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A exploração madeireira e o avanço dos tabocais no leste do Acre

No sudoeste da Amazônia ocorre extensas áreas de florestas nativas com o sub-bosque dominado pelo bambu conhecidas popularmente como tabocais. Estas florestas ocupam cerca de 180.000 km² e compreendem uma pequena porção do sudoeste do estado do Amazonas, cerca de 38% da superfície do Acre, grande parte do sul da Amazônia peruana e uma pequena área no norte da Amazônia boliviana (1, 2).

São quatro as espécies de bambus encontradas nas florestas acreanas: Guadua weberbaueri e G. sarcocarpa, que apresentam uma distribuição mais ampla, G. superba, uma espécie de grande porte restrita às florestas temporariamente alagadas ou áreas de drenagem deficiente, e G. angustifolia, a espécie com a distribuição mais restrita.

Uma das principais características dos bambus encontrados no Acre, especialmente G. weberbaueri e G. sarcocarpa, é o rápido crescimento e grande agressividade na ocupação do sub-bosque das florestas nativas, especialmente aquelas naturalmente mais abertas e que recobrem a maior parte das regiões central e leste do território acreano. O rápido crescimento e a agressividade do bambu se devem ao fato do mesmo formar uma ampla teia de rizomas sob o solo que ao menor sinal de abertura de clareiras na floresta acima lança numerosos colmos que ocupam rapidamente o espaço disponível, impedindo o crescimento de outras espécies. O bambu é a planta de mais rápido crescimento no reino vegetal e algumas espécies asiáticas chegam a crescer mais de 1 m por dia.

As florestas dominadas por bambus apresentam-se estruturalmente alteradas, com uma menor densidade das árvores e uma redução de 30-50% do potencial de armazenamento de carbono. A presença do bambu pode afetar ainda o influxo de novas espécies arbóreas, enfraquecer a habilidade competitiva de espécies com baixa capacidade de adaptação e alterar a composição florística, reduzindo em quase 40% o número de espécies na amostra de um hectare (2, 3).

Em outras palavras: florestas com bambus são consideradas mais pobres sob o ponto de vista da biodiversidade vegetal, fato comprovado por diversos inventários florestais realizados no Acre que mostram que um hectare de floresta com bambu raramente apresenta mais de 300 árvores com diâmetro superior a 10 cm (DAP). Em contraste, nas florestas onde o bambu não ocorre esse número pode atingir mais de 600 árvores.

Apesar da importância biológica dos tabocais, especialmente para a fauna que habita com exclusividade este tipo de floresta, e da grande abrangência territorial que eles ocupam na região, poucos estudos científicos tem sido realizados para compreender a dinâmica dessas formações vegetais. Segundo os pesquisadores americanos Griscom & Asthon (4), “a ecologia das florestas dominadas por bambus na Amazônia continua a ser um mistério”. E nesse contexto de desconhecimento, é preciso saber como e sob quais condições o aparecimento do bambu é favorecido em uma determinada área, qual a velocidade de seu crescimento, o tempo que ele leva para dominar o local onde cresce, e qual o seu ciclo de vida.

Para o Acre, a resposta a estas questões é importante porque é nas regiões central e leste do estado, onde encontram-se os maiores tabocais, que o desmatamento e a exploração madeireira são mais acentuados. O caso da exploração madeireira é mais emblemático porque não se sabe o que acontecerá nas florestas dominadas por bambu após a retirada seletiva de milhares de árvores. Será que as áreas exploradas seguirão seu curso natural de regeneração ou o bambu, com sua agressividade exagerada, promoverá mudanças estruturais e biológicas com resultados imprevisíveis?

A exploração seletiva de madeira provoca o aparecimento de clareiras extremamente favoráveis à expansão do bambu, pois aumentam a disponibilidade de luz e espaço físico para o crescimento da espécie (4). No Peru, Griscom & Asthon demonstraram que a invasão do bambu reduz a taxa de crescimento e de sobrevivência das árvores (juvenis e adultas) e retarda o processo natural de regeneração da floresta, garantindo a dominância do bambu por períodos de cerca de 30 anos, ou o ciclo completo de vida da espécie.

No Acre, as clareiras abertas pela exploração madeireira em áreas de florestas dominadas pelo bambu favorecem a invasão desta espécie, permitindo sua expansão para locais aonde não existia anteriormente. A ocorrência de incêndios florestais durante a grande seca de 2005 é outro fator que tem contribuído para a invasão do bambu em florestas locais, pois eles alteraram de forma drástica a estrutura das florestas, eliminando as ervas, arbustos e arvoretas que compunham o sub-bosque, abrindo espaço para o estabelecimento do bambu.

A invasão do bambu pode por em cheque a eficácia de algumas técnicas consagradas e indispensáveis para a sustentabilidade da exploração madeireira, como é o caso do plantio de mudas nas clareiras abertas após a extração das árvores adultas com o objetivo de repor ou incrementar o estoque das espécies exploradas. Na presença do bambu é provável que apenas mudas de espécies madeireiras de rápido crescimento e menor valor comercial, como samaúma, tatajuba e canafístula, consigam se desenvolver. Espécies nobres e de alto valor comercial, mas de crescimento muito lento, como mogno, amarelão e cerejeira, provavelmente não prosperarão sem a ajuda do homem para impedir que o bambu ‘sufoque’ as mudas plantadas. Esta intervenção representa um alto custo financeiro se considerarmos que o acompanhamento dessas mudas deverá ser feito por 5-10 anos.

Pode soar exagerado, mas existe a possibilidade da exploração madeireira em curso nas regiões central e leste do Acre transformar extensas áreas de florestas em tabocais com baixos índices de biodiversidade vegetal e animal.

A realização de estudos para entender e manejar de forma eficiente as florestas com bambu acreanas é uma emergência científica que deve ser tratada com prioridade pelos governantes, empresários e pesquisadores preocupados com o futuro da exploração florestal do estado.

Para saber mais e referências

1. Nelson, B.W. 1994. Natural forest disturbance and change in the Brazilian Amazon. Remote Sensing Reviews, 10: 105 – 125.
2. Silveira, M. 2005. A floresta aberta com bambu no sudoeste da Amazônia: padrões e processos em múltiplas escalas. Rio Branco, EDIUFAC. 127 pp.
3. Lima, R. A. F.; Rother, D. C.; Araujo, L. S.; Gandolfi, S. & Rodrigues, R. R. 2007. Bamboo-dominated gaps in the Atlantic rain forest: impacts on vegetation structure and species diversity. Anais do VIII Congresso de Ecologia do Brasil, 23 a 28 de Setembro de 2007, Caxambu – MG.
4. Griscom, B.W.; Ashton, P.M., 2003. Bamboo control of forest succession: Guadua sarcocarpa in Southeastern Peru. For. Ecol. Manag., 175, pp. 445-454.

* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC.

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