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No automático

Mais de 39 mil pessoas, que representam 17,34% dos eleitores de Rio Branco não votaram domingo. A notícia veio junto com o anúncio do segundo turno na Capital do Acre pela primeira vez. É um fenômeno que se repetiu em todo o país. Talvez os pesquisadores encontrem uma resposta e expliquem daqui a algum tempo essa ação em corrente contrária à obrigação do voto. Eu aqui busco ao menos uma pergunta.

Quem são as 39 mil pessoas de Rio Branco que se acharam no direito de ligar (tirem as crianças da sala) o botão F, de Foda-se? A expressão é conhecida, nem vou me inquietar de ter pudores desnecessários. Significa que esta criatura decidiu não se importar com as conse-quências dos atos. Deixar de votar tem consequências pessoais e coletivas. Até o fato de deixar em branco ou anular me soa mais democrático do que simplesmente ignorar, mas esta é uma opinião simplista e me propus a não julgar essa ‘abstenção’. Quero só tentar entender quem é essa pessoa, esse não eleitor, que acha que tem o direito de ficar em silêncio.

Votar é falar. Falar bem, falar mal. Se expressar. É um direito do brasileiro conquistado à base de muitos argumentos, brigas, vidas perdidas, ao longo de décadas. Anular o voto é dizer não. É uma forma de manifestação. Deixar em branco também. Mas ignorar é se calar. E quem cala consente, diz a voz do povo. Nesse caso consentiu mais gastos públicos com uma segunda eleição, só pra citar o óbvio.

E volto à dúvida: qual o perfil desse cidadão? É um cidadão? Usa os serviços essenciais vinculados ao município? Educação, saúde, transporte coletivo, coleta de lixo, iluminação, água tratada, ruas pavimentadas? Reclama da falta disso tudo? Como reclama? Por quais vias? Pode ser que tenha ligado o botão F porque cansou de falar, de insistir ou desistiu por achar que nada vale a pena e deu voz ao descrédito, à falta de esperança.

Ao se revoltar e impor o silêncio esse não eleitor sobrecarrega o outro grupo. O daqueles que, indignados ou não, por obrigação ou por acreditar que não há opções compatíveis com seus próprios ideais, apertaram os botões brancos, laranjas ou verdes. Não adianta. Infelizmente não é possível se fingir de morto porque até pra morrer usamos os serviços do município. Faço parte do grupo dos que não têm a menor competência e pa-ciência pra gerir departamentos que pensam na saúde bucal ou no acolhimento de pessoas portadoras de necessidades especiais. Opino, sugiro, mas estar lá gerindo, pensando nos recursos, negociando, não dá. Votar significa que quero que alguém cuide disso pra mim.

Não é fácil fazer escolhas, dá até aquela preguiça ancestral de pensar, de decidir. E sabemos que muitos não usam os valores corretos pra apertar os botões da urna eletrônica. A verdade é que nós vamos votar por vocês que decidiram não votar. Nós votamos até por quem vota, quando a nossa escolha não é a escolha da maioria. E 39 mil pessoas em Rio Branco decidiram ligar o automático. É como se tivessem apertado o botão errado e desligassem a si mesmos.

* Golby Pullig  é jornalista
Email:golbypullig@gmail.com
Twitter: @golbypullig

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