As abelhas nativas de nossas florestas se diferenciam das abelhas domesticadas por não apresentarem ferrão. As domesticadas são famosas por defenderem seus ninhos ferrando os invasores e injetando substâncias tóxicas causam problemas graves de saúde ou a morte da pessoa ou animal afetado. As abelhas nativas, por seu lado, defendem-se mordendo os invasores, e por essa razão geralmente são quase inofensivas.
É importante esclarecer que a classificação científica das abelhas nativas e das domesticadas é bem diferente. A maioria das espécies nativas está classificada dentro do gênero Melipona ou Trigona, e seus nomes populares mais conhecidos são: jandaíra, uruçu-boi, uruçu-amarelo, jataí e arapuá. As abelhas domesticadas, criadas pelos apicultores locais, pertencem ao gênero Apis e são conhecidas popularmente como abelhas italianas ou africanas.
As abelhas domesticadas criadas atualmente no Brasil são muito agressivas porque resultam do cruzamento de espécies europeias dóceis e africanas agressivas, acontecido na década de 50, quando um enxame de abelhas africanas puras escapou acidentalmente de um laboratório. O resultado foi a migração das abelhas africanas para todo o país, e o seu cruzamento com as abelhas europeias que resultou em enxames híbridos (africanizados) que herdaram as características morfoló-gicas, a agressividade e a produtividade das abelhas africanas.
A criação comercial dessas ‘novas’ abelhas exigiu o desenvolvimento de um conjunto de técnicas de manejo e equipamentos adequados às mesmas, com destaque para os cuidados com a segurança dos trabalhadores envolvidos na atividade – fato que não existia quando as abelhas criadas eram europeias de linhagens puras. Embora mais produtivas, as abelhas africanizadas demandam infraestrutura mais complexa e equipamentos de segurança sofisticados, o que aumenta os custos para a sua criação.
Uma alternativa ao emprego das abelhas africanizadas é a criação das abelhas nativas. O desenvolvimento das técnicas para a criação e o manejo das mesmas é um processo que vem desde o início da colonização do Brasil. Entretanto, a profissionalização da atividade só foi possível a partir da década de 70, quando o INPA desenvolveu uma caixa adaptada para os enxames de diferentes espécies de abelhas nativas, especialmente aquelas encontradas na Amazônia.
Embora as abelhas africanizadas e as nativas produzam mel de alta qualidade, o produto das abelhas nativas tem maior valor de mercado e é mais nutritivo porque tem mais enzimas benéficas ao sistema digestivo e respiratório. O fato das abelhas nativas serem menos produtivas decorre unicamente dos seus enxames serem bem menores – cerca de 2 mil abelhas – do que os das africanizadas, que possuem enxames com 80 a 100 mil abelhas. Essa desvantagem produtiva é compensada pela maior facilidade de manejo dos enxames e o maior preço alcançado pelo mel das abelhas nativas. Em Rio Branco, um litro de mel de abelha africanizada é vendido por até R$ 30, enquanto que o litro do mel de abelha nativa (uruçu) chega a alcançar valor equivalente a R$ 90.
A prática de criação de abelhas nativas (meliponicultura) é, portanto, uma alternativa econômica e ecológica para os produtores de comunidades isoladas do interior do Acre, onde é mais fácil fazer a captura de enxames para os criatórios. Entretanto, um dos maiores desafios para a popularização do manejo de abelhas nativas nessas comunidades é a dificuldade de transportar as caixas convencionais de madeira prontas ou confeccioná-las no próprio local de uso em função das dificuldades de acesso, carência de equipamentos adequados e impossibilidade de uso de equipamentos elétricos.
Diante desse problema, e observando que muitas famílias extrativistas usam troncos de plantas nativas resistentes à umidade para a confecção de calhas coletoras de água da chuva e canalização do esgoto doméstico, pesquisadores do Parque Zoobotânico da UFAC resolveram testar o uso do tronco da palmeira ‘paxiubão’ na confecção de caixas para a criação de abelhas nativas. O desenvolvimento dos protótipos das caixas foi feito na área do Parque Zoobotânico, em Rio Branco, e o uso experimental das mesmas está sendo feito por extrativistas da Reserva ‘Cazumbá-Iracema’, em Sena Madureira, e os índios das etnias Apurinã, em Boca do Acre, e Kaxi-nawá em Tarauacá.
Para preparar as caixas é preciso selecionar um tronco reto e cilíndrico de um paxiubão maduro, com cerca de 25 cm de diâmetro ou menos, dependendo da espécie de abelha a ser criada. Uma equipe de 2 a 3 pessoas leva em média 2 horas para preparar uma caixa, considerando o tempo de seleção, derrubada e corte do tronco da palmeira com motosserra ou serra manual, e limpeza interna do tronco com facão, formão e trado manual. Uma caixa completa contém 1 base ou lixeira, 1 fundo e 1 tampa em madeira resistente, 2 ninhos e 2 melgueiras. A altura média de uma caixa completa pode atingir até 55 cm e a sua durabilidade alcança 6 anos, mesmo exposta a sol e chuva.
A transferência do enxame para a nova caixa é feita no seu habitat natural (floresta). A caixa deve ser posicionada na mesma altura e direção que as abelhas voavam para adentrar o antigo ninho. A vedação da diferentes partes da caixa, com fita crepe ou argila, deve ser feita durante a transferência do enxame para a caixa e a mudança da mesma para o seu local definitivo deve ocorrer no período noturno, 5 dias depois da transferência do enxame. O ataque de inimigos naturais, como moscas, formigas e sapos, é menor, pois as caixas são mais fáceis de vedar.
O local de instalação das caixas – meliponário – deve oferecer segurança, fácil acesso, ser protegido do sol, da chuva, de animais domésticos e próximo de abundantes floradas. A divisão do enxame pode ser feita após 2 anos. Dentre as espécies capturadas e adaptadas às novas caixas de paxiubão, destacaram-se a jandaíra-amarela, uruçu-amarela, uruçu-preta e uruçu-rajada.
Apesar de ainda pouco difundidas, as caixas confeccionadas com o tronco da palmeira paxiu-bão demonstraram que são de fácil e baixo custo de confecção, sendo possível a sua elaboração com ferramentas simples, acessíveis para a maioria das famílias de comunidades isoladas.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC.
**Nilson Alves Brilhante é técnico em agropecuária do Parque Zoobotânico e graduando em Gestão Ambiental da Universidade do Norte do Paraná.
***Jailton Cavalcanti Silva é técnico em agropecuária da SAFRA/PMRB
***Plínio Carlos Mitoso é técnico de laboratório do Parque Zoobotânico da UFAC.