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Ministério Público estimula a tolerância e diz não à violência

“Se arrependimento matasse eu estava morta. Matei porque estava com raiva, ele me batia muito, me xingava. Naquele dia foi pior, não pensei em nada na hora. Quando vi tinha dado várias facadas e matado meu próprio pai. Ele me estuprava, abusava de mim desde os nove anos e me viciou, mas mesmo assim era meu pai. Eu devia ter pensado, contado pelo menos até três. Hoje estou presa. Meus filhos jogados por aí. Minha menina de quinze anos já está se envolvendo com drogas e eu não posso fazer nada.
Marines conta que era espancada e abusada pelo pai desde os nove anos. Condenada a 20 anos de prisão, ela deixa o presídio em 2014
O conselho que dou é que a pessoa recue, pense nas consequências antes de se deixar levar pela raiva que na hora cega a gente. Depois não tem volta e a vida da gente nunca mais é a mesma”. O desabafo é de uma mulher de quarenta anos, Marines Pereira dos Santos, que aos 26 matou o pai. Foi condenada a 20 anos e nove meses e só deve sair do presídio feminino de Rio Branco em 2014.

No mesmo local, outra mulher, Valderez do Nascimento, a Mel, tem a maior condenação do presídio feminino da Capital: 38 anos. Ela diz que se tivesse pensado nos filhos e na mãe, não teria matado um homem. Os filhos, um  casal de gêmeos, ela nunca mais viu. A mãe, também não a visita. “Tem hora que nem lembro mais do rosto dos meus filhos. Se eu tivesse pensado que poderia ser presa, ter que deixar meus filhos e minha mãe sofrendo, não teria matado aquele homem para roubar. Todo dia eu me lembro disso e hoje estou aqui vendo minha vida passar sem eu aproveitar. Queria trabalhar, ter uma vida normal, mas não posso”.  

As histórias destas mulheres chamam a atenção no presídio feminino de Rio Branco. Marines conta que muitas presas a condenam, outras entendem a motivação do crime, mas ela levará para sempre a dor de saber que matou o próprio pai. “Ele era um monstro, mas era meu pai e um erro não pode justificar outro”.  Valderez, a Mel, também retrata a dor de quem agiu por impulso. “Eu não vi meus filhos andarem, falarem. Agora eles nem querem saber de mim e tudo por que eu não pensei e matei para roubar”.

Segundo uma pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, cerca de 30 por cento dos crimes cometidos no Brasil são  por impulso e  poderiam ser evitados. No Acre, a proporção de mortes incluídos na macrocategoria “impulso + motivo fútil” foi de 100 por cento nos dois últimos anos, segundo site do Ministério Público Estadual.

A juíza titular da Vara de Execuções Penais e da Segunda Vara Criminal, Luana Campos, diz que essa realidade é bem antiga no Acre. Na maioria dos casos, os envolvidos nos crimes, haviam consumido bebida alcoólica na hora do fato. Segundo ela são pessoas com emprego, que levam uma vida normal, mas que por algum motivo se descontrolam. “Às vezes as pessoas estão bebendo juntas, se desentendem e um mata o outro”. Luana afirma que homens e mulheres que cometem crimes dessa natureza, mostram grande arrependimento e quase nunca voltam a matar. A reincidência, de acordo com a magistrada é mais comum em casos de roubo e tráfico de drogas.

Juíza Luana Campos conta que a maioria das mulheres que mata tem motivação passional
A magistrada afirma que a maioria das mulheres que mata, tem motivação passional e são mais penalizadas do que os homens. “Elas deixam os filhos lá fora. Se tiverem os filhos na prisão, eles só ficam juntos um ano no máximo, depois as crianças são tiradas delas e ficam com parentes ou com o Estado. A maioria dos maridos some e abandona os filhos. Elas não recebem visita íntima nem da família”, relata.

Campanha Conte Até Dez
Para sensibilizar a sociedade quanto à banalização da violência, o Conselho Nacional do Ministério Público em conjunto com a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública – Enasp, lançou em todo país a campanha Conte até Dez, que tem os aspectos repressivos e educativos. Lutadores famosos como Andersom Silva, lideram a campanha que alerta: a raiva passa, a vida fica!

No Acre, a campanha foi lançada no dia 13 de novembro na Escola José Ribamar da Costa, pela procuradora chefe de Justiça do Estado, Patrícia Rêgo. Várias autoridades, como o secretário estadual de Educação, Daniel Zen, secretária de Políticas Públicas para as Mulheres, Concita Maia, participaram do lançamento. Concita Maia  comemora a campanha de valorização da vida. “As mulheres são vítimas de violência nesses momentos em que os companheiros se deixam levar pela raiva. Essa campanha deve trazer um novo momento: o de reflexão e valorização da tolerância”   

A procuradora Patrícia Rêgo  lembra  que a maioria dos presos no Acre tem o perfil apontado pela pesquisa do CNMP, que mata por impulso e motivo fútil. Ela explica que a  atuação do Ministério Público ocorre nas vertentes repressiva e educativa e que o PM/AC cumpriu em 2012, juntamente com a Polícia Civil, 100% das metas da Enasp no tocante à instauração das ações penais. “Nós entendemos também que para conter a violência é necessário atuar na vertente preventiva, educativa e pedagógica, e essa campanha vem coroar esse trabalho da Enasp”, completou a procuradora. Entre os parceiros do MP estão as secretarias estaduais de Segurança, de Educação, de Políticas Pública para as Mulheres e Polícia Militar. “Precisamos valorizar a vida e contar até três, até dez para não cometer atos que podem  resultar em tragédia”.  

A diretora da Escola de Ensino Médio José Ribamar Batista, Sirlene Luz, conta que a campanha despertou muito o interesse dos estudantes, a maioria adolescente. Além de debater o assunto em sala de aula, eles se tornaram multiplicadores do assunto na região. A presidente do Grêmio Estudantil da Escola, Sandra Marques, é uma das mais engajadas em difundir a prevenção contra a violência e os crimes praticados por impulso. Ela acredita que os jovens podem mudar a realidade apontada pela pesquisa do CNMP e levar a cultura da tolerância adiante. “Nós jovens podemos ajudar a ensinar que mesmo na hora da raiva é possível contar até dez e não estragar sua vida e a de outras pessoas”.  

Promotor Carlos Maia: campanha chegará ao interior
O coordenador da campanha, promotor Carlos Maia, relata que a iniciativa continua em outras escolas da Capital e também chegará ao interior. Uma cartilha está sendo distribuída aos professores, para que eles estejam mais preparados ao tratar o assunto com os estudantes. A campanha conta ainda com distribuição de folders e cartazes.  

A psicóloga Valeska Rodrigues concorda que depois de casa, o ambiente escolar é o mais adequado para que o tema violência seja tratado. Ela aplaude a ação do Ministério Público, de levar o tema do combate à violência para as escolas e defende que as crianças já nas primeiras séries, tenham contato com o assunto. Valeska diz ainda que os adultos devem buscar o equilíbrio para evitar a violência, exercitando o autodomínio. E avisa: quem não conseguir esse controle, deve procurar ajuda de psicólogos e profissionais da área, nas redes particular e pública de Saúde.  

A juíza da Vara de Execuções Penais e Segunda Vara Criminal, Luana Campos, acredita no sucesso da campanha do  Ministério Público a partir da difusão da mensagem da tolerância e diz que entidades como igrejas, federações, associações e representações da sociedade, devem se envolver no combate aos crimes cometidos por impulso. “Os padres, os pastores e professores devem difundir a ideia de contar até dez antes de se pensar em cometer algo grave. Essa ideia tem que passar de geração em geração”.     

Valderez, a Mel, condenada a 38 anos de prisão por ter matado um homem, afirma que se tivesse tido orientação como a da campanha do Ministério Público, hoje teria outra vida. “Eu vi aqui mesmo no presídio uma matéria sobre essa campanha do Ministério Pùblico e fiquei pensando que eu poderia ter evitado tudo isso com um pouco mais de orientação. Mas essa mensagem vai  servir para muita gente refletir que a  raiva passa e a vida fica. Quando a pessoa sentir raiva vai lembrar de contar até três, até dez e não fazer besteira”. 

 

A Gazeta do Acre: