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Palmeiras nativas em pastagens no leste do Acre: futuro promissor

Quem trafega nas estradas do entorno de Rio Branco e cidades vizinhas já observou que as áreas de pastagens cultivadas ou em processo de abandono apresentam uma alta densidade de palmeiras nativas. As mais comuns são uricuri (Attalea phalerata), jaci (Attalea butyraceae) e a tucumã (Astrocaryum aculeatum). Na direção de Rondônia temos o babaçu (Orbignya phalerata) e inajá (Maximiliana maripa). São milhares de plantas adultas destas espécies crescendo em áreas facilmente acessíveis a partir de estradas asfaltadas. Um caso emblemático são as centenas de pés de tucumã ao longo da BR-317 entre Rio Branco e Brasiléia.

Para a maioria das pessoas, entender como essas palmeiras conseguem persistir nessas áreas de pastagens é irrelevante, pois para muitas delas as palmeiras são apenas mais um elemento que compõe a paisagem local. Os leigos mais curio-sos se impressionam com a resiliência dessas palmeiras, tendo em vista que os proprietários das áreas onde elas crescem costumam usar o fogo para manter as pastagens em condições adequadas para o pastejo do gado. A explicação mais lógica para esse aparente desinteresse sobre essas palmeiras decorre da presente falta de aproveitamento econômico das mesmas.

Felizmente essa situação tem grande possibilidade de mudar no médio e no longo prazo. Há cerca de três anos o Governo Federal lançou um programa nacional de produção de biodiesel a partir de matérias-primas extraídas de espécies de plantas nativas não cultivadas. Uma das consequências desse programa foi a criação de uma unidade da Embrapa voltada exclusivamente para o desenvolvimento de tecnologias visando o aproveitamento agroenergético dessas plantas. Dentre as espécies correntemente estudadas com grande intensidade destacam-se as palmeiras babaçu, macaúba (Acrocomia aculeata) e murmuru (Astrocaryum murumuru).

Essa iniciativa do Governo Federal é, em linhas gerais, similar ao Programa Pró-Óleo, lançado simultaneamente com o Pró-Álcool em meados da década de 70. Os resultados do Pró-Álcool foram tão rápidos e positivos que o Pró-Óleo foi abandonado no início da década de 80. A presente ressurreição deste programa deve-se ao sucesso tecnológico e econômico do biodiesel, um biocombustível que pode ser produzido a partir de óleo vegetal e que apresenta características físico-químicas muito similares ao diesel derivado do petróleo. Vale ressaltar que o biodiesel só se mostrou viável economicamente quando o preço do barril de petróleo ultrapassou a barreira de US$ 80. E como a perspectiva do preço do petróleo é se manter acima desse patamar nos próximos anos, a corrida para a exploração de matérias-primas de baixo custo para a produção de óleo vegetal já foi iniciada.
 As áreas de pastagens cultivadas e abandonadas da região leste do Acre poderão ser alvo dessa corrida em poucos anos. Afinal, são milhares de plantas crescendo nas margens de estradas pavimentadas, passíveis de serem exploradas, independente de condições climáticas desfavoráveis.

Estudos realizados na Ufac já comprovaram a viabilidade da produção de biodiesel a partir do óleo extraído dos frutos das palmeiras tucumã, jaci e uricuri. Um desafio tecnológico que tem impedido o uso em larga escala desses frutos é a inexistência de máquinas para quebrar os frutos e extrair o endosperma rico em óleo existente em seu interior. As perspectivas, entretanto, são animadoras, e modelos rudimentares de maquinas capazes de quebrar os frutos de babaçu já estão sendo utilizadas no Maranhão.

A exploração em larga escala das palmeiras em áreas de pastagens pode afetar negativamente a sobrevivência dessas populações nativas, pois a retirada dos frutos irá privar as mesmas de regenerações, ou seja, de plântulas para substituir as adultas que atingirem o final de sua vida útil. Por essa razão, estudos para compreender os mecanismos reprodutivos que essas espécies utilizam para ter sucesso na colonização de áreas de pastagens são imprescindíveis.

Nos próximos meses será iniciado um projeto para entender a estratégia que a palmeira uricuri adota para ter tanto sucesso em áreas de pastagens. Resultados de estudos anteriores já demonstraram que esta espécie é mais eficiente colonizando áreas de pastagens do que áreas florestais. Foi observado que a forma de germinação das sementes dessa espécie – remota tubular – favorece o desenvolvimento do corpo inicial da planta em profundidades de mais de 15 cm. Dessa forma, suas folhas são a única parte que emerge do solo nos primeiros anos de vida da mesma. Isso explica a sua aparente indestrutibilidade ao fogo, que no lugar de prejudicá-la, termina por favorecer a mesma ao eliminar outras plantas do entorno que competem por luz e água. Estratégia similar é empregada pela palmeira babaçu, que, em muitos casos, vira praga de pastagem cultivada.
E porque é importante entender a forma que o uricuri – e outras palmeiras – coloniza áreas de pastagens no leste do Acre?

Um eventual sucesso da exploração dos frutos das palmeiras mais comuns nas pastagens do leste do Acre pode, como foi dito acima, prejudicar a sobrevivência das mesmas no longo prazo. Além disso, se a exploração for muito vantajosa economicamente, seguramente haverá interesse dos produtores em adensar as populações. E como isso poderá ser feito?

Obviamente que os resultados desse tipo de pesquisa levam tempo para serem obtidos. Estamos, portanto, nos antecipando, nos prevenindo contra demandas por resultados de pesquisas para ‘ontem’, como tem sido a norma nas demandas do setor agropecuário e extrativista brasileiro.

E custa caro fazer isso agora? Não. Estamos começando estas ações de pesquisas orientando um projeto de pós-graduação – mestrado – que irá demandar observações criteriosas no campo. Nada de custosas analises laboratoriais, viagens de campo intermináveis e dispendiosas, etc. Afinal, as áreas de pesquisas estão próximas, acessíveis o ano todo.

* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC
** Davi Sopchaki é engenheiro florestal e aluno de pós-graduação do curso de mestrado em Ciências de Florestas Tropicais do INPA.

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