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O presídio não reabilita e o crack é o consolo, diz “Pé de cão”

Crack1Na contramão dos objetivos da 1ª  Marcha Contra o Crack e Outras Drogas, realizada pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e do Conselho Penitenciário Estadual em abril do ano passado, que propagava a união do governo e sociedade civil para buscar novas alternativas para tratar os dependentes químicos, José Gabriel Martins, 42 anos, vive perambulando pelo Centro da cidade. Mais conhecido pelos apelidos de ‘Gibi’ ou ‘Pé de cão’, o ex-presidiário cumpriu mais de 10 anos de prisão por crime de latrocínio (roubo seguido de morte). Hoje ele ganha ‘uns trocados’ como flanelinha e mendiga por uma oportunidade de ser levado para um centro de recuperação para dependente químicos.

Em uma noite da primeira semana do ano, José Gabriel perambulava com um cachimbo de fumar crack na mão quando decidiu usar a droga na frente de jornalistas, no Centro da cidade, mas especificamente em um jardim entre o prédio do Samu e o Hospital da Criança.

Minutos antes de tragar a primeira ‘pedra’, ele fez um resumo de sua vida, avisando que após fumar a ‘pedra’ (estava com 4 delas), ele ficaria eufórico e talvez não quisesse entrar em depressão lembrando de seu passado e presente.

Da cocaína a decadência do crack
A históoria de José Gabriel, que até tem um nome angelical, mas um apelido demoníaco, não é muito diferente da de tantos ex-presidiários. Viciados em drogas ou não, eles continuam consumindo entorpecentes dentro das unidades prisionais.

Segundo José Gabriel, ele cumpriu mais de 10 anos de prisão em regime fechado pelo crime de latrocínio, um ato em consequência da dependência química. “Eu já estava viciado e junto com um parceiro fui roubar um comerciante para comprar droga. Mas ele reagiu e matou meu companheiro e eu o matei. Isso perturba minha mente até hoje. Não esqueço um só momento”, afirma Gabriel.

Segundo José Gabriel, o contato dele com a droga foi ainda na adolescência, quando começou a cheirar colar de sapateiro. Com o passar do tempo e com a chegada de ‘novas amizades’, ele conheceu a maconha, depois a cocaína. Por ser a cocaína uma droga mais ‘elitizada’ e mais cara, o rapaz deixou de ser o Gabriel e se transformou no ‘Pé de cão’. Isso porque passou a roubar para manter o vício.

Preso e condenado a mais de 10 anos, José Gabriel afirma que dentro da cadeia foi melhor que fora, pois podia fumar maconha todos os dias, sem a preocupação de aumentar o período de prisão. “Basta ter dinheiro, ser antigo ou ser um cara legal que a maconha chega até você dentro do presídio”, revela o ex-presidiário.

Liberto das grades e preso nas pedras
Gabriel lamenta a condição de vida atual. Com o corpo coberto de tatuagem, um pulmão a menos (retirado através de cirurgia, pois estava afetado por um câncer), ele diz que do futuro só espera a morte, mas quer que ela aconteça no efeito do crack.

“Tive a má sorte de encontrar com a droga. Perdi minha juventude dentro de um presídio e transformei meu corpo desenhando tudo o que passava na minha mente. Afundei mais e mais sob a guarda do sistema, que não reabilita ninguém, apenas destrói e deixa marca da exclusão total. Hoje estou liberto das grades e das muralhas do presídio, mas uma pedrinha de crack me aprisiona por completo”, desabafou.

Após o desabafo, José Gabriel acendeu um cigarro, usou as cinzas que são depositadas no cachimbo. Um ritual de palavras sem nexo foi pronunciado e ele ‘deitou’ 1 pedra de crack no cachimbo, em seguida a fumou. Em segundos perdeu o contato com a realidade da dor e do sofrimento, minutos antes narrados.

O enfrentamento do governo e sociedade
O secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Nílson Mourão, informou que vários órgãos do governo estão unidos na elaboração de relatórios sobre o problema das drogas no Acre. A ideia é trabalhar com a realidade local do consumo de drogas. “Por estarmos em um Estado de fronteira com o Peru e a Bolívia, a situação do tráfico de entorpecentes é um grande problema. Vamos trabalhar na construção de políticas públicas para prevenir e tratar os dependentes químicos”, ressaltou Mourão.

Segundo o presidente do Conselho Penitenciário Estadual, Valdir Perazzo, cerca de 83% dos reeducandos do Estado são dependentes químicos e os crimes praticados têm relação direta com uso de entorpecentes. Assim, a aplicação de penas alternativas seria a melhor saída para reduzir o número da população carcerária acreana.

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