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Ministério Público: tratando o agressor para diminuir a violência doméstica

Durante as audiências públicas do Planejamento Estratégico do Ministério Público em Cruzeiro do Sul, em 2011, a sociedade local apontou como uma das prioridades o combate à violência doméstica. O Núcleo de Combate à Violência Doméstica foi criado em agosto do mesmo ano para acolher as mulheres vítimas de violência e alcançou 140 mulheres, que receberam atendimento psicológico, jurídico e social.
MPE01121Mais de 80 homens já passaram pelo Núcleo de Reflexão e nenhum deles voltou a agredir
Mas era preciso ir além e tratar o agressor. O procurador de Justiça Sammy Barbosa foi o mentor da criação do Núcleo de Reflexão, idealizado com objetivo de oferecer, também aos agressores, acompanhamento psicológico.  Até agora, 85 homens já passaram pelo grupo e nenhum deles voltou a agredir a companheira, conforme atesta a delegada Carla Ivane de Britto, especializada no combate à violência contra a mulher.

Os homens são encaminhados para o núcleo, pela Delegacia Especializada da Mulher (Deam), em casos em que não há representação criminal, mas apenas busca de medidas protetivas, como o afastamento do homem da casa. “A maioria das mulheres não quer os maridos presos. Elas querem uma mudança nos companheiros”, relata a delegada Carla. Outros casos que já estão no âmbito do Ministério Público também são ‘pinçados’ pela equipe do Núcleo de Reflexão, que conta com 3 promotores, 3 psicólogos, 2 assistentes sociais, 1 assistente jurídico e 1 assistente de diligência.

“As mãos que batiam agora me fazem carinho e me protegem”
A dona de casa Maria Ivanete da Costa, casada há 10 anos com o servente Elzo Pontes Gomes, confessa que nem tinha mais esperanças de parar de apanhar, até que o marido passou a ir às reuniões do grupo. Eles têm um casal de gêmeos e já se separaram duas vezes por causa das agressões. Ela prestou queixa na delegacia, mas não queria que ele fosse preso porque o amava e sabia que ele só ficava violento quando bebia.
MPE01122“As mãos que me batiam agora me fazem carinho”, diz Maria
“Quando eu sabia que ele tinha bebido, já começava a me tremer. Tinha dor de barriga, me trancava no banheiro. A peia eu nem sentia mais, só que depois ficava com muita vergonha porque parecia que todos sabiam. Eu não queria sair mais na rua. Queria me esconder. No dia em que a gente chegou da terceira reunião do grupo do Ministério Público, ele me pediu perdão e disse que nunca mais ia me bater e está cumprindo. Hoje, as mãos que me ba-tiam, me dão carinho e me protegem. Eu nem lembrava mais como era receber carinho. O grupo salvou meu casamento e minha família”.

Prevenção
O Grupo de Reflexão atua em escolas e repartições públicas por meio de palestras dos técnicos e dos próprios ex- agressores, como Brasiliano Teixeira. Mais de 3 mil pessoas já ouviram as palestras. Segundo o promotor de Justiça de Cruzeiro do Sul, Ildon Peres Neto, um dos coordenadores do trabalho, o núcleo fortalece as mulheres. “Esse grupo é um passo importante para que possamos mudar esta realidade de Cruzeiro do Sul. Apenas prender o agressor não resolvia o problema. Muitos voltavam a bater nas esposas. Durantes as prisões havia, ainda, o problema da falta do provedor da casa, o que era reclamado pelas próprias agredidas. Agora os homens demonstram interesse em procurar as causas da violência e se tratar de verdade. E junto aos jovens, o efeito também é promissor”.

A delegada Carla Ivani relata que não conhecia ainda nenhuma experiência como essa do Ministério Público, que pensa o lado do agressor. Faz com que ele se veja e reflita sobre as causas e consequências da violência. O fato de as palestras serem realizadas em escolas, também traz o lado preventivo, o que pode evitar o surgimento de futuros agressores. A juíza da Vara da Família de Cruzeiro do Sul, Andréia Brito, avalia como demonstração de sucesso os resultados já alcançados e diz que tudo o que é feito para restaurar famílias e evitar novos casos de violência merece aplausos.      

O procurador Sammy Barbosa lembra a importância do Núcleo atuar em 2 frentes: uma preventiva e social e a outra repressiva, na qual entra o rigor da Lei, com os instrumentos jurídicos previstos na Lei Maria da Penha, que vão desde medidas de proteção à família e afastamento do agressor até medidas extremas, como a prisão, se for necessário, para aquele indivíduo que acarreta risco à família. “É importante que os homens saibam que quando eles chegam ao grupo, é porque as mulheres quiseram dar uma chance para que eles não fossem presos. Como eles sabem que elas podem decidir pela liberdade deles em caso de denúncia, isso também funciona como prevenção. E, se houver quebra no pacto firmado no núcleo, o Ministério Público age pelo rigor da Lei Maria da Penha. Mas até agora os casos são de sucesso”.

Nova fase
A primeira etapa do projeto do Núcleo de Combate à Violência de Cruzeiro do Sul, de 2 anos, será concluída no final de dezembro. Segundo o procurador de Justiça, Sammy Barbosa, é hora de buscar o redimensionamento do Núcleo, junto ao Ministério da Justiça, para expandir o atendimento.
MPE01123Procurador Sammy Barbosa foi o idealizador do Núcleo de Combate à Violência
Brasiliano diz que experiências como esta devem ser multiplicadas para que todos os homens agressores entendam que precisam de tratamento. “Quando a polícia chegou para me prender porque eu tinha batido na minha mulher, pensei que era o fim de tudo. Mas recebi foi um presente da delegada, do Ministério Público e da Justiça. Hoje sou outro homem porque em vez de ir para o presídio, tive uma chance de me tratar”.    

O tratamento
MPE01124Seu Brasiliano que bateu na mulher por mais de 20 anos diz que está curadoDurante 3 meses, os homens agressores participam de 12 reuniões: primeiro separadamente com a equipe, depois todos juntos. Em seguida, as esposas também vão. Brasiliano Teixeira, 60 anos, assessor parlamentar, diz que se sentiu incomodado em fazer o primeiro relato na frente de outros homens na mesma situação. “É difícil dizer para estranhos que bati na minha mulher por mais de 20 anos. Nesse momento é que a ficha caiu e eu entendi o quanto aquilo era horrível. Fiquei com muita vergonha. Queria correr dali, mas fiquei. Terminei a história, chorei e resolvi me curar de verdade dessa ‘doença’ que é a violência”, conta emocionado.

A psicóloga Gisele Andrade explica que a maioria deles teve um pai agressor e que consideravam as mulheres como ‘posses’, comportamento que é copiado e perpetuado. Na primeira reunião só com a equipe, eles negam, inventam desculpas como ‘não bato nela e sim no atrevimento dela’. Posteriormente, contam casos de violência que sofreram dos pais. Vão ouvindo outros exemplos e começam a se convencer de que bater na mulher não é algo banal, mas degradante. “Quando todos se encontram e as esposas participam tem o momento de lavar a roupa suja e a hora da reconciliação. Muitos maridos pedem perdão na frente de todo o grupo. Temos visto muitas famílias se refazendo”, diz a psicóloga.  

Brasiliano, que já terminou todo o tratamento no Núcleo de Reflexão, atualmente acompanha o grupo do Ministério Público nas palestras em escolas. Corajosamente, ele conta sua história para servir de exemplo para os jovens e dá um conselho às mulheres: “A mulher deve procurar a polícia ou o Ministério Público na primeira vez que apanhar porque ele pode ser preso, mas pode também ser tratado como eu fui”, orienta. Por enquanto, Brasi-liano ainda não conseguiu o perdão da esposa, mas sabe que aos poucos ela vai ver a mudança pela qual ele passou. “Vou ter minha esposa de volta. E agora vou saber tratá-la como uma flor, como ela merece. Hoje, graças ao que aprendi no núcleo, sou outro homem”.

NÚMEROS
Em 2010, 151 inquéritos relacionados à violência doméstica foram instaurados na Delegacia Especializada da Mulher de Cruzeiro do Sul. Em 2011, o número subiu para 145 e este ano, até agosto, já foram instaurados 176 inquéritos. A delegada Carla Ivane, diz que ações como a do Núcleo do Ministério Público que conscientizam a mulher sobre seus direitos e a profissionalização, que elas buscam agora com maior intensidade, acabam se refletindo no aumento de denúncia contra os maridos agressores. “Não creio que tenha havido aumento na violência. O que houve é que as mulheres denunciam, sabem que agora com a Lei Maria da Penha, o homem não vai à delegacia, paga uma cesta básica e vai embora. Se todos os agressores forem parar no Núcleo de Reflexão do Ministério Público, vamos aos poucos reduzindo esses dados e com as palestras, prevenir novos casos”.

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