Um dia me perguntaram se eu acreditava em mudanças climáticas. Naquele dia eu não soube responder, mas ontem me ocorreu a resposta a partir de uma enchente descontrolada que inundou a minha casa em menos de três minutos e causou uma situação extremamente complicada a partir de então.
É impressionante como a mente humana reage nesses momentos: eu e a minha esposa estávamos lanchando na cozinha quando ela viu a água chegando. A primeira sensação que eu tive foi a de algo muito estranho que parecia que nunca aconteceria comigo, mas estava acontecendo. A segunda sensação marcante é quando você tem que decidir o que é importante salvar da destruição, como documentos, animais de estimação, eletrônicos etc, e pensar na possibilidade de juntá-las rapidamente e abandonar o barco, ou melhor, a sua casa!
Que as chuvas são intensas nesta região da amazônia todos nós sabemos, mas quando lembramos dos eventos extremos que aconteceram aqui no Acre nos últimos 24 meses, veremos que algo diferente está acontecendo com o meio ambiente como um todo, particularmente com o clima, pois afeta diretamente a vida das pessoas através do calor intenso ou dos prejuízos econômicos e sociais causados pela sua alteração.
Neste momento eu lembrei de toda a controvérsia que ouvimos sobre as causas das mudanças climáticas – serão elas naturais ou antrópicas? Os cientistas debatem e se contradizem e o cidadão comum é obrigado a conviver com a desinformação. No meio da enchente me pareceu muito claro que está acontecendo algo com o clima atualmente, então porque ficar neste onanismo intelectual e não direcionar a devida atenção para as consequências que já estamos sofrendo? Após o nível da água começar a diminuir o sentimento de desolação deu lugar para o trabalho de limpeza que seguiu noite adentro mesmo antes de qualquer pensamento racional tentar estabelecer as dimensões daquilo que havia acontecido.
Neste contexto eu percebi algumas alterações psicológicas e emocionais causadas por um evento desta natureza. Confusão mental generalizada e mistura de sensações, quase sempre desagradáveis e relacionadas às consequências daquela invasão que não compreendemos, são as impressões mais fortes que tenho do evento. Por exemplo, sob chuva intensa eu abri o portão da garagem para tentar sair com o carro e me deparei com o nível da água da rua mais alto do que o nível de casa. Então voltei para dentro e decidimos estabalecer um nível-limite para abandonarmos a casa. No momento seguinte, quando eu fui fechar o portão, o cadeado estava trancado e a chave eu não sabia aonde estava neste momento – a dimensão tempo e espaço se confundem em algo que não consiguimos concatenar, o que torna difícil tomar decisões racionais. Estudos e acompanhamentos psicológicos deveriam ser vistos como necessários para uma população que se ergue anualmente diante dessas calamidades e não tem referencial sobre o próprio estado psíquico e emocional.
A água que entrou em casa e molhou tudo que estava ao seu alcance trouxe consigo prejuízos materias facilmente observáveis, mas trouxe também uma grande variedade de agentes patogênicos e lixo, além da água da chuva e o esgoto de toda a vizinhança, pois na enchente a frágil estrutura de saneamento se revela e se mistura nas ruas. As doenças veiculadas através dessa água são causadas principalmente por helmintos, protozoários e bactéricas, além da dengue, febre amarela e doenças consideradas mais graves como cólera e febre tifóide. Devido ao modelo de desenvolvimento que vivemos aqui na amazônia se torna preocupante conviver com as alterações climáticas e a falta de saneamento básico.
Rio Branco é uma capital jovem e promissora, porém não apresenta força para pleitear junto ao Governo Ffederal um programa próprio de saneamento para prosseguir com o inevitável crescimento da região. Os prejuízos materiais de grandes enchentes, como a de fevereiro de 2012 que tivemos em Rio Branco, e contabilizados na ordem de R$ 200 milhões, não se comparam à instabilidade e insegurança geradas na população após uma agressão abrupta como esta e que não são identificadas e não residem nas estatísticas oficiais, mas somente na angustia de cada cidadão afetado.
Somente em Rio Branco existem três órgãos federais que atuam nas áreas de ensino, pesquisa e extensão universitária: Ufac, Embrapa e Ifac que poderiam atuar efetivamente com o poder público municipal, estadual e federal afim de trabalhar demandas sociais, como é o caso do saneamento básico. Isto é uma oportunidade de mostrar que o Estado do Acre tem potencial e interesse neste assunto, em criar programas que integrem as características regionais num plano abrangente de saneamento básico em harmonia com o ambiente-sociedade. As mudanças climáticas estão acontecendo independentes de sabermos se as causas são naturais ou antrópicas, porém o saneamento básico não está acontecendo porque?
Miguel Gustavo Xavier, professor Dr. CCBN/UFAC
Trabalha nas áreas de mudanças ambientais globais, nanociência, arte, cultura & educação indígena.
miguelgxavier@gmail.com