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Álcool hidratado é vendido junto com bebidas alcoólicas em Cruzeiro do Sul

Nos mercados, álcool da tampa azul é colocado na prateleira com bebidas alcóolicasO consumo de álcool etílico hidratado, chamado tampa azul, como bebida, é um hábito antigo de seringais e colônias, que virou problema de segurança pública em Cruzeiro do Sul. Na maior parte dos casos, atendidos na Delegacia Geral de Polícia e na Especializada de Violência Doméstica, principalmente nos finais de semana, os acusados consumiram o álcool chamado “tampa azul”. O agravante é que nos supermercados, mercearias e lojas de conveniência de Cruzeiro do Sul, o álcool não é exposto junto com os produtos de limpeza, e sim nas prateleiras das bebidas alcoólicas. Para, os delegados Luis Tonini e Karla Brito e o promotor Ildo Maximiano, isso estimula o consumo. Eles buscam formas de coibir essa prática para evitar o crescimento da violência na região.  

O delegado Luis Tonini, afirma que quem consome o “tampa azul” geralmente não se envolve em furtos e roubos, e sim em ameaças, brigas, lesões corporais e até assassinatos. “Sempre estão muito alterados e violentos. Só dá para ouvi-los no dia seguinte, quando eles geralmente não se lembram de quase nada do ocorrido”, relata o delegado. A delegada da Especializada em Violência Doméstica, Karla Brito, diz que grande parte dos pais e maridos agressores, também são consumidores do álcool tampa azul. “Elas relatam que eles ficam agressivos mais rapidamente, quando tomam, em vez da cachaça, o álcool”, explica a delegada. Os dois delegados afirmam que geralmente os consumidores do ‘tampa azul’, são de classe social mais baixa, e que não há faixa etária específica. “São homens de toda idade”, relata a delegada Karla.

Ministério Público intervém  
O promotor de Cruzeiro do Sul, Ildo Maximiano, considera que a exposição do produto junto com as bebidas, estimula o consumo do produto, que deveria ser usado exclusivamente nas tarefas domésticas. Ele diz que o Ministério Publico elabora portaria para proibir essa prática em Cruzeiro do Sul, que deve se estender para as outras quatro cidades do Vale do Juruá. “Os  comerciantes, de alguma forma, estimulam  o consumo  quando expõem o produto junto com as bebidas. Vamos tentar amenizar essa situação com reuniões com o empresariado e baixar uma portaria que regulamente a venda do álcool junto com produtos de limpeza, o que também eliminaria a venda em lojas de conveniência”, explica o promotor.
Para procuradora Patrícia Rêgo e promotor Ildo, comerciantes precisam colaborar
A procuradora-chefe Patrícia Rêgo diz que é dever do Ministério Público atuar em situações assim, que envolvem segurança pública e saúde da população. “Os comerciantes são cidadãos que vivem na sociedade e devem entender esses dramas, evitando problemas maiores. Não há justificativa para o álcool doméstico ser vendido junto com vinhos e outras bebidas. Queremos a colaboração de todos para acabar com essa prática”, salienta a procuradora.        

O presidente da Associação Comercial de Cruzeiro do Sul, Marcus Venícius, admite que é um hábito antigo dos empresários cruzeirenses, vender álcool junto com bebidas, como cachaça. “Acho que esse costume vem desde os tempos dos barracões de aviação nos seringais”, diz Marcus. Ele reconhece que isso pode estimular o consumo e afirma que, na próxima reunião dos membros da Associação Comercial do Juruá, o tema será posto em pauta. “Somos cidadãos cruzeirenses e vamos ajudar. Vou conversar para que todos revejam essa prática e o álcool fique na prateleira certa”, afirma.    

“Quando bebo tampa azul arrumo confusão”
Vendedor relata o vício e os efeitos do produtoO vendedor de açaí em Cruzeiro do Sul, Vanaldo Lima de Souza, diz que começou a beber álcool ‘tampa azul’ na adolescência no seringal onde nasceu, no Alto Rio Juruá, porque lá não havia bebida alcoólica. Ele mora no Bairro Remanso em Cruzeiro e conta que muitos amigos da cidade bebem o “tampa azul” porque é mais barato. Enquanto a garrafa de cachaça pode custar até R$ 7,00, a de ál-cool pequena  custa R$ 3,00 e ‘rende mais’.

Misturado com refresco vira o dobro. Depois a gente sente o efeito por muito mais tempo do que cachaça. Só que a cabeça esquenta muito, os olhos coçam, fico agitado. Eu arrumo confusão, fico valente, vou preso. E o pior: meu estômago dói muito quando bebo o tampa azul”, relata Vanaldo, que afirma estar tentando parar de beber. “Pra parar de arrumar problema para minha vida”.  Vanaldo já foi preso por lesão corporal e por agredir a esposa dele.

Enquanto na cachaça, por exemplo, o teor alcoólico, é de cerca de 40%, no etílico hidratado, são mais de 90%. Na embalagem do álcool etílico há um aviso de que o uso é doméstico e que, em caso de ingestão acidental, o médico deve ser procurado imediatamente.

O médico João Angelim, que trabalha no Hospital Geral de Cruzeiro do Sul, diz que já atendeu alguns casos de coma alcoólico causado pelo tampa azul. Segundo o médico, o efeito do álcool hidratado no organismo é devastador, principalmente para o cérebro e fígado. “Esse consumo prolongado pode levar a quadros graves como a cirrose”, explica.  

A gerente da Vigilância Sanitária Estadual, Albertina Costa lembra que em 2002, a Vigilância sanitária Nacional proibiu a venda do álcool líquido, como forma de evitar problemas de queimaduras, principalmente em crianças, deixando o álcool gel como única possibilidade de uso. Segundo Albertina, o produto em forma de  gel, dificultaria o consumo humano, mas a medida da Anvisa foi derrubada. Albertina    disse que não há legislação específica sobre a acomodação do álcool nos comércios. Mas, vai unir esforços com o Ministério Público, e vai solicitar, por meio de ofício, que a Vigilância Sanitária Municipal de Cruzeiro do Sul, oriente os comerciantes cruzeirenses, a expor o álcool junto com os produtos de limpeza, como forma de não incentivar  uso do produto como bebida.

A Gazeta do Acre: