNBB o Cardeal Raymundo Damasceno fez comentário sobre a mistura entre religião e política na campanha eleitoral de São Paulo. O arcebispo de Aparecida foi enfático: “A posição da Igreja Católica, enquanto instituição é de que não deve assumir nenhuma posição político-partidária. O papa Bento 16, numa de suas encíclicas, Deus É Amor, foi muito claro ao dizer que a Igreja não pode nem deve tomar em suas mãos a batalha política. Isso é próprio dos políticos, dos leigos. A Igreja não pode ter pretensões de poder.  No mundo democrático, o papel que cabe ao Estado e aos leigos não é o mesmo da igreja, cuja função é de orientar o eleitor. Não cabe à igreja assumir papel de protagonista no campo político”. E mais: Não se pode instrumentalizar a religião para obter voto, disse d. Raymundo. Instrumentalizar ou instrumentalismo, doutrina de John Dewey, filósofo e educador norte-americano (1859-1952), constitui uma variedade do pragmatismo, e cujo traço característico é a admissão de que toda teoria é um instrumento para a ação e para a transformação da experiência.

Por coincidência, nesta mesma semana, o sociólogo e historiador Boris Fausto, 81 anos, numa entrevista concedida ao Estadão/SP, deu uma pincelada na questão “voto religioso”. O velho professor, entre outras coisas, disse que o chamado “voto religioso” leva os candidatos a fazerem acordo com o diabo e a Virgem Santíssima. Falou também do atrelamento, à política partidária, das igrejas evangélicas. “A influência do voto evangélico é algo que avança muito nesta cidade. Tenho observado o crescimento e sei que se trata de uma experiência sociológica interessante, porém não posso deixar de apontar a manipulação das pessoas num nível muito grave ao ver os programas religiosos eletrônicos. Esse fenômeno se converte em força política, certamente”. Por outro lado, é uma força política plural, pois vão aparecendo diferentes denominações religiosas. Ainda bem que não constituem uma força monolítica! O fato é que o grau de negociação dessas igrejas com os candidatos é intenso e acaba por comprometer o discurso. Quem, com esse tipo de apoio, vai discutir direito ao aborto? Quem vai tratar de homossexualidade? Ninguém, a não ser um candidato de um partido menor, sem nenhuma chance de vitória, conclui o sociólogo.

Tenho observado, através dos meios de comunicação, esse envolvimento e ativismo político, a partir dos líderes de igrejas com a política partidária, notadamente em época de eleições. Se por um lado aceito a inclusão, na política, daquele cidadão cristão ou de qualquer outra religião, que não ocupa cargos eclesiásticos, por outro lado vejo como problemática a inclusão de pastores, padres e líderes de denominações, quaisquer que sejam. Mais comprometedor é ver que muito desses líderes afluem de forma apressada ao Poder Público para oferecer apoios de campanhas eleitorais. Esses chefes de igrejas,  além de afetar o “rebanho”, deixam trans-parecer um caráter arbitrário. A propósito muitos deles estão à frente de denominações religiosas por “autoridade própria”. Depois não querem ser chamados de ditadores e se aborrecem quando a opinião pública nomeiam suas  “igrejas” de  curral  eleitoral.    

Ademais, os recentes escândalos, com o erário público, fartamente noticiado pela mídia, com o envolvimento de muitos “pastores e bispos” de igrejas evangélicas, que detém cargos eletivos, deixam obvia a ausência, nos tais, de probidade e de caráter cristão genuíno. Outro problema é que a experiência trágica, recente, advinda da participação de líderes e pastores evangélicos na política, quase nos faz pensar como pensavam os neo-secularistas, que diziam que a história anda sem fé religiosa e que fé não é necessária muito menos decisiva para a política; porquanto  a política tem sua autonomia específica e se autoafirma por si mesma, sem precisar de legi-timação política qualquer.  

Dessa forma, o evangélico  não tem, necessariamente, obrigação de votar no seu “irmão de fé.” O evangélico  tem o dever de votar no melhor candidato, de acordo com sua consciência de cidadão, conforme as necessidades do seu Município, Estado ou seu País. O resto é sofisma, isto é:  Argumento falso formulado de propósito para induzir outrem ao erro.

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